quarta-feira, 10 de dezembro de 2014

Pressão maior levará a pacto climático, avalia Al Gore


Pressão maior levará a pacto climático, avalia Al Gore

Al Gore afirma que em dezembro de 2015, em Paris, o mundo estará pronto para assinar um acordo climático global. A consciência crescente quanto à mudança do clima, o aumento no número de eventos climáticos extremos e a pressão maior da população sobre os governos para que enfrentem o problema serão o pano de fundo de um tratado mundial, diz o ex-vice-presidente dos EUA. "É difícil para nós, como seres humanos e cidadãos de nossos respectivos países, imaginar que o mundo poderia agir em conjunto. Mas precisamos. É o único jeito de resolver esta crise".

A entrevista é de Daniela Chiaretti, publicada pelo jornal Valor, 05-11-2014.

Os EUA preparam uma estratégia para participar do acordo global e, ao mesmo tempo, conseguir driblar os congressistas republicanos que são refratários ao tema e barrariam a ratificação de um acordo do gênero no Congresso. Os negociadores americanos têm falado em um acordo "híbrido". Gore dá pistas: "Um dos acordos mais bem sucedidos foi o assinado no Brasil, em 1992, a Convenção do Clima das Nações Unidas. Todas as outras negociações estão sob aquele guarda-chuva." O Congresso americano ratificou a convenção, ou seja, a tornou lei nos Estados Unidos.

O caminho seria atualizar a convenção com os novos compromissos que surgirem do tratado climático de Paris, sem que seja necessário ter de passar por novo crivo do Congresso americano. O presidente Barack Obama, que já conseguiu o aval da Suprema Corte para limitar as emissões de gases atmosféricos que façam mal à saúde, foi bem-sucedido em enquadrar os gases-estufa neste critério.

Na prática, isso significa que o Executivo americano pode tomar decisões de reduzir emissões sem ter que passar pelo Congresso. Esta pode ser a fórmula para remover um dos principais obstáculos a um acordo climático global.

Já há alguns anos, lembra Gore, o presidente americano "tem o dever e o direito de agir" em casos de "poluição atmosférica perigosa". Ele emenda: "Agora os cientistas estão nos dizendo, de maneira clara, que esta [a emissão de gases estufa] é uma forma perigosa de poluição atmosférica, porque ameaça o futuro da civilização. Então, independentemente dos políticos, o presidente pode agir por conta própria."

Al Gore, de 66 anos, que por oito anos foi vice-presidente de Bill Clinton em um dos períodos mais prósperos da economia americana, está no Brasil esta semana para dar o seu 26º treinamento em mudança do clima, iniciativa que vem promovendo ao redor do mundo nos últimos anos. Trata-se do Projeto Realidade Climática que, no Brasil, é feito em parceria com a ONG Amigos da Terra - Amazônia Brasileira, que comemora 25 anos de existência.

Hoje, no Rio de Janeiro, Gore falará sobre clima o dia todo. Na plateia, mais de 800 inscritos, a maioria do Brasil, mas também de outros 52 países. São profissionais liberais, estudantes, banqueiros e bancários, ambientalistas, religiosos, fotógrafos. Na fila de espera havia mais de mil pessoas.

"A pressão dos cidadãos tem que ser mobilizada para convencer os formuladores de políticas a fazer a coisa certa", diz Gore, que pretende envolver o maior número de pessoas possíveis no enfrentamento da mudança do clima. "Escutar este assunto de um amigo, um vizinho ou um colega de trabalho em quem você confia, frequentemente tem mais impacto do que se a informação vier pela televisão", disse ele, em entrevista ao Valor na segunda-feira, na qual falou sobre clima e preferiu não tratar das eleições de ontem para o Congresso americano.

Al Gore falou também sobre a seca em São Paulo, o desmatamento da Amazônia e como os californianos estão se adaptando à longa seca que enfrentam em seu Estado.

Eis a entrevista.

A síntese do último relatório do IPCC, o Painel Intergovernamental sobre Mudança Climática da ONU, acaba de sair e suas conclusões deveriam soar um alerta. O sr. acha que isso irá acontecer ou as pessoas estão se acostumando com esse tipo de péssima notícia?

Acho que soará um alarme que as pessoas irão escutar porque estão recebendo a mesma mensagem da natureza. Eventos extremos relacionados à mudança do clima tornaram-se uma centena de vezes mais comuns nos últimos 30 anos. Eventos que aconteciam a cada 500 ou mil anos estão ocorrendo com muita frequência. E isso tem chamado a atenção de muita gente que pode ter ignorado o assunto no passado. Então, quando o IPCC divulga um relatório tão poderoso, pessoas que estão buscando explicações prestam atenção. A seca em São Paulo, por exemplo. Cientistas dizem que a Amazônia é a fonte dos chamados "rios voadores" que vêm vindo desde a floresta em direção a São Paulo. Quando as árvores são cortadas ou queimadas a ponto de a Amazônia não ser mais tão saudável como foi isso tem um impacto na transferência de água através do céu para a segurança de São Paulo.

