domingo, 30 de maio de 2010

África, literatura e cinema.

PARA QUEM GOSTA DA ÁFRICA

Texto de Demilson Figueiró Fortes

ÁFRICA para ler, assistir e ouvir. O livro A FAZENDA AFRICANA, da escritora Karen Christentze Blixen, que ficou conhecida pelo seu pseudônimo Isak Dinesen, deu origem ao filme ENTRE DOIS AMORES (titulo original é OUT OF AFRICA). Um grande livro. Um belíssimo filme. Um filme com uma trilha sonora formidável (de John Barry). Tudo digno da grandeza do Jardim do Édem. África: lá onde tudo começou. O continente berço da humanidade. Onde surgimos e de onde saímos para povoar o mundo.

O livro, trata da história autobiográfica de uma mulher dinamarquesa, de origem aristocrática, que nasceu em 1885. A obra literária foi publicada em inglês em 1937 e transformada em filme em 1985, sendo vencedor de sete oscar (melhor filme, melhor diretor, melhor trilha sonora, entre outros). A triz Meryl Streep é protagonista.

No início do século XX (1914 a 1931) ela assume a condução de uma fazenda no Quênia e passa a cuidar de uma plantação de café. Neste período o país estava sob domínio inglês. O relato é feito pelos olhos de uma mulher européia, mas que estabelece uma relação respeitosa e carinhosa com a cultura africana. Um depoimento cultural e antropológico, sem preconceitos, de quem viveu num mundo com enormes diferenças de seu modo de vida de origem, pois a distância entre Dinamarca e Quênia não é somente geográfica. Entremeados de alegrias, prazeres, lamentos, decepções, sofrimentos. Coisas humanas. Um retrato admirável de um período e de povos quase desconhecidos.

Ler o livro e assistir o filme é um passeio pelo Quênia. Aliás, um belo passeio. No filme, a trilha sonora de música clássica faz sonhar, viajar, voar. Sim, faz voar. Há uma passagem mágica, que é das mais belas do cinema, onde em um pequeno avião os dois personagens sobrevoam as montanhas Ngong. “Essas montanhas, que se enquadram entre as mais bonitas do mundo, são especialmente belas quando vistas do ar, com seus costados que se erguem e galopam lado a lado com o aeroplano, ou, então, subitamente caem abruptamente e se achatam numa planície” (trecho do livro). No filme, com uma trilha sonora majestosa, temos a sensação de voar sobre as montanhas da África.

Uma fazenda em que no cotidiano em que sair pra dar um passeio é ter a grande probabilidade de cruzar com zebras, macacos, elefantes, leões, leopardos, veados (hienas, antílopes), girafas, búfalos, bugios, javalis, perdizes, lagartos, onças, flamingos, lebres, cegonhas, crocodilos, águias, pombas e outros pássaros.
Na África Queniana, do início do século XX, a natureza se apresenta imensa, diversa, parecendo infinita e indomável: savanas, planícies, rios, montanhas, animais vários tipos. Uma biodiversidade rica. Mas pra além da natureza em si, as tribos humanas, seus costumes, valores, relações, modo de pensar. Isso que denominamos de cultura.

Destacam-se os povos Somalis, Kikuyo e Masai. Os somalis de influência cultural árabe e hábitos muçulmanos, são religiosos, não tocam em cachorros e os casamentos são arranjados pelos mais velhos e se compra a noiva dando em troca cabras e vacas, por exemplo. Nos funerais, os mortos humanos dos nativos são deixados ao ar livre, para os urubus comerem. Para os Kikuyos os homens podem ter várias esposas, e assim geralmente tinham muitos filhos, como o chefe Kinanjui, que tinha várias esposas e 55filhos. As mulheres nativas Kikuyos e Somalis raspam os cabelos quando crianças e isto se tornou um símbolo da feminilidade entre eles. Os Kikuyos são povos valentes, não temem a morte e a dor, mas que temem tocar um cadáver e temem as tormentas. A justiça, para os povos tradicionais, de várias tribos, era uma assembléia dos mais velhos, que estabeleciam as penalidades aos acusados, que para eles deve ser a indenização da vítima, como por exemplo, pagar 50 camelos ao outro. Apesar dos casamentos arranjados e a noiva serem compradas, é forte o poder de sedução das mulheres somalis sobre seus homens. Esses e outros tantos hábitos dos nativos eram muito rigorosos, parecendo, segunda a escritora, serem imutáveis, irredutíveis, optando em morrer do que mudar a sua maneira de ser. Alguns nômades, alguns mais religiosos, alguns mais guerreiros. Eles também têm as suas diferenças, seus rituais próprios, e sob o domínio colonial europeu tiveram que forçadamente se integrar aos brancos.

Uma historia da experiência de vida. E na vida, como na ficção, há romances, alegrias, dores, lamentos, dificuldades no trabalho, sofrimentos com perdas materiais e humanas. Uma mulher entre dois amores e tendo que dar respostas as coisas que se colocavam a sua frente, num mundo muito diferente da sua cultura de origem. Mas o fracasso em alguns aspectos da vida não significa não ter valido a pena. Karen Blixen legou a literatura mundial uma bela história de vida e Meryl Streep a interpretou de forma magistral no cinema. Literatura, cinema e música, uma combinação perfeita. Pela premiação de sete oscar e mais quatro indicações parece indicar que não se trata de um filme comum. E definitivamente não é. É prazeroso ler o livro, assistir o filme e ouvir a trilha sonora. Fazer isso muitas vezes. E, olhar com carinho a África. África: nossa origem e nossa casa.

Demilson Figueiró Fortes