“Crescimento
se tornou antieconômico”, diz Herman Daly, pai da economia
ecológica
Famoso
por suas ideias consideradas exóticas, economista defende um mundo
sem crescimento
Por Edson
Porto - Revista Época
Quando o
economista Herman Daly foi contratado para trabalhar na área de meio
ambiente do Banco Mundial, no final dos anos 80, a escolha
surpreendeu quem o conhecia. Desde o início da carreira, Daly
defendeu ideias tidas como, no mínimo, exóticas pela maioria de
seus colegas de profissão. Para ele, era fundamental entender a
relação da economia com o mundo físico e com a ecologia, o que não
parecia caber em uma instituição tão tradicional como o banco.
Parte de
suas ideias surgiu do contado de Daly com o professor Nicholas
Georgescu-Roegen, o primeiro economista a dizer que a economia não
poderia ser vista como um sistema isolado e deveria absorver
conceitos da física no seu estudo. Vivendo em um mundo de alto
crescimento e baixa preocupação ecológica, ao apresentar suas
teses Georgescu-Roegen passou de economista brilhante a profissional
esotérico. Acabou a vida isolado e ressentido.
Daly,
porém, deu mais sorte. Apesar de visto com desconfiança por muitos
colegas, ele desenvolveu seu trabalho em um período em que as
questões ambientais tornaram-se muito mais relevantes do ponto de
vista intelectual e político. Como resultado, virou o pai da
economia ecológica, uma linha de estudo econômico que com o tempo
tem ganhado cada vez mais espaço e respeito. Daly ficou seis anos no
Banco Mundial e, depois, retomou a carreira acadêmica. Hoje é
professor da Universidade de Maryland, em Washington. Nesta
entrevista, concedida por telefone, o economista fala de suas ideias
e propostas econômicas incomuns.
Época
NEGÓCIOS - O senhor começou a falar de economia ecológica e dos
limites do crescimento há 40 anos. Quanto a visão sobre esse
assunto mudou?
Herman
Daly - Devo dizer que os resultados são um pouco contraditórios.
Quando você olha para a influência que tivemos, nós da economia
ecológica, nos padrões da profissão econômica, vemos que ainda
somos muito marginais. De outro lado, se você olha para o mundo
intelectual mais amplo, para os ecologistas, os cientistas físicos,
os cientistas do clima e mesmo alguns políticos, daí vemos que
ganhamos muito mais influência e atenção. Na verdade, acredito que
os economistas neoclássicos é que estão começando a ficar
marginalizados em meio à comunidade intelectual como um todo.
Mas o
senhor vê alguma mudança na postura dos economistas mais ortodoxos?
De certa
forma sim, porque as pessoas estão vendo com mais clareza as
consequências da mentalidade do crescimento ilimitado. A economia de
cada nação está limitada pelo seu pedaço na biosfera, mas elas
ainda estão tentando crescer além disso, passando para o espaço
ecológico de outros países. Essa é a mentalidade da globalização,
que está agora chegando aos seus limites. Creio que essas ideias
estão ganhando atenção por que de forma crescente elas parecem
mais congruentes do que o crescimento para sempre. Claro que para os
políticos, e para muitos economistas, ainda é venenoso falar sobre
os limites ao crescimento.
Muitos
dos seus críticos dizem que, no passado, teses sobre os limites do
crescimento se mostraram falsas porque subestimaram o poder da
tecnologia e da inovação. O que o senhor responde a isso?
Vamos
tomar como exemplos aqui a questão do fim do petróleo e do
aquecimento global. Por um lado, temos o problema do fim de um
recurso natural não-renovável que é muito importante e, de outro,
um problema causado justamente pelo uso desse recurso. A medida
correta nesse caso é taxar pesadamente os combustíveis fósseis e
usar essa renda na direção das energias renováveis e da
distribuição de riqueza. Ou seja, vamos dar à tecnologia cada
incentivo possível para resolver nossos problemas. Minha resposta
para os economistas é que eu espero que eles estejam certos e, se
eles estiverem, todos nós vamos comemorar. Mas precisamos induzir as
mudanças que eles acreditam serem tão fáceis ou naturais, porque,
se estiverem errados, pelo menos vamos ganhar tempo para trabalhar
nos ajustes econômicos fundamentais.
Alguns
economistas dizem que os problemas dos limites naturais se resolvem
pelo aumento dos preços. Quando um recurso fica mais caro,
desenvolvemos tecnologias para usá-lo melhor ou substituí-lo...
