segunda-feira, 29 de fevereiro de 2016

Legislação ambiental do RS: mudar pra quê e pra beneficiar quem?



Legislação ambiental do RS: mudar pra quê e pra beneficiar quem?

Por Demilson Fortes


Nesta terça-feira, dia 23 de fevereiro, a Comissão de Constituição e Justiça (CCJ) da Assembleia Legislativa do Rio Grande do Sul aprovou a criação de uma subcomissão com o objetivo de analisar, atualizar e aperfeiçoar o Código Estadual do Meio Ambiente, proposta pelo deputado Frederico Antunes (PP). No requerimento do proponente, não consta nenhuma justificativa consistente capaz de endossar a necessidade de tal 'aperfeiçoamento', bem como argumentos razoáveis provando que a proposta melhoraria a eficiência da proteção ambiental e a busca pela realização da sustentabilidade.

O Código Estadual do Meio Ambiente, Lei nº 11.520 de 03 de agosto de 2000, é a principal normativa da legislação ambiental do Estado do Rio Grande do Sul, uma espécie de espinha dorsal da legislação ambiental estadual. Sua elaboração foi prevista no artigo 40 do Ato das Disposições Constitucionais Transitórias da Constituição Estadual.

Diante da aprovação da subcomissão, cabe formular algumas questões básicas, mas importantes: será que é preciso rever todo o Código Estadual do Meio Ambiente? Mudar pra quê? Mudar pra beneficiar quem? Infelizmente, sob o eufemismo de 'atualização', 'aperfeiçoamento' e 'modernização', os conservadores, reiteradamente, tentam impor pautas que atendem interesses setoriais, corporativos e imediatistas, seja no âmbito estadual ou federal, que na prática, se configuram em retrocessos.

Essa iniciativa coloca riscos à proteção ambiental. O Brasil vive uma conjuntura de crise política e econômica, onde é quase impossível realizar um debate razoavelmente equilibrado e qualificado, em que prevaleça o interesse público e compromisso com a sustentabilidade. No último período, houve crescimento no país das pautas conservadoras que propõem retirar direitos dos trabalhadores, com ataque brutal aos direitos humanos com tentativas de regredir nas garantias legais dos povos indígenas, quilombolas, jovens, mulheres. Prosperam no Congresso propostas que enfraquecem a proteção ambiental.

No âmbito estadual, o governo do Estado é comandado pelo Sr. José Ivo Sartori, um político de perfil neoliberal, que na sua trajetória já demonstrou não ter compromissos com a proteção ambiental, onde a secretária da área ambiental é conhecida por posturas polêmicas e pouco comprometimento com o meio ambiente. Não há iniciativas de fortalecimento e qualificação dos órgãos ambientais de Estado, ao contrário. Trata-se de um governo que não se preocupa se o Estado deixa de cumprir com as suas funções públicas, que não realiza investimentos para qualificar a gestão ambiental e é sustentado por uma maioria parlamentar conservadora, pressionado por setores econômicos patronais. Portanto, há de se pressupor que, dificilmente, se produzirá algo na perspectiva da construção da sustentabilidade. Há setores conservadores que apostam na fragilidade da esquerda e do pensamento progressista nesta conjuntura de crise política nacional.

Infelizmente, nos últimos tempos as pautas ambientais quando tramitam nos parlamentos estadual e federal, vêm no sentido de retirar proteção ambiental e sugerir facilidades que fragilizam a proteção do meio ambiente. Por óbvio, cada deputado tem todo o direito de defender projetos e ideias, a democracia permite isso. Mas todos sabem que iniciativas de 'aperfeiçoamento' de leis ambientais partindo de um parlamentar de direita, tradicional representante dos grandes produtores, ideologicamente alinhado com das entidades patronais Farsul, Fiergs e Fecomércio, as suas ideias e projetos estarão sintonizados com estes setores e com a visão de desenvolvimento que eles representam. Fica difícil esperar defesa de proteção do meio ambiente de quem nunca se ocupou com tais pautas.