São Paulo vive uma grave seca e escassez de água. As pessoas estão preocupadas, tentam poupar água, mas não sabem bem o que fazer. O sr. tem alguma sugestão? Poderia comparar com o que está acontecendo na Califórnia?

A Califórnia está em uma situação muito similar a São Paulo. 100% da Califórnia está experimentando a seca hoje em dia e cerca de 60% do Estado, de uma forma muito forte. A agricultura está sofrendo impactos, há restrição de água em algumas comunidades e a preocupação de que, se a seca se prolongar, os danos econômicos e na vida das pessoas irão crescer significativamente.

Muito mais gente, como resultado disso, está fazendo conexões com o que os cientistas vêm nos dizendo. Quando a temperatura sobe, o solo fica seco com mais rapidez e as chuvas não têm reposto a água de maneira tão profunda como ocorria no passado. No caso de São Paulo, cientistas relacionam a condição de seca com a destruição de partes da Amazônia.

Nos últimos anos, o Brasil teve êxito em reduzir o desmatamento, mas nos últimos dois anos ele voltou a subir. Com mais gente relacionando o corte e a queimada na Amazônia à redução nos volumes de água em São Paulo, isso resultará em pressão política para parar com o desmatamento e a escassez de água no Estado.

A Califórnia tem um plano para se adaptar à seca?

Tem, sim. A Califórnia vem exercendo a liderança, entre todos os Estados americanos, de encorajar o uso de energia solar e eólica em vez de queimar petróleo, gás e carvão. É o líder do meu país em promover melhoras de eficiência energética. Tem estimulado novos negócios que invistam em casas e prédios mais eficientes, no maior uso de energias renováveis. A Califórnia está fazendo um trabalho excelente.

O que os californianos têm feito contra a seca?

Eles adotaram novas medidas buscando mais eficiência para economizar água em períodos de seca e elaboraram prioridades para o uso de água com critérios de justiça para a sociedade.

É possível ter um acordo climático forte em Paris, em 2015?

Sim, apoio um acordo forte. Tentamos isso no passado e, na verdade, um dos acordos mais bem-sucedidos foi o assinado no Brasil, em 1992, a Convenção do Clima das Nações Unidas. Todas as outras negociações estão sob aquele guarda-chuva.

Algumas pessoas estão desencorajadas sobre as chances do mundo de adotar um novo tratado. Não sou uma delas. Acredito que a demanda do público por ação está crescendo rapidamente e em um ano, em dezembro de 2015, o mundo estará pronto a adotar um acordo forte.

O sr. acha que um acordo global é necessário? Alguns acreditam que o acordo não será forte o suficiente, se ocorrer, e que se deveria percorrer outros caminhos.

Bem, não tenho certeza que há outro caminho. A crise é global e, por definição, exige uma resposta global. Nós colocamos 110 toneladas de poluição de aquecimento global no céu todos os dias e isso está aumentando. Se a China lançar no céu, irá afetar o Brasil e os Estados Unidos; se os EUA jogarem na atmosfera, afetarão todos os outros países. Então, se apenas alguns países decidirem agir, os outros continuarão a deixar o problema se agravar para o mundo inteiro. É difícil para nós, como seres humanos e cidadãos de nossos respectivos países, imaginar que o mundo poderia agir em conjunto. Mas precisamos. É o único jeito de resolver essa crise.

O sr. participou de tentativas de acordo no passado. Acha que o momento agora é diferente de Copenhague, em 2009, quando as negociações fracassaram?

Sim. Desde Copenhague, o número de eventos climáticos extremos cresceu tão dramaticamente que mais pessoas no mundo enxergam a verdade e estão prontas a insistir para que seus líderes políticos ajam. Há um segundo desenvolvimento dramático desde Copenhague: o custo da eletricidade gerada por painéis solares e geradores eólicos caiu continuamente e agora cruzou um umbral. Em 79 países do mundo, a eletricidade de painéis solares é agora igual ou mais barata que a eletricidade produzida pelo carvão e outras fontes.

Se sentimos a necessidade de agir e vemos que podemos ser bem-sucedidos na mudança, então isso altera a disposição das pessoas para mudar. E temos que dizer que precisamos nos mexer, porque há oportunidade e porque, se não mudarmos, as consequências serão dramáticas.

O senhor acha que mesmo dentro dos Estados Unidos há outra disposição para um acordo global?

Aqui está a diferença: a maioria das pessoas agora acredita que é possível adotar mudanças de abordagem no acordo assinado no Rio [a Convenção do Clima], desde que respeitam os compromissos do acordo existente e que já foi ratificado pelo Senado dos EUA. Então o presidente pode agir [negociar e adotar os compromissos do novo acordo do clima] sem que tenha que passar novamente pelo processo de ratificação [no Congresso dos EUA].