Os preços
de recursos escassos vão eventualmente subir, mas o mercado é muito
míope. Só quando as coisas ficam realmente problemáticas é que os
preços sobem. Por isso, é mais interessante subir alguns preços
artificialmente, com impostos, para induzir as mudanças técnicas.
Além disso, precisamos induzir as soluções corretas. As
tecnologias que estão sendo desenvolvidas para manter o sistema
andando são extremamente perigosas. Estamos nos voltando para
energia nuclear, indo para exploração de petróleo em águas
profundas. Veja o que está acontecendo no Golfo do México com o
vazamento de petróleo dos poços da BP. Estamos tentando soluções
técnicas desesperadas para manter o sistema em movimento. O que eu
digo é que talvez seja melhor diminuir a velocidade e ser mais
cuidadoso.
Parar de
crescer não vai impedir o desenvolvimento?
Em
economia ecológica, tendemos a fazer uma distinção entre
crescimento e desenvolvimento. Crescimento é um aumento na produção
e na utilização física de recursos. É quando alguma coisa cresce
fisicamente em termos de matéria e energia. Desenvolvimento, de
outro lado, é qualitativo. É quando as coisas ficam melhores. Você
pode ter tecnologias melhores e produzir a mesma quantidade de coisas
para entregar mais bem-estar e mais satisfação. Em economia
ecológica, estamos a favor do desenvolvimento, mas não de aumentar
a produção para desenvolver, porque é o crescimento que causa os
problemas ecológicos.
Mas como
vamos criar empregos ou obter as coisas que queremos sem crescimento?
Primeiro,
é preciso ver que durante a maioria do tempo de nossa existência na
Terra vivemos em sistemas em que o crescimento foi ínfimo. Eram
economias rurais que de um ano para o outro nem notavam o
crescimento. Apenas depois da Revolução Industrial e,
particularmente, depois da Segunda Guerra Mundial, é que crescimento
se tornou tão explosivo. Nós nos acostumamos ao crescimento, mas na
verdade ele é excepcional. Outra coisa importante é que as pessoas
tendem a achar que parar de crescer significa parar de produzir. Não
é. Numa sociedade sem crescimento será preciso continuar
produzindo. A produção, porém, será direcionada para a reposição
e não para a acumulação. Haverá, portanto, a manutenção de
certo nível de produção e consumo, porque precisamos de coisas
para ficar vivos. A questão é por que temos sempre que aumentar de
tamanho?
Um dos
motivos é porque a população cresce...
Exatamente.
Uma parte necessária da economia estável é controlar o crescimento
populacional.
Essa é
uma discussão difícil hoje...
Sim,
tornou-se politicamente incorreto falar sobre o assunto. Mas o fato é
que precisamos controlar o crescimento da população, e a melhor
maneira de fazer isso é oferecer educação e contraceptivos para
todos. Nosso maior problema, porém, é que o crescimento tornou-se o
valor maior das economias. Nos Estados Unidos, estamos em uma crise e
a solução é sempre fazer a economia voltar a crescer. É uma
armadilha. Vamos precisar de muitas mudanças para ir de uma
ideologia de acúmulo para uma ideologia de suficiência e
manutenção. Outro problema é que temos pobreza no mundo, e a nossa
solução para isso também é o crescimento. Em certo sentido, a
ideologia do crescimento se tornou um substituto para divisão e
redistribuição, porque isso é considerado difícil de fazer. Temos
que crescer mais para não ter de dividir. Nos Estados Unidos, a
coisa que tem menos sido dividida é o crescimento. A maior parte tem
ido para os 5% no topo. Isso está aumentando a desigualdade e, com o
tempo, talvez leve as pessoas a perceberem que o crescimento não
está ajudando os pobres e que precisamos fazer algo diferente.
Quando é
possível dizer que o limite do crescimento foi ultrapassado?
O ponto
sobre o crescimento é o seu custo. Em geral, simplesmente assumimos
que crescendo em termos de produção e população ficamos mais
ricos. E, ficando mais ricos, podemos dividir mais, diminuindo os
problemas. Mas se você fizer a conta cuidadosamente verá que o
crescimento pode se tornar antieconômico. Nós passamos de um
planeta praticamente vazio, em que todo o crescimento era econômico,
para um planeta relativamente cheio no qual para crescer você afeta
e destrói a biosfera numa escala nunca vista antes. Hoje, os
benefícios do crescimento não passam nem perto do que eram no
passado. Normalmente, os benefícios marginais do crescimento eram
comida, abrigo e roupa – e para muitas pessoas ainda é assim. Mas,
nas partes ricas do mundo, o crescimento significa hoje uma segunda
casa, um terceiro carro. Ou seja, o benefício marginal do
crescimento para o bem-estar está diminuindo, enquanto o custo
marginal está aumentando, porque para crescer mais temos que usar
ecossistemas vitais.
