quarta-feira, 1 de junho de 2011

Análise do Código Florestal aprovado





Análise do Projeto do Código Florestal, Emenda Substitutiva Global de Plenário Nº 186, aprovado na Câmara dos Deputados em 24/05/2011 (PL Nº 1.876 de 1999 e apensados)



Introdução

O presente documento apresenta uma análise sobre o texto do Código Florestal aprovado no dia 24 de maio de 2011 na Câmara dos Deputados. Certamente, pela repercussão e consequências, um dia para ficar na história do Brasil, e pode-se dizer, com vencedores e vencidos. Desde o início estava claro que a disputa que se configurou, entre agricultura e meio ambiente, iria gerar muito debate e conflito. Ao final confirmou-se a previsão.

O setor agrícola colocou o tema em pauta, defendendo a necessidade de uma reformulação do Código florestal. É também este setor da economia brasileira, até o momento, o mais beneficiado com o resultado deste debate. Para ser ilustrativo, pode-se dizer que na disputa entre a lavoura de soja e a Mata Atlântica, a primeira teve a preferência dos deputados federais. Na política o símbolo que ficará é, provavelmente, o da bancada ruralista (a velha UDR) gritando de forma entusiasmada o nome do relator, deputado Aldo Rebelo do PCdoB, saudando-o como herói do grupo.

Lamentavelmente, a preservação ambiental, a precaução, a visão de longo prazo, ou mesmo a simples conservação de áreas com manejo sustentável foi vista, por setores da economia, especialmente o agronegócio, como empecilho para o crescimento do país. O Partido dos Trabalhadores, mesmo com algumas visões diferenciadas internamente, tentou de forma insistente introduzir mudanças no texto do relator, buscando melhorá-lo, visando dar garantias à produção sem fragilizar a proteção ambiental, o Partido, entre outros, disse não a anistia para os crimes ambientais.

O texto agora tramita no Senado, onde o debate continua e será aprofundado, depois retornará a Câmara, para posteriormente ir à sanção da Presidente Dilma que já anunciou que irá trabalhar para melhorar o conteúdo da lei, não aceitando a ideia de entrar para a história como o governo que autorizou retrocessos ambientais no país.


Elementos gerais

Na metade de 2010 o deputado Aldo Rebelo apresentou o seu relatório do Projeto de Lei Nº 1.876/1999. Por entender que a proposta significava, na menor das hipóteses, um enorme retrocesso sócio-ambiental, o PT votou contra o relatório na Comissão Especial que analisou o projeto. Nos meses seguintes o Partido dos Trabalhadores continuou tentando alterar vários pontos do projeto, chegando em alguns momentos a obter avanços na negociação, muitos deles revertidos pelos ruralistas e pelo relator. No último dia 24 de maio de 2011, depois de muitas controvérsias, uma nova versão foi apresentada pelo relator. Esta versão (emenda 186) é a que foi levada ao plenário da Câmara Federal, votada e aprovada por 410 votos sim e 63 votos não. Apesar do encaminhamento para votação favorável, o Líder da Bancada no último momento liberou o voto dos Deputados do PT e assim, dos 63 votos não, 35 deles foram de deputados do PT. Este resultado não foi surpresa pois antes mesmo da votação em plenário, na reunião interna, a bancada do PT definiu por 27 votos a 24 a favor da orientação do governo, o que sinalizava a divisão interna. Já na votação da Emenda 164 o resultado foi de 182 votos contrários e 272 votos favoráveis, e desta vez a Bancada do PT não teve dúvidas, votou maciçamente contra.

Por sua importância estratégica, o texto do Código Florestal, deve ser analisado numa perspectiva para além de alguns setores econômicos. É equivocado, por exemplo, considerá-lo somente do ponto de vista da agricultura, mesmo que seja da agricultura familiar. Por isso, ao ser analisado globalmente, o Projeto de Lei aprovado na Câmara Federal é um enorme retrocesso. O país perderá muito em áreas de preservação e biodiversidade, portanto, perde-se muito sob todos os pontos de vista. Infelizmente os interesses imediatos saíram vencedores, qualquer analise de médio e longo prazo apontará muitos prejuízos para a sociedade brasileira como um todo.

Do ponto de vista da diminuição das emissões de gases de efeito estufa para o cumprimento das metas estabelecidas, o Governo Federal terá que readequar a sua estratégia para cumprir o compromisso internacional assumido.