Se houver acordo global em 2015, porque seu futuro, dentro dos EUA, seria diferente que Kyoto?

Aqui está a diferença: os advogados falaram agora, de uma maneira bem persuasiva, e a maioria das pessoas agora acredita que o acordo assinado no Rio autoriza que, adotando mudanças em sua abordagem - mas que necessariamente cumprem os compromissos de um acordo existente e que já foi ratificado pelo Senado dos EUA -, então o presidente pode agir sem que tenha que passar novamente pelo processo de ratificação.

O problema com os países ricos, em especial os EUA, não é só que consomem muitos recursos, mas também que se tornam o referencial de consumo para o resto do mundo. Se todo mundo quiser consumir como os americanos, precisaremos de outro planeta. Mas como fazer para que os americanos consumam menos, já que o modelo socioeconômico da nossa sociedade os estimula a consumir mais? A mensagem que a população recebe diariamente é que você só é alguém se consumir bastante.

Isso está mudando com as tecnologias digitais que nos ajudam a acompanhar nosso uso e desperdício de energia. Estamos vendo um novo padrão, com crescimento econômico sendo desconectado do aumento no consumo de energia. Por exemplo, o número de quilômetros que os americanos costumam dirigir está começando a diminuir. Vemos crescimento econômico sem que o consumo de energia cresça. E os países mais pobres e também os emergentes têm a oportunidade de saltar aquelas velhas e poluentes fontes de energia, que os EUA e outros países ricos usavam anos atrás.

Pense em telefones celulares. Quando eles apareceram nos EUA e outros países, já havia telefones fixos ligados a redes e quando alguém queria um celular era algo adicional. Mas em países pobres da África e do sul da Ásia, por exemplo, não havia serviço de telefonia algum. Então eles saltaram direto para os celulares. E hoje, na maioria da África, há mais comércio de celulares do que nos EUA ou no Brasil, porque esse é o único telefone que eles têm.

Outro exemplo de como pode ser o futuro: painéis solares estão disponíveis às pessoas, hoje, em países que não têm rede elétrica. É muito caro para países africanos ou para Bangladesh erguer redes de fios de cobre, mas agora painéis solares podem ser vistos em cabanas em vilarejos africanos. Eles nunca teriam eletricidade em pontos tão remotos se não fosse assim. Eles agora têm a oportunidade de desenvolver e aumentar seu padrão de vida sem a poluição que acompanhou o nosso aumento de padrão de vida.

Mas e o hábito que temos de consumir muito?


Acredito que isso está começando a mudar, principalmente entre as gerações mais jovens. Muitos jovens nos EUA estão decidindo, principalmente se vivem em cidades, a não comprar carros. Eles usam outros modelos, de compartilhamento de carros, por exemplo, que são possíveis de fazer pela internet.

A entrevista é de Daniela Chiaretti, publicada pelo jornal Valor, 05-11-2014.

http://www.ihu.unisinos.br/noticias/537111-pressao-maior-levara-a-pacto-climatico-avalia-al-gore

segunda-feira, 24 de novembro de 2014

Agronegócio e a morte da Amazônia – Leão Serva





Agronegócio e a morte da Amazônia – Leão Serva

Folha S. Paulo

Vamos dar nome aos bois: as maiores ameaças à floresta e às águas no Brasil são a pecuária e a soja


É comum ver nos discursos de empresários e políticos o pensamento ufanista sobre as maravilhas de nosso agronegócio, dizendo que a produção brasileira "alimenta o mundo" e que nosso gado é "verde". É um discurso que lembra a propaganda do Brasil Grande, de triste memória, e tenta pôr uma grande sujeira para baixo do tapete.

Os estrangeiros já sabem: nossa exploração agrícola, soja à frente, já destruiu 4 de cada 10 hectares de cerrado. Nesse ritmo, esse ecossistema estará extinto em 20 anos. Não é à toa, visto que o nosso gado tem a pior produtividade do mundo: uma vaca ocupa, para engordar, um hectare de terra, cada vez mais frequentemente roubado à Amazônia. Com os mesmos metros quadrados, um agricultor europeu produz alimentos nobres e caros, para alimentar e enriquecer seres humanos. Enquanto isso, nossa soja alimenta porcos na China.

Se computarmos o dano irreversível ao meio ambiente, bem público que destrói com a devastação da terra, e o somarmos aos subsídios e às generosas rolagens de dívidas dos grandes produtores, o cálculo revelará um agronegócio insustentável. Em vez de alimentar o mundo e enriquecer os brasileiros, ele se tornou uma destrutiva usina de insumo industrial barato.

É um modelo que ameaça (ao invés de garantir) o objetivo de dobrar a produção mundial de alimentos em 35 anos para receber 2 bilhões de novas bocas. Para fazer sua parte, alimentar os brasileiros e ganhar dinheiro exportando comida de gente, não de suínos, é necessário mudar a escandalosa cultura de desperdício do campo brasileiro.