Essa é
uma ideia muito difícil de as pessoas aceitarem. Afinal, se elas
trabalham duro e ganham dinheiro, por que não podem ter a segunda
casa ou terceiro carro?
Por que o
custo disso na biosfera é grande demais e não pode continuar. O
aumento do consumo está vindo a um custo muito alto para o resto do
sistema, inclusive para as outras pessoas, e há o risco de colapso.
Outro ponto importante é que muitos estudos psicológicos indicam
que a partir de certo patamar o crescimento e o acúmulo ficam
dissociados da felicidade. Mas se o crescimento em termos de
felicidade é baixo, seu impacto é alto em relação à degradação
do meio ambiente. A ideia é: vamos ser bons economistas e dizer que,
quando o crescimento nos beneficia mais do que custa, vamos continuar
crescendo, mas, quando os custos são muito altos, temos de parar de
crescer. É preciso reconhecer a mudança no padrão da escassez.
Mudança
no padrão de escassez?
Os
economistas são treinados para se preocuparem com a escassez. Num
mundo vazio, o que é escasso é o trabalho humano e o capital.
Abundantes são os recursos naturais. Para maximizar a produtividade
do capital e do trabalho, usamos os recursos naturais o mais rápido
possível. Em um mundo cheio, o padrão de escassez mudou. Veja o
exemplo dos peixes. O fator determinante no passado para o limite do
número de peixes pescados por ano era o número de barcos e de
pescadores. Mais pescadores e mais barcos resultavam em mais peixes.
Isso não é verdade hoje. Já temos pescadores e barcos demais, e o
fator limitante é o número de peixes no oceano. O limite é o
capital natural. Por isso, temos que dar tempo para os peixes se
recuperarem.
Isso vale
para outros recursos?
Sim.
Pegue o petróleo. O fator limitante costumava ser nossa capacidade
de furar poços, não mais. Outro exemplo é a agricultura irrigada.
O fator limitante principal costumava ser uma mistura entre capital,
incluindo adubos e a habilidade para explorar os recursos hídricos,
e trabalho. Hoje, de forma crescente, é apenas a quantidade de água
à disposição. O ponto é que o fator limitante mudou. Por isso,
precisamos economizar nos fatores limitantes. Essa é a lógica.
Como
fazer isso?
Podemos
impor tetos, limites, como temos tentado fazer com a pesca. Isso nem
sempre funciona, mas temos de limitar. Uma maneira de viabilizar isso
é realizar leilões com cotas, os chamados leilões de cotas de
degradação.
Não é
fácil impor limites. Normalmente, as pessoas não apóiam essa
ideia...
A gente
aprendeu a acreditar que mais produção nos deixa mais ricos. Não
estou argumentando contra ficar rico, estou argumentando contra o
crescimento que não nos deixa mais ricos. Aquele que nos faz
sacrificar coisas que são mais importantes do que a produção
extra. Se as pessoas perceberem isso, elas ficarão mais capazes de
aceitar limites. Mas essa é também uma questão de percepção.
Afinal, se não existem limites naturais para o crescimento e todos
podemos ficar mais ricos para sempre, por que as pessoas vão abrir
mão do seu pedaço. Sou muito crítico dos economistas porque acho
que como profissionais estamos pregando o gospel do crescimento para
sempre e temos sido muito lentos em reconhecer as mudanças nos
fatores limitantes.
O
problema não é que mudar de padrão é muito complexo e difícil?
Eu
entenderia se a maioria dos economistas dissesse: “Sim, você está
certo, mas não temos como fazer as mudanças”. Mas eles não dizem
isso. Quanto à complexidade, o que está ficando cada vez mais
complexo é crescer. Usinas nucleares são muito complexas, extração
de petróleo em profundidade é muito complicado. Estamos
desenvolvendo sistemas extremamente complexos para continuar a
crescer. Acredito que isso vai nos empurrar para os limites. Claro
que temos uma devoção quase religiosa a nossa capacidade criativa,
à ideia de que a ciência e a tecnologia podem fazer qualquer coisa.
Mas, se você pensar, a razão pela qual a ciência e a tecnologia
são tão impressionantes é precisamente porque elas não tentam
fazer o que é impossível e respeitam leis básicas. Você não pode
criar matéria e energia do nada, essa é a primeira lei da
termodinâmica. Você não pode ter máquinas com movimento perpétuo,
essa é a segunda lei. A economia precisa colocar em suas premissas
básicas a primeira e a segunda leis da termodinâmica e reconhecer
que há limites para a economia no mundo físico. Tecnologia não vai
mudar a primeira e a segunda leis da termodinâmica.