Nesse enfrentamento, a agricultura, como atividade econômica e produtiva, obteve a maior vantagem. Os segmentos sociais da agricultura familiar e os médios produtores obtiveram vantagens. Entretanto, a ampla vantagem, é dos chamados ruralistas que são os grandes vitoriosos nesse embate histórico.

Muitos elementos podem ser trazidos para ilustrar o debate. Por exemplo, em relação às atividades agropecuárias realizadas no Pantanal, o relatório de 2010 era mais restritivo. O texto aprovado do Novo Código permite a exploração, “desde que seja sustentável e com recomendação técnica da pesquisa”. Retórica pois o texto também permite a “supressão da vegetação nativa para outros usos” sujeitos a permissão do órgão estadual. Como o Centro-Oeste possui perfil de grandes propriedades, onde se concentram altos índices de crimes ambientais, esta mudança é plenamente favorável à estes comportamentos predadores.

A emenda 164 é mais um exemplo. Apresentada pelo deputado Paulo Piau (PMDB-MG), substituta do Artigo 8º, na prática, libera todas as atividades realizadas atualmente nas Áreas de Preservação Permanente (APPs), pois flexibiliza a intervenção ou supressão de vegetação nessas áreas. Ou seja, de acordo com o texto aprovado, as atividades produtivas nas APPS são consideradas como áreas consolidadas e poderão ser mantidas, independente de tamanho de área, de condição socioeconômica, de estudos de Zoneamento Ecológico-Econômico, do CONAMA, enfim, o texto apenas remete as situações ao Programa de Regularização Ambiental (PRA), que poderá ser elaborado pelos órgãos estaduais, muitas vezes, mais flexíveis.

Outro fato relevante, é que foi retirado da versão final do relatório um aspecto importante que constava na versão de 2010, o Art. 47, o qual estabelecia uma moratória de cinco anos para desmatamentos. Esta medida era muito importante, contribuiria para frear a escalada de desmatamentos e ajudaria o país no cumprimento das metas da Política Nacional de Mudanças do Clima para redução das emissões de gases de efeito estufa. Esta moratória permitiria ao Estado elaborar o Zoneamento Ecológico-Econômico, a elaboração de planos de bacia, o que daria condições técnico-científicas para orientar a ocupação de territórios. Em síntese, pode-se concluir que os interesses locais e da agricultura estão acima do conjunto dos interesses do País.

Desde 2009, a agricultura familiar vinha dialogando com o Governo Federal buscando garantir no texto exceções favoráveis. No entanto, o relator sempre demonstrou resistência. As propostas apresentadas pelo Governo Dilma também nunca foram divulgadas oficialmente, vinham à público apenas noticias jornalísticas que tornavam públicas alguns elementos das negociações. Em determinados momentos tinha-se avanços, posteriormente recuos. O auge foi no dia 10 de maio quando o texto estava para ser votado e foi interrompida a votação ao se constatar que o relator tinha acrescentado modificações de última hora ao texto, substituindo, entre outras coisas, a palavra “recomposição” por “regularização”, o que alterava profundamente o conteúdo do documento.

No dia 24 de maio, num último esforço para melhorar minimamente o texto do código florestal, o PT apresentou quatro destaques para votação, retirando um deles posteriormente e os outros três foram derrotados. Um dos destaques propunha suprimir o § 5º do Art. 33 da Emenda Substitutiva 186, que concede a anistia das dívidas. Outro, propunha a supressão do inciso IV do § 5º do Art. 38, que autoriza a compra de terras para compensação, o que, no entendimento do PT, da forma como está proposto contribui para concentrar a propriedade rural em níveis maiores que os atuais. E o terceiro destaque, foi no Art. 50, propondo que as áreas preservadas por determinação legal, em propriedades da agricultura familiar fossem consideradas como serviço ambiental.


O Agronegócio e o Código Florestal

A vitória ruralista é política e ideológica. Conseguiram fragmentar a base de sustentação do governo Dilma e derrotaram o governo. Ao prevalecer o texto do Aldo Rebelo e ser aprovado com divisão do PT, e ao impor a emenda 164, os ruralistas mostraram força política. Vão querer impor outras coisas no futuro, a ANVISA, por exemplo, que enfrenta questões polêmicas (fumo e agrotóxicos), já está na mira. A Presidente Dilma ou vetará os abusos ou passará os próximos anos dando explicações. O tema ambiental já pautou o debate eleitoral em 2010 e tudo indica que não será diferente nos próximos anos.