Quando se trata de plantar para dar de comer a rebanhos, a chamada "taxa de conversão" é muito baixa: uma vaca dá três calorias de carne para cada cem calorias de grãos que come para engordar (sim, 3%); o porco produz dez calorias, e o frango, 12, para cada cem que consome. É melhor o aproveitamento da vaca leiteira (40 calorias no leite) e da galinha poedeira (12 no ovo, para cada cem consumidas). Em outras palavras, gerar proteína animal é sempre um péssimo negócio, e o boi é o pior de todos.

E como funciona o agronegócio brasileiro? Metade de nossa pro- dução agrícola é ração de animais a preços irrisórios. E a estrela de nossa pecuária é exatamente a carne de vaca. Enquanto isso, importamos feijão e outros alimentos pagando mais caro.

O Brasil viveu até hoje com a falsa impressão de que a água e a terra eram bens infinitos. Essa visão está em xeque com a crise hídrica, causada em parte pelo desmatamento da Amazônia e do cerrado. Num país em que a água escasseia, quase 70% de seu consumo é para irrigação de áreas de cultivo. A pecuária é um mata-borrão: suga 11% de nossa água --mesmo consumo dos 200 milhões de humanos do Brasil.

Com o desmatamento para abrir pastos, fontes de água são destruídas e o regime de chuvas muda. O gado não somente consome verdadeiras cachoeiras em seu processo de engorda, como já produz escassez antes mesmo de ocupar os extensos hectares de floresta que destrói.

Gastamos água, que falta a humanos, para matar a sede infinita das vacas e regar a soja que vai ser exportada a preços irrisórios. Enquanto isso, continuamos a nos ufanar de uma opção econômica que está nos consumindo a todos, com a água e a terra fartas que um dia este Brasil ganhou de presente.

Publicado originalmente na Folha S. Paulo




quinta-feira, 6 de novembro de 2014

Folha entrevista Al Gore



'Brasil pode ter papel crucial na crise do clima', diz Al Gore



O ex-vice-presidente americano Al Gore durante entrevista para a Folha no hotel Sheraton em Sao Paulo


MARCELO LEITE de SÃO PAULO - 05/11/2014



O ex-senador e ex-vice-presidente dos EUA Albert Gore volta ao Rio com seu otimismo e sua pregação pela necessidade de combater o aquecimento global.

Seu Projeto Realidade Climática arrebanhou 750 pessoas de 55 países para três dias de treinamento para disseminar a mensagem: impedir que a atmosfera se aqueça mais que 2ºC, nível considerado perigoso para a estabilidade do clima.

"Em 79 países o preço da energia de painéis solares está igual ou abaixo do preço da eletricidade pela queima de carvão", diz Gore. "O fato de as soluções estarem disponíveis é o antídoto para a paralisia política."

Uma das fontes do otimismo do americano é a aceitação da necessidade de agir por parte do mundo corporativo: "Os empresários estão à frente dos políticos".


Folha – A sua organização já realizou 25 treinamentos pelo mundo sobre a mudança do clima. Por que no Brasil, agora, e por que em 2014?

Al Gore – O Brasil é um dos países mais importantes do mundo, todo mundo está ciente disso. O Brasil e os Estados Unidos, juntos, estão entre os maiores e mais poderosos países no hemisférios Ocidental, e o Brasil emergiu como um líder na comunidade das nações e todos respeitam as posições do Brasil.

Este é um ano crucial, por causa das negociações que serão concluídas em Paris dentro de um ano, contado do mês que vem. É o momento em que se espera que o mundo se ponha de acordo, finalmente. Já existe um impulso poderoso. Nesta semana mesmo, o lançamento do sumário para formuladores de políticas do IPCC (Painel Intergovernamental sobre Mudança do Clima) mais uma vez enfatiza a incrível urgência dessa crise. O mundo se depara com uma emergência global, e o Brasil pode desempenhar um papel crucial em resolver essa crise, aproveitar essa oportunidade.

Por outro lado, o governo do Brasil se recusou a reconhecer e assinar a Declaração de Nova York sobre Florestas. O sr. ficou decepcionado?

Sim, fiquei. Mas o Brasil também disse que, se outros países agirem, isso terá impacto sobre as escolhas do Brasil no futuro. Agora que a temporada de eleições acabou, no Brasil e no meu país, creio que chegou o tempo de nos mexermos na direção de um enfrentamento sério dessas questões.

Afinal de contas, vamos ouvir não só o que os cientistas estão dizendo, mas o que a natureza está dizendo. O Estado de São Paulo está em meio a uma seca séria. Os cientistas assinalam que sua fonte principal de água doce têm sido os chamados "rios voadores" que correm sobre e através da Amazônia para o Sudeste do Brasil. Quando a Amazônia sofre danos demais, esse processo é interrompido, e o bombeamento dessa água de volta para o céu, pela floresta, se enfraquece e as represas secam.