Quão
importante é a revisão do conceito do PIB nesse debate?
Acho que
é central. Estou muito satisfeito por ver economistas mais
importantes, ganhadores do Prêmio Nobel, envolvidos nisso. Há 30
anos as pessoas criticam o PIB. Mesmo o Banco Mundial já flertou por
um período com a ideia de esverdeá-lo, mas acabou desistindo.
Provavelmente foi considerada uma mudança muito radical. Hoje
tratamos o PIB como se ele representasse um benefício líquido de
crescimento, mas não representa. É uma soma maluca de custos e
benefícios. Ele apenas mede atividade, mas algumas atividades
econômicas são benéficas e outras, infelizmente, não. Há vários
exemplos, como as pessoas que gastam mais tempo e combustível para
se locomover porque as cidades estão se expandindo ou os gastos para
limpar a poluição que geramos. Se nós separássemos nessa conta o
que é um custo e o que é um benefício, e comparássemos os dois na
margem, conseguiríamos ver qual é o custo e o benefícios marginais
de crescer. Numa empresa, quando os custos superam os benefícios,
você para de produzir. Essa é uma regra básica da microeconomia
que não existe na macroeconomia.
E a
questão do capital natural no PIB?
Esse é
outro problema. A gente consome o capital natural e não mede.
Cortamos florestas inteiras em um ano e, em vez de um crescimento
sustentável ou de uma renda sustentável, a gente apenas liquida o
capital natural. Isso vai para as contas nacionais como se fosse
rendimento, como se pudéssemos fazer isso de novo no ano que vem, o
que claramente não podemos. Então, parte da mudança é apenas
alterar os padrões básicos de contabilidade.
O senhor
também é um crítico da globalização. Por quê?
Todos são
a favor de uma comunidade global, mas existem dois modelos. Um é o
modelo de integração em que a comunidade mundial se torna uma
grande comunidade integrada. Basicamente, você apaga as fronteiras
nacionais em termos econômicos. A outra visão é a de que a
comunidade global é uma federação, que se une para colaborar em
problemas globais, mas que continua separada em nações. Essa
federação é o que foi estabelecido em Bretton Woods, com a criação
das Nações Unidas e de outras instituições. O modelo único e
integrado é uma invenção da elite corporativa e está representado
na Organização Mundial de Comércio e é hoje apoiado pelo FMI e
pelo Banco Mundial. O modelo federativo é como amizade, que coopera,
mas é separado. O modelo integrado é como casamento em que você
vira uma nova unidade.
Qual é o
problema de buscar cada vez mais integração?
Os
humanos existem em comunidades. E as unidades de comunidade hoje
estão no nível nacional e subnacional, mas não há instituições
para uma comunidade global. As instituições que temos são de
internacionalização e não de integração. Acho que, se você
integra a economia globalmente sem um governo global, você apenas
transfere poder dos governos para as corporações globais. E essa é
a razão pela qual elas pressionam pela globalização, para escapar
dos controles nacionais. Então, uma solução seria termos um
governo global. Mas isso é muito difícil e improvável. A outra
alternativa seria empurrar o capital global para dentro do ambiente
local e impedir que ele seja tão global. Posso estar errado, mas
acho que é muito perigoso ir para a uma integração global, sem
governo. Claro que há algumas áreas em que nós temos que fazer
isso, como o aquecimento global. Mas mesmo as decisões
internacionais sobre temas como esse serão implementadas e
controladas por nações e seus cidadãos.
Muitas
pessoas vêem as suas ideias como exóticas. O senhor é otimista em
relação à mudança dessa percepção e a mudanças das ideias em
relação ao crescimento?
É
difícil ser otimista. O que dá para ser é esperançoso. Eu acho
mais fácil ter esperança de mudar nossa atitude em relação ao
crescimento do que em acreditar que o crescimento contínuo será a
solução. Mas para haver mudanças provavelmente precisarão ocorrer
crises. É o que vemos historicamente. Ao falar com os meus
estudantes sobre isso, digo que não podemos agir sobre essas
questões agora, mas que o sentido de falar de coisas que estão além
da possibilidade real é que, quando ocorre uma crise ou uma
oportunidade para mudança, não temos que começar do nada. É bom
ter ideias na mesa.
Publicado na Revista Época em 07/07/2010