A vitória ruralista é também materialmente de enorme significado econômico, senão vejamos um resumo das razões para as comemorações:

• Conseguiram anistia de dívidas para os crimes ambientais relacionadas a Reserva Legal (RL) e Áreas de Preservação Permanente (APP) praticados até 22 de julho de 2008. Isso, entre outros, contraria a Constituição Federal que estabelece no Art. 225 § 3° “As condutas e atividades consideradas lesivas ao meio ambiente sujeitarão os infratores, pessoas físicas ou jurídicas, a sanções penais e administrativas, independentemente da obrigação de reparar os danos causados”. Este perdão de dívidas fica condicionado a realização da regularização ambiental, como consta no Art. 33 § 5º e Art. 34 do texto.

• No Art. 16 está garantido que será admitido o cômputo da APP com RL, o que na prática diminui área de preservação total. Se, por exemplo, um produtor tinha que deixar 100 hectares de APP e outros 100 hectares de Reserva Legal, agora ficará obrigado com apenas metade disso, pois ambas serão somadas.

• Conseguiram garantir no Art. 13 § 7º que propriedades de até quatro módulos fiscais (pode chegar a 400 hectares no Mato Grosso, por exemplo) mantenham somente a Reserva Legal existente, ou melhor, o que restou dela. Se tiver alguma reserva fica como está, se desmatou não precisa recuperar. Significa que independentemente de ser agricultura familiar ou chácara de final de semana, ou empresário rural, não precisará recompor a Reserva Legal. Para ilustrar, imagine-se, em alguns municípios do Mato Grosso onde o módulo fiscal é de 100 ha, uma propriedade de 400 ha onde foi totalmente retirada a floresta (ilegalmente) e plantado soja - comum da região -, agora, de acordo com o texto aprovado ficará sem a obrigação de recompor 320 ha de floresta (na Amazônia a Reserva Legal é 80% da área), ou seja, se não tiver nada de APP na área, este produtor continuará cultivando os 400 ha de soja. Ao mesmo tempo, um produtor vizinho, que respeitou a lei mantendo a floresta deverá manter os 320 ha e cultivar 80 ha. Neste exemplo, quem derrubou a mata será premiado.

• Ao retirar poderes do CONAMA enfraquece quem se opõe ao agronegócio. O CONAMA tem um perfil progressista e tem uma história reconhecida de defesa do meio ambiente, característica que os ruralistas, e quem agride o meio ambiente, deixaram bem claro, que não simpatizam.

• Os grandes proprietários e lavoureiros de soja, por exemplo, que não tem nas suas propriedades nenhum fragmento de Reserva Legal, agora de acordo com o Art. 38 § 6º inciso II “estar localizadas no mesmo bioma” , na prática, poderão compensar em lugares distantes, noutros estados inclusive, onde o valor da terra é bem inferior. Assim, se manterão lugares de monocultivos de soja ou cana, por exemplo, sem nada de vegetação do ecossistema original. Pelo texto aprovado, a Reserva Legal como função de conservar ecossistemas locais fica descaracterizada. No atual Código Florestal admitia a compensação, porém, determinava “que pertença ao mesmo ecossistema e seja localizada na mesma microbacia”. Fica evidente, mais uma vez, que os grandes produtores foram beneficiados.

• De acordo com o Art. 38 § 3º poderão recompor a Reserva Legal utilizando-se de 50% de espécies vegetais exóticas, e obtendo assim ganhos econômicos na recomposição pois está permitida a exploração econômica. Como aprovado no texto, a Reserva Legal descaracteriza-se como instituição de finalidade ecológica. Altera-se muito da concepção do atual Código Florestal, que admite a existência de exóticas, mas mediante plantio temporário, como espécies pioneiras, aquelas que ajudarão melhorar o solo “visando a restauração do ecossistema original”, e seguindo critérios técnicos do CONAMA. Além de obter lucro com as espécies exóticas, poderá ser também para os recursos naturais das espécies nativas, como consta no Art.18 § 1º “admite-se a exploração econômica da Reserva Legal mediante plano de manejo sustentável”. No Art. 21 inciso II novamente garante o uso econômico da modalidade de “manejo sustentável da Reserva Legal para exploração florestal com propósito comercial”. O uso econômico é para todas as propriedades.

• Em se cadastrando e se regularizando, poderão se beneficiar de políticas públicas e receber benefícios no crédito ou de algum outro tipo. Ao invés de responder pelas infrações poderão serem anistiados e beneficiados nas políticas públicas, como consta no Art. 49 e Art. 50.