Na Califórnia, o maior Estado dos EUA, nós também estamos experimentando uma seca histórica. Essa é uma das principais razões para a Califórnia vir agindo para se tornar um líder entre os governos regionais. E eu ouço de cada vez mais cidadãos do Brasil que é hora de se unir à comunidade mundial e defender medidas que vão resolver a crise do clima.

Seu livro e o filme "Uma Verdade Inconveniente" foram lançados em 2006, oito anos atrás. De lá para cá, o sr. sentiu necessidade de mudar as suas falas, talvez soar um pouco menos alarmista? Alguns especialistas dizem que catastrofismo demais pode levar à paralisia, à inação.

Bem que eu gostaria de que as previsões dos cientistas que apresentei naquele filme se tivessem provado incorretas. Mas infelizmente elas acabaram subestimando quão séria a crise está se tornando. Portanto, não, não há nada para eu mudar naquele filme, a não ser talvez para destacar que alguns perigos acabaram se revelando piores.

Mas, quando as pessoas ouvem falar de catástrofes iminentes, isso não teria potencial para paralisar a ação? Minha resposta é: não precisa ser esse o caso. Há muitos poluidores pesados de carbono que têm despendido muito dinheiro e esforços para tentar paralisar o processo político, porque não querem mudança. Acho que essa vulnerabilidade à inação política desaparece quando as soluções ficam disponíveis.

Uma das grandes mudanças desde que o filme estreou em 2006 é que o custo da eletricidade de painéis solares e de geradores eólicos caiu dramaticamente. Em 79 países o preço da energia solar está agora igual ou abaixo do preço da eletricidade pela queima de carvão. O fato de as soluções estarem disponíveis é o antídoto para a paralisia política.

O relatório de síntese do IPCC, por exemplo, fala agora mais de "riscos", em lugar de "perigos", e enfatiza a exequibilidade de um "orçamento de carbono" que nos dê 66% de chance de manter a elevação temperatura abaixo dos 2º C considerados perigosos. O sr. preferiria ouvir palavras mais fortes do IPCC?

Creio que os cientistas são por natureza cautelosos na maneira pela qual apresentam suas conclusões. E respeito isso. O restante de nós aprendeu a interpretar o que estão dizendo. Afinal, quanto aos relatórios anteriores do IPCC, a experiência posterior no mundo foi que as coisas ficaram piores.
O relatório que saiu nesta semana na realidade tem algumas expressões muito dramáticas, alguns alertas muito sombrios: se não entrarmos em ação, veremos consequências muito danosas e irreversíveis, dificuldades para fornecer alimentos adequados, enchentes nas cidades, e isso em linguagem muito mais dura do que usaram no passado.

O sr. então não concorda que o IPCC esteja amenizando sua mensagem.

De novo: a cultura dos cientistas é inerentemente conservadora. Porque eles não são políticos, não estão acostumados a ficar sob os olhos da opinião pública, mas sim a ser extremamente cuidadosos no modo pelo qual afirmam suas conclusões. E isso naturalmente leva, algumas vezes, a subestimar a seriedade das consequências. Não acho que façam isso por temer críticas, mas porque querem se ater ao processo científico.
Para o restante de nós, o dever é tomar o que eles apresentam, em termos muitos alarmantes, mesmo que uma subestimativa, como base para a ação, e não só como mais palavras.

O objetivo é fazer as emissões de carbono pararem de crescer nos próximos cinco ou dez anos e levá-las a zero em 2100. Desde o Protocolo de Kyoto, porém, elas estão aumentando, e isso apesar da redução da atividade econômica após 2008. É algo que se pode alcançar, ou só uma miragem?

É factível. A dramática redução dos preços da energia de fontes alternativas está causando mudanças revolucionárias na economia do mundo. As dez maiores geradoras de eletricidade na Europa que usam carvão perderam a metade de seu valor nos últimos cinco anos. Muitas de suas congêneres no mundo estão sob tremenda pressão financeira, porque o custo da energia renovável está se tornando tão baixo. Essa é uma mudança profunda.

Os investimentos precoces em pesquisa e desenvolvimento para eletricidade solar e eólica agora estão sendo recompensados de forma muito dramática. Num dia da primavera passada, alguns lugares na Alemanha tiveram 75% de toda sua energia de fonte solar e eólica. No meu país, se olharmos para a energia nova, na primeira metade deste ano, quase dois terços vieram de fontes solar e eólica. Estamos vendo essas mudanças, não é apenas mais do mesmo pessimismo que levou a [o fracasso] de Copenhague. O mundo mudou. As alternativas agora não só são competitivas como, em muitos países, são mais baratas do que continuar a queimar combustíveis fósseis sujos.

Vamos falar da China. Esse país anunciou na Cúpula do Clima de Nova York a intenção de começar a diminuir suas emissões "tão cedo quando possível" e tem reduzido a intensidade do uso de carbono por unidade de PIB. O sr. acha que os compromissos assumidos pelos EUA estão à altura dos da China?