Com justificativas de relevância socioambiental, visando aperfeiçoar os instrumentos de proteção ambiental e sustentabilidade, é plenamente possível fazer o debate da legislação. Mas, se necessário, avalio que este deveria ser pontual, ou seja, apontar onde se propõe alguma alteração com as devidas justificativas, abrindo uma discussão plural, com amplos setores da sociedade que tem relação com o tema, seja por interesse setorial (agricultura, indústria, comércio etc) ou ligados à proteção ambiental, universidades e instituições de pesquisa e Ministério Público.

A população precisa estar atenta, porque na esteira da proposta de 'modernizar', se produz retrocessos, retirando proteção e reforçando uma visão equivocada de desenvolvimento, que nos levou a essa situação de crise ambiental generalizada.

Mais uma vez, se faz necessário a presença constante e ativa da sociedade civil organizada, exigindo do parlamento, democracia, participação social, debate plural e predominância do interesse público. A sociedade deve evitar que prevaleçam os interesses setoriais econômicos e imediatistas, bem como os aventureiros, eleitoreiros e demagógicos. A sociedade que barrou há pouco tempo uma tentativa de retrocesso na Lei Estadual nº 7.747/82, que trata do controle dos agrotóxicos, é novamente convocada a fazer história. O futuro está sempre em disputa.

É basilar no direito ambiental, os princípios da prevenção e da precaução, ou seja, buscar minimizar riscos e evitar danos, aumentando as garantias de sustentabilidade. Debater a legislação ambiental, portanto, de forma séria e qualificada, seria assumir como pressuposto, a complexidade e a responsabilidade ética com tema, estabelecendo como referência e objetivo, não repetir tragédias como da barragem de Mariana (MG). Seria, por exemplo, incorporar no âmbito estadual as preocupações com as mudanças climáticas, que levaram dos chefes de Estado a Paris a fim de construir o maior acordo ambiental da história. Mas o que motiva querer mudar a Lei? Quais serão as referências? Satisfazer a base eleitoral que tem olhos somente na Bolsa de Chicago, ampliar áreas de produção e ocupação territorial, ou assumir os compromissos estratégicos de longo prazo, pensando na segurança e qualidade de vida das futuras gerações que aqui hão de viver nos próximos séculos? Há uma questão ética de fundo nesse debate.

Para acrescentar, também foi aprovada na Comissão de Saúde e Meio Ambiente, uma subcomissão para tratar do Cadastro Ambiental Rural (CAR) do Código Florestal, proposta do deputado Elton Weber (PSB). Há ainda uma proposição do deputado Ciro Simoni (PDT) de subcomissão para tratar do Código Estadual do Meio Ambiente (vai atuar conjuntamente à CCJ), além de iniciativa de debate da legislação do Zoneamento Ecológico-Econômico do Litoral Médio, que tem produzido discussões polêmicas e levanta críticas de alguns setores.

Enfim, o meio ambiente está em pauta em 2016. Porém, a dúvida é: será que o propósito é preservá-lo? Será que estão preocupados com os interesses estratégicos da população, com os ecossistemas e com as futuras gerações? Depois de secas dramáticas, mudanças climáticas e uma crise ambiental que tende a se agravar, poderíamos ter evoluído e debater sobre como proteger mais e melhor. Mas, pelo que se vê, a economia e as respostas simplistas sempre tendem a se impor na agenda política.

Pelo retrospecto e pelo contexto, temos razões para pessimismo e preocupação. Está colocada a questão: como analisar e aperfeiçoar legislações tão importantes sem deixar se contaminar por proselitismo político, interesses econômicos setoriais e imediatistas? Espero que o parlamento gaúcho não se coloque na contramão da história. Que consigam lembrar da tragédia de Mariana, para não repeti-la.



Demilson Fortes, engenheiro agrônomo, ecologista.

Publicado no Sul21, em 29 de fevereiro de 2016.