• Aprovaram a emenda 164, que altera o Art. 8º, já referida anteriormente, consolidando as atividades agrícolas e crimes praticados até 22 de julho de 2008 e que regulamentará o manejo e a supressão de vegetação nativa das APPs, além disso, remete ao Programa de Regularização Ambiental (PRA) que poderá ser realizado pelos Estados e Distrito Federal, deixando o CONAMA sem poder de interferir.

• No que se refere ao regime de “pousio” como área integrada a produção, portanto, consolidada, abre para dúvidas, pois não fixa prazo para que a terra fique parada para se recompor. Suspeita-se que é mais uma estratégia de converter matas em lavouras, valendo-se desse tipo de manejo.

• Os grandes produtores poderão concentrar ainda mais seus domínios de terras, pois o inciso IV do § 5º do Art. 38 autoriza a “aquisição” de terras para compensação. Desta forma, eles poderão comprar terras que não tem incidência de impostos e no futuro, talvez, ainda venderão créditos de carbono, portanto, os grandes nunca saem perdendo.

A Agricultura Familiar e o Código Florestal

No debate sobre o Código Florestal, a agricultura familiar foi estratégica para os ruralistas alcançarem seus objetivos. Certamente, sem os pequenos agricultores, o agronegócio não teria obtido o êxito que alcançou. O discurso somente se sustentou pelo uso constante e insistente que citava o caso dos parreirais e das macieiras que se localizam na serra, região de predominância de minifúndios, onde há muitas áreas tipificadas como sendo de preservação ambiental. Os grandes lavoureiros da soja do planalto se apoiaram nos micro e pequenos produtores de uva da serra. Os familiares foram parte da estratégia ideológica para dar vitória aos grandes. E, deu certo.

Em 2009, o então Ministro do Meio Ambiente, Carlos Minc, esteve no Rio Grande do Sul, onde debateu, negociou e atendeu a um conjunto de pontos que os movimentos sociais reivindicavam. Muitas destas demandas logo em seguida, se concretizaram em decretos e resoluções. Entretanto, era necessário continuar a negociação entre Governo e agricultura familiar para avançar em pontos que ainda se faziam necessários, mas o diálogo foi interrompido. Recentemente, em abril de 2011 a Ministra do Meio Ambiente, Izabella Teixeira, em Audiência Pública realizada no Rio Grande do Sul, representando o Governo Federal, se comprometeu em muitos pontos que atendiam a reivindicação dos movimentos sociais e, fundamentalmente, diferenciavam a agricultura familiar dos grandes produtores. Porém, mais uma vez o relator Aldo Rebelo resistiu e não diferenciou os pequenos dos grandes em questões estratégicas.

Dentre os avanços e retrocessos para a agricultura familiar, vejamos alguns aspectos para avaliação:

• Em relação ao relatório do Aldo Rebelo de 2010, foi incorporado o conceito da Lei nº 11.326/2006, uma reivindicação dos movimentos do campo. Entretanto, na prática, não há muitas vantagens exclusivas, pois Aldo Rebelo não concedeu exceções de impacto somente para a agricultura familiar, as concessões foram para todos, independente se tem 10 ou 10 mil hectares.

• Quanto à anistia de crimes ambientais, a política aprovada também vale para todos, portanto, inclui os agricultores familiares. Quem mais lucrou foram os grandes desmatadores, por terem mais área e localizadas em regiões onde ocorrem os maiores índices de derrubada de florestas. Tem alguns deputados da bancada ruralistas beneficiados com esta anistia.

• Para fins de regularização, o Art. 31 determina que o processo do Cadastro Ambiental Rural (CAR) será simplificado para a agricultura familiar. Sobre esse tratamento, vale lembrar, a “velha” Lei nº 4.771/65 que Instituiu o Código Florestal atual, no Art. 16, § 9º estabelece “A averbação da reserva legal da pequena propriedade ou posse rural familiar é gratuita, devendo o Poder Público prestar apoio técnico e jurídico, quando necessário”. Também o Decreto Federal nº 7.029/2009 Institui o Programa Federal de Apoio à Regularização Ambiental de Imóveis Rurais, o denominado Programa Mais Ambiente, que no Art. 2º, inciso IV define o agricultor familiar (conforme Lei 11.326/2006) como beneficiário especial com um conjunto de benefícios, quando comparado aos demais, com requisitos simplificados constando do Art. 5º § 1º “o georreferenciamento das informações apresentadas no croqui será elaborado pelo órgão ambiental, instituição pública ou privada devidamente habilitada, sem dispêndio financeiro por parte dos beneficiários especiais”. Este suposto benefício, portanto, já existe.