Eu gostaria de ver tanto a China quanto os EUA fazendo mais, mas vamos falar dos dois separadamente.
A China acabou de introduzir um imposto sobre o carvão. Gostaria que os EUA fizessem o mesmo. Acabou de criar um teto para emissões e um sistema de comércio de permissões para emitir em cinco cidades e duas províncias e anunciou que será um piloto para um sistema de alcance nacional no ano que vem. Baniu usinas a carvão em várias províncias. Está exigindo de todos os poluidores de carbono que meçam e reportem suas emissões, mês a mês e ano a ano. Investiu muito mais na fabricação de painéis solares e geradores eólicos do que qualquer outro país.

Eles estão dando alguns passos muito positivos, mas é preciso fazer mais. E acho que vão fazer mais, em parte porque a poluição convencional do ar, com a queima de tanto carvão, está agora deixando seu povo doente. A expectativa de vida baixou mais de cinco anos por causa da poluição, e os líderes chineses expõem agora abertamente sua preocupação de que isso possa provocar distúrbios políticos, se eles não mudarem as regras, e causar dano à dominância do Partido Comunista. Eis aí algo que captura a atenção deles.

Nos EUA, o presidente Barack Obama tem entrado em ação sem o Congresso, usando uma lei que a Corte Suprema disse ser adequada, e está seguindo em frente para reduzir emissões de CO2. Ele já reduziu dramaticamente as emissões dos automóveis. Mas ambos, China e EUA, deveriam fazer mais, na minha opinião.

Negociadores brasileiros se queixam da barreira erguida no Congresso americano contra um acordo vinculante, com obrigações legais, em 2015. Muitos acreditam que é um sinal seguro de nenhum acordo razoável será obtido em Paris. O que o sr. lhes diria para renovar suas esperanças?

Antes de mais nada, a opinião pública nos Estados Unidos está mudando dramaticamente. Em segundo lugar, o governo Obama obteve um parecer jurídico dizendo que ele pode modificar um tratado que tenha sido adotado e ratificado e atualizar as provisões desse tratado sem ter de voltar ao Senado para uma outra ratificação.

O sr. se refere à Convenção do Clima de 1992, já que o Protocolo de Kyoto, de 1997, não foi ratificado pelos EUA, correto?

Sim. E ela diz que os Estados Unidos estão obrigados a agir para evitar níveis perigosos de gases do efeito estufa. Agora os cientistas dizem que qualquer coisa que eleve a temperatura global acima de 2º C é um nível perigoso. Ele tem a autoridade de que necessita, sem nova ratificação.

Os relatórios recentes "Nova Economia do Clima" e "Negócio Arriscado" parecem sinalizar uma atitude muito mais receptiva do mundo corporativo para a questão do clima, ou pelo menos de alguns de seus líderes mais destacados. O sr. diria que há impulso suficiente para uma virada, em que líderes empresariais passarão a pressionar governos para agir?

Sim. Creio que os empresários estão à frente dos políticos. Qualquer empresa que lide diretamente com consumidores, oferecendo produtos ou serviços, está agora sob pressão crescente para se assegurar de que seus clientes não mudem para competidores que tenham políticas ambientais melhores. E esses negócios fizeram os investimentos para se tornarem verdes estão agora pressionando os governos para que façam mais. Vejo isso todos os dias, e está fazendo uma diferença. E eles querem que essas mudanças sejam incluídas na lei para ter certeza de que todos terão de fazer o mesmo.

Para concluir: o sr. está otimista quanto a um acordo em Paris?

Estou otimista. Havia um poeta americano no século 20, Wallace Stevens, que escreveu o seguinte: "depois do último não, vem o sim, e o futuro do mundo depende desse sim". Tivemos muitos períodos na história do homem em que militantes pela abolição da escravatura, pelo direito das mulheres a votar como os homens, contra o apartheid, pelos direitos civis em meu próprio país –uma longa lista de exemplos... Em cada um desses casos, houve momentos em que as pessoas ficaram desencorajadas, e parecia que nunca iria acontecer. Mas, porque era a coisa certa, aconteceu de fato. É nessa história que a luta pelo equilíbrio do clima tem lugar. Sempre que nós, seres humanos, nos depararmos com uma escolha clara entre o que é certo e o que é errado, com o tempo acabaremos fazendo a coisa certa. Estamos agora nesse ponto, e em Paris daremos o próximo passo.





segunda-feira, 3 de novembro de 2014

RBS contra a participação popular



RBS contra a participação popular? Alguma novidade?



O prefeito de Porto Alegre, José Fortunati escreveu artigo denominado 'Câmara na contramão das ruas' publicado na Folha S. Paulo (03/11/2014) defendendo o Sistema Nacional de Participação Popular, que ficou conhecido nos últimos tempos como conselhos de participação propostos pelo governo federal e criticou a posição da Câmara dos Deputados que votou contra, contrariando a presidente Dilma.

