Queima
do lixo a galope, apesar da lógica e da lei
Washington Novaes
Vai e
volta sem chegar a consenso a discussão sobre o destino do lixo, dos
resíduos sólidos e orgânicos, tantos são os interesses
envolvidos. Neste momento, o centro do debate está em torno da
decisão ou intenção de alguns municípios paulistas,
principalmente da Região Metropolitana de São Paulo - Mogi das
Cruzes, Barueri, São Bernardo do Campo -, de partir para projetos de
incineração de resíduos.
Barueri,
por exemplo, que hoje leva seu lixo para 30 quilômetros de
distância, vai aplicar R$ 160 milhões na instalação de uma usina
que incinerará, a uma temperatura de 800 graus, 90% dos resíduos, a
um custo de R$ 44,6 milhões anuais (Folha de S.Paulo, 6/4). Mogi das
Cruzes e outros cinco municípios terão um projeto conjunto para
incinerar 500 toneladas diárias. O Conselho do Instituto Pólis, por
exemplo, já condenou o projeto, não só por causa dos riscos da
incineração (emissão de dioxinas e furanos, cancerígenos,
dependendo da temperatura), como pelos prejuízos para as
cooperativas de catadores de materiais recicláveis.
O tema
foi um dos discutidos em recente reunião promovida pelo Instituto
Ethos, na qual empresas eram convidadas a assinar uma carta de
compromisso sobre "gestão sustentável de resíduos sólidos".
Nesta, a intenção é seguir as prioridades da Política Nacional de
Resíduos Sólidos, aprovada pelo Congresso Nacional - não gerar
resíduos, reduzi-los, reutilizá-los, reciclá-los, dar prioridade
na política a cooperativas de catadores. Infelizmente, o Senado, na
última hora, suprimiu o dispositivo que colocava a incineração
como alternativa a ser considerada apenas se as outras não fossem
viáveis. E mandou o texto para a sanção presidencial - o que
ocorreu ainda na gestão Lula.
É um
problema brasileiro grave, pois estão sendo geradas mais de 230 mil
toneladas diárias de lixo domiciliar e comercial (fora entulhos e
outros tipos de resíduos), mais de 1,2 quilo por pessoa/dia, das
quais 62 milhões de toneladas anuais de resíduos sólidos; 89%
desse volume é coletado e mais de 40% vai para 3.369 lixões,
segundo o IBGE. Agora, o Movimento Nacional dos Catadores protesta
"veementemente" contra a intenção de Porto Alegre, onde a
prefeitura avalia dez projetos para uma central de tratamento de
resíduos, que terá como uma das possibilidades a incineração de
1,8 mil toneladas diárias, hoje levadas diariamente em 20 caminhões
para um aterro a 120 quilômetros de distância. A cidade paranaense
de Maringá também ameaçou tomar esse caminho, mas a oposição foi
mais forte.
Apesar da
oposição, a tendência à incineração cresce, pois as principais
cidades brasileiras - São Paulo, Rio de Janeiro, Belo Horizonte,
Recife, Brasília, Porto Alegre, Curitiba - estão com seus aterros
esgotados. E a coleta e o transporte de resíduos custa às
prefeituras entre R$ 30 e R$ 120 por tonelada - o quer significa
alguns bilhões de reais por ano. Pode ser até mais, se chegarmos à
situação de Nova York (EUA), que passou a levar seu lixo em
caminhões para mais de 500 quilômetros de distância, ou de Toronto
(Canadá), com um comboio ferroviário levando todos os dias mais de
3 mil toneladas para mais de mil quilômetros de distância.
A
reciclagem no Brasil, em usinas, é quase ridícula: menos de 2% do
lixo. E nossa situação só não é mais grave graças ao trabalho
heroico de 1 milhão de catadores que levam os resíduos sólidos
para empresas que os reciclam - mais de 90% das latas de alumínio,
mais de 40% do papel, do papelão e do vidro, em torno de 50% do PET.
Mas a situação pode piorar se for aprovado (a decisão está
pendente na Justiça) que bebidas alcoólicas e refrigerantes poderão
ser envasados em PET.
A
legislação aprovada pelo Congresso estabelece que os lixões terão
de ser desativados até o fim do ano que vem. E que todos os
municípios deverão promover a coleta seletiva e a reciclagem. Só
que o prazo para a apresentação de projetos que poderão receber
recursos públicos já se esgotou e menos de 10% deles os fizeram.
Também a logística reversa - com o retorno de resíduos às
empresas geradoras - é teoricamente obrigatória (só os sacos
plásticos, no mundo, são 1 milhão por segundo, 500 bilhões por
ano). Uma boa alternativa foi aberta pelo Conselho Nacional do Meio
Ambiente (Conama), ao permitir consórcios intermunicipais em aterros
para até 20 toneladas diárias - o que abrange 80% dos municípios
com até 30 mil habitantes.
Quando se
retorna à proposta de incineração, não se pode esquecer estudo da
Unesp de Sorocaba que mostrou o desperdício de recursos que esse
caminho (e outros) envolve, ao analisar o conteúdo das 135 toneladas
diárias de resíduos levadas ao aterro da cidade de Indaiatuba: 91%
deles eram reaproveitáveis ou poderiam ser compostados
(transformados em fertilizantes) e/ou reciclados. E ainda
economizando espaços no aterro.
Mas a
pressão em favor da incineração é muito forte. Praticamente todas
as grandes empreiteiras têm hoje empresas nessa área (e na coleta
do lixo em todo o País), com influência muito forte nas políticas
públicas, pois são as maiores contribuintes para campanhas
eleitorais. Recife já adotou esse caminho, Brasília vai para o
mesmo rumo, o Rio poderá segui-lo. E é um caminho praticamente
irreversível, como mostram vários países europeus: apesar da
oposição que enfrentam, será preciso produzir lixo até a
eternidade para movimentar as usinas (que geram energia), a preços
altíssimos.
É mais
um desses temas em que grande parte da sociedade se mostra indignada
com a falta de soluções. Mas até aqui se mostrou também contrária
à solução que se tem mostrado mais eficaz em muitos lugares no
mundo: criar uma taxa para todos os geradores de lixo, proporcional
ao volume que produzam, com a receita financiando as boas soluções.
A Alemanha, por exemplo, em alguns anos reduziu em até 15% seu lixo
domiciliar e comercial.
Washington
Novaes, jornalista, artigo publicado no jornal O Estado de S.
Paulo, 26-04-2013.
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