• Sobre as áreas com inclinação entre 25º e 45º, definidas como de uso restrito, há uma diferença em relação ao relatório de 2010. Antes restrita a atividades florestais, no aprovado, amplia para a manutenção de espécies lenhosas, perenes e de ciclo longo, silviculturais, inclusive, admitindo nas “áreas rurais consolidadas”, no Art.12 §1º a manutenção de “outras atividades agrossilvopastoris”, que traduzido, libera para qualquer atividade produtiva. Entretanto, fica mantida, a proibição de conversão para uso alternativo do solo de novas áreas.

• Poderão fazer o cômputo da APP na Reserva Legal, direito que o texto concede a todos as propriedades, independente do tamanho ou da condição socioeconômica do proprietário. Esse direito já está garantido no Art. 16 § 6º inciso II do atual Código Florestal, que admite o cômputo quando “exceder a 25% da pequena propriedade”, sendo posteriormente referendado e ampliado no acordo com o Ministério do Meio Ambiente, em 2009, para toda a agricultura familiar, mas necessitando introduzir na lei. Mais um benefício que também já existe.

• No Art. 10 estabelece que nas áreas que tratam os incisos VII, VIII e IX, do Art. 4º, que são serras e morros, localizadas em áreas rurais consolidadas será admitida a manutenção de espécies lenhosas, perenes ou de ciclo longo e pastoreio extensivo. De acordo com o texto, não se admite culturas anuais. Vale lembra que isso é para todos, independente de tamanho de área ou condição socioeconômica.

• No Art. 22 coloca que poderão fazer uso com manejo sustentável da Reserva Legal para fins de consumo próprio, sem propósito comercial, sem necessidade de comunicar ao órgão ambiental. Este direito já estava garantido anteriormente, mais uma vez nada de novo. Em suma falta muita informação, muitas supostas conquistas, já eram direito dos agricultores familiares.

• Ainda sobre a Reserva Legal, os agricultores familiares que tem nas suas propriedades vegetação nativa nos percentuais definidos deverão mantê-los e os que não tem, estão desobrigados de recuperar a Reserva Legal. Essa concessão é para propriedades de até quatro módulos fiscais, independente de ser agricultor familiar ou das chácaras de fim de semana. Não é um benefício exclusivo. Sobre isso a posição da Secretaria Agrária do PT, da bancada federal e do Governo Dilma sempre foi de que TODAS as propriedades deveriam ter a Reserva Legal. A posição do PT é baseada no princípio das “responsabilidades comuns, porém diferenciadas”. Defendemos em nossos posicionamentos que a agricultura familiar deve ter compromisso com a preservação, proporcional ao seu tamanho e obtendo exceções, em razão da sua condição socioeconômica.

• Em relação a largura das faixas de preservação em beiras de rios, definidas como APPs, o relator manteve as mesmas metragens do atual Código para todas as cinco faixas especificadas, presentes no Art. 4º inciso I. Porém, na faixa de rios com até 10m de largura, diferenciou quem preservou de quem desmatou, favorecendo mais uma vez quem descumpriu a lei desmatando. Quer dizer, para os rios com menos de 10m de largura a situação aprovada é a seguinte, quem tem floresta mantém a metragem que consta atualmente de 30m, mas quem não tem vegetação nativa deverá recompor somente a metade, ou seja, recomposição de 15m. Essa exceção na recomposição é para todas as propriedades, não faz concessão somente a agricultura familiar.

• As áreas em torno das nascentes e dos olhos d'água, deverão manter vegetação nas margens de 50m.

• Sobre as APPs na beira de rios é mais uma situação em que Aldo Rebelo desconsiderou a agricultura familiar, porque não entendeu as suas peculiaridades, e que por isso deveriam constar no texto. A única exceção constante é válida para todos. A emenda 164 (Artigo 8º) abriu a possibilidade de que todas as atividades realizadas até julho de 2008 sejam mantidas, sendo assim, as ocupações e cultivos na beira de rios tem a chance de serem mantidas, porém, como isso é estendido a todas as propriedades e abre para os estados regulamentarem, a presidenta Dilma tende a vetar.