Por outro lado, o jornal Zero Hora em editorial de hoje (03/11/2014) intitulado 'Conselhos Duvidosos' criticou a presidenta Dilma e elogiou a derrubada do Decreto presidencial. Para os donos da RBS é manobra populista que visa o aparelhamento do Estado que teriam referências no exemplo bolivariano.

Seria insanidade dos donos da Zero Hora escrever tamanha bobagem? Não. Apenas ideologia reacionária e conservadora, aspecto marcante do Grupo RBS.

Como veículo de comunicação defendem os seus interesses ideológicos como sendo de toda a sociedade. Ideologia pura. Quando convém (fazer demagogia com os jovens que foram às ruas em 2013) defendem mais participação social, mas quando há a possibilidade real, trabalham contra e fazem acusações levianas, mentirosas e irresponsáveis.

Como bem observou o prefeito Fortunati, Porto Alegre e tantas cidades brasileiras instituíram a participação há muitos anos. Da mesma forma legislações já preveem a participação consultiva ou deliberativa em áreas como educação, saúde, agricultura, meio ambiente e outras. 


A proposta, portanto, não traz nada muito novo. O governo federal tenta responder à população que está descontente com a representação tradicional, oferecendo mais canais de participação complementares à representação parlamentar.  Apenas isso. Mas a direita tem medo da democracia.

A RBS sempre à direita. Tem prova maior que os quadros políticos que formou para o Rio Grande do Sul: Ana Amélia, Lasier Martins, Antonio Britto e Yeda Crusius. Precisa dizer mais?

A RBS tem medo da democracia. A direita teme a democracia.



Links para acessar o artigo e o editorial:
http://www1.folha.uol.com.br/fsp/opiniao/193783-camara-na-contramao-das-ruas.shtml
http://wp.clicrbs.com.br/opiniaozh/2014/11/03/editorial-conselhos-duvidosos/?topo=13,1,1,,,13



sábado, 18 de outubro de 2014

Sartori, um gringo desonesto?



Sartori, um gringo desonesto?

Está sendo realizado um debate entre candidatos a governador no SBT. Sartori afirmou que Tarso entregará o Estado do RS pior do que recebeu. Sartori é desonesto. O 'gringo gente boa' simplório que sempre se faz de vítima sabe mentir e dissimular suas posições políticas.
Tarso, por exemplo, dobrou o salário dos brigadianos (+ 104%), aumentou em 76% o salário dos professores (no período 2011-2014), houve acréscimo de 64% dos recursos aplicados na agricultura e pela primeira vez os recursos destinados à saúde chegam a 12% (contra 6,7% do governo Yeda do PSDB/PMDB).
Essas ações justificam plenamente a reeleição do governador Tarso Genro. Sartori não reconhece nada disso, faz terra arrasada, não apresenta propostas concretas, prefere ficar na enrolação e na mentira. Sim, Sartori é um gringo desonesto.

Demilson, 17/10/2014.


sexta-feira, 17 de outubro de 2014

ProUni




Pequena história sobre uma eleitora de Dilma

Hoje de meio-dia almoçando em um pequeno restaurante, a senhora que trabalha na cozinha vem tirar os pratos da mesa e conversamos sobre eleições.
Disse ela:
- Gosto do Lula e da Dilma (independente de partido)

Perguntei qual a razão para votar da Dima com tanta convicção e ela me respondeu:
- Tenha uma razão especial, a minha filha cursou psicologia na PUC pelo ProUni. Se não fosse o programa criado por Lula, e mantido por Dilma, nós não teríamos dinheiro para pagar 2 mil reais pela mensalidade.


Uma informação que considero importante: a família é negra. Como todos sabem, os negros aqui no Brasil só há pouco tempo estão tendo acesso à universidade.


Demilson F.F.

Porto Alegre, RS, 17/10/2014.



Articulação de Agroecologia apoia Dilma



CARTA ABERTA DA ARTICULAÇÃO NACIONAL DE AGROECOLOGIA À SOCIEDADE BRASILEIRA DE APOIO À ELEIÇÃO DE DILMA ROUSSEFF


O Brasil vive um momento decisivo da sua história com o segundo turno das eleições presidenciais. A Articulação Nacional de Agroecologia (ANA) é uma rede da sociedade civil de abrangência nacional composta por movimentos sociais e organizações que trabalham em defesa da agricultura familiar, camponesa e dos povos e comunidades tradicionais, pelo fortalecimento e ampliação da Agroecologia e pela construção de políticas públicas capazes de promover um desenvolvimento rural mais justo e sustentável.