• O provável beneficio que os familiares teriam na carona dos grandes poderá cair com o veto, pois ao abrir para todos, acabará prejudicando os pequenos. A verdade é que Aldo Rebelo, mais uma vez traiu os pequenos. Se tivesse colocado no texto a exceção somente a agricultura familiar poderia ser mantida, porém ele não quis fazer isso. Se mantida assim e vetada pela presidenta Dilma, a agricultura familiar, ao ter que se adequar as metragens do Art. 14 será fortemente impactada, pois é justamente nas regiões de agricultura familiar que estão muitos rios e outras áreas de preservação. A Secretaria Agrária do PT do RS defendeu flexibilizar em até 50% das APPs, a partir de indicação do Zoneamento Ecológico-Econômico e com aprovação pelo CONAMA.

• O Art. 48 estabelece que o Poder Público instituirá apoio financeiro para as propriedades da agricultura familiar, incluindo a possibilidade de pagamento por serviços ambientais. Abre somente a “possibilidade”. Já o Art. 49, na sequência, estabelece que todo o proprietário inscrito no CAR, e regularizado, tem a possibilidade de obter benefícios de políticas públicas com incentivos financeiros no crédito agrícola. No fim das contas nada de concreto aos familiares e possibilidade de todos se beneficiarem de alguma forma. Em suma mais um engano.

• No Art.4º § 5º admite-se o plantio agrícola temporário e sazonal de vazante de ciclo curto, algo que é importante para os ribeirinhos. Isso já é permitido pelo CONAMA na Resolução nº 425/2010 “... desde que não impliquem supressão e conversão de áreas de vegetação nativa, no uso de agroquímicos e práticas culturais que prejudiquem a qualidade da água.”. O relator Aldo Rebelo, porém, retirou a restrição ao uso de agroquímicos, detalhe que faz toda a diferença, quando se trata de contaminação de águas e do cuidado necessário com a biodiversidade dos rios.


Considerações finais

O texto aprovado da Câmara dos Deputados pesou mais para a economia e para a produção agrícola, e menos para os ecossistemas. O propalado equilíbrio, que foi constantemente citado não aconteceu. Apesar da agricultura familiar ao ver o texto considerá-lo positivo em alguns aspectos, é importante ter o contexto, e no todo perceber que a grande vitória até aqui ainda é do agronegócio, tanto financeira quanto ideológica. A versão aprovada na Câmara Federal, para o Novo Código Florestal, reforça o modelo de desenvolvimento e tecnológico da Revolução Verde, predador dos recursos naturais, agroquímico, de monocultívos, latifundiário e concentrador de riquezas, que precisa constantemente de novas áreas para seguir se expandindo.

Estima-se que o país deixará de conservar milhões de hectares de vegetação nativa, em tempos que tanto se fala da importância do meio ambiente para as sociedades humanas. Apesar da retórica comum do Desenvolvimento Sustentável, que deveria integrar as dimensões, social, econômica, cultural e ambiental, o que ficou é que o econômico e imediato prevalece, mesmo que gere externalidades que, posteriormente, com certeza, outros pagarão.

Algumas questões que estão no texto e são favoráveis aos agricultores familiares já estavam garantidas anteriormente, ou havia o compromisso do PT e do Governo Dilma em atender as suas reivindicações, diferenciando pequenos agricultores de grandes. Infelizmente, o PT não conseguiu. Mas, o debate continua no Senado e no País.

Nesta nova etapa, será importante ampliar o debate, pois o que está em discussão não é somente sobre a área agricultável, mas também sobre ciclo da água, estabilidade do clima, e outros aspectos relacionadas ao meio ambiente e a vida no planeta.

Por fim, é preciso refletir sobre o que ocorreu, pois neste caso, do texto aprovado, afirmou-se que o crime compensa. Nesse processo quem cumpriu a lei perdeu. Em se tratando de construção de nação e de instituições, fica o sentimento de que o cumprimento da lei não vale a pena, e isso, no mínimo, deveria preocupar a todos que concordam e sonham com aquele slogan da campanha de Lula: “por um país decente”.

Nas palavras do Deputado Paulo Teixeira (PT-SP), líder do Partido dos Trabalhadores na Câmara dos Deputados, Portal do PT, dia 27 de maio de 2011:

“Nessa primeira etapa da batalha pelo Código que queremos, não obtivemos sucesso. Quem perdeu não foi o governo, nem o PT. Perdeu o Brasil. Mas confiamos na força de mobilização da sociedade e nas negociações ainda no Senado e no retorno do texto à Câmara, para chegar a um texto mais equilibrado”.



Demilson Figueiró Fortes

Gilmar Zolet Vieira


Assessoria de Desenvolvimento Rural e Meio Ambiente

Bancada do PT – Assembleia Legislativa do RS