O momento exige grande responsabilidade histórica, e por isso a ANA declara apoio à eleição da Presidenta Dilma e convocam as organizações do campo e os cidadãos brasileiros engajados na defesa da Agroecologia a arregaçarmos as mangas e sairmos às ruas, praças, escolas, universidades, locais de trabalho, para conversar com a população e explicitar por que motivos, para avançarmos nas conquistas para o povo brasileiro e seguir mudando o Brasil com mais democracia e mais justiça social, devemos votar Dilma no dia 26 de outubro e seguir mobilizando por mudanças estruturais na sociedade brasileira. É nosso dever unir forças contra o projeto neoliberal representado pela candidatura do PSDB e pelas forças conservadoras que a apoiam.

A ANA, criada em 2002, nunca deixou de fazer críticas contundentes e cobranças ao governo federal sob a liderança de Lula e Dilma, defendendo posições consagradas em seus documentos públicos, como a carta política do III Encontro Nacional de Agroecologia. Somos críticos ao modelo desenvolvimentista em curso, que incentiva os monocultivos e provoca desmatamento, intensifica o uso de agrotóxicos e transgênicos, provoca lentidão na reforma agrária e no reconhecimento dos direitos territoriais das comunidades indígenas e demais comunidades tradicionais e faz a economia do país depender da exportação de poucas commodities agrícolas e minerais. Seguiremos sempre críticos, vigilantes e engajados nas lutas populares.

Mas, além das críticas, é nosso dever reconhecer os avanços e dizer à sociedade que a vida dos/as agricultores e agricultoras familiares melhorou muito com políticas implementadas nos governos Lula e Dilma.
Foram muito importantes as iniciativas de combate ao trabalho em condições análogas à escravidão e trabalho degradante. Este trabalho precisa continuar.

Muitos jovens puderam ter acesso à universidade pública, foram criadas universidades e institutos federais nos municípios do interior, destinados recursos públicos para pesquisa e trabalhos de extensão. As políticas de cotas apontaram um caminho para corrigir injustiças históricas com os mais pobres e com a população negra. O projeto do PSDB é sucatear e privatizar a educação pública, como já demonstrou quando governou o país de 1994 a 2002.

Os Programas Bolsa Família, Brasil Sem Miséria e Mais Médicos deram o mínimo de dignidade a milhões de famílias, muitas delas no meio rural. Foi o início do resgate de uma dívida histórica do Estado brasileiro com a sua população empobrecida pelos séculos de escravidão e descaso dos governos. O país avançou muito no combate à fome e à miséria. O Programa de Documentação das Mulheres Rurais ultrapassou a marca de um milhão de mulheres documentadas. A geração de empregos e a recuperação do salário mínimo significaram melhorias significativas da qualidade de vida de muitas famílias e um passo importante, embora tímido, no enfrentamento da vergonhosa desigualdade de renda do país. Agora, muitos trabalhadores, de cabeça erguida, não se sujeitam mais a condições de trabalho aviltantes e a salários de fome.

Houve avanços em políticas de acesso à energia elétrica, com o programa Luz para Todos, e nos programas habitacionais.
No semiárido brasileiro, o governo ampliou de forma consistente os recursos públicos destinados a garantir água de qualidade para consumo doméstico e para produção de alimentos, com os programas Um Milhão de Cisternas (P1MC) e Uma Terra e Duas Águas (P1+2), executados numa parceira entre o governo federal e Articulação Semiárido Brasileiro (ASA).
Nos governos Lula e Dilma, o Estado recuperou a sua capacidade de apoio à agricultura familiar e camponesa através do aumento expressivo dos recursos para financiamento da produção e para assistência técnica e extensão rural. No governo do PSDB, eram pífios os recursos para financiamento da agricultura familiar e estavam sendo sucateados os serviços públicos de extensão rural.

Outro avanço significativo foi a instituição da Política Nacional de Segurança Alimentar e Nutricional.
Assistimos também, nos governos Lula e Dilma, à implantação do Programa de Aquisição de Alimentos (PAA) desde 2003, contribuindo para a segurança alimentar e nutricional da população aliando o estímulo à produção diversificada de alimentos saudáveis e o consumo nas creches, escolas e entidades de assistência social. E desde 2009 o Brasil conta com um Programa Nacional de Alimentação Escolar que estimula e produção da agricultura familiar e melhorou a qualidade da alimentação nas escolas do país.

No governo Dilma, a sociedade civil organizada teve a oportunidade de participar da construção da Política Nacional de Agroecologia e Produção Orgânica (PNAPO), instituída em 2012. A PNAPO foi um reconhecimento, de parte do Estado e do governo, do enorme potencial da Agroecologia para gerar trabalho digno no campo, produzir alimentos sem agrotóxicos e conservar a biodiversidade, os solos e as águas.

Estas conquistas só foram possíveis porque o governo federal retomou, ainda que não como sonhávamos e gostaríamos, o papel do Estado democrático na implementação de políticas públicas voltadas aos diversos segmentos da classe trabalhadora no Brasil, destinando recursos públicos para o enfrentamento da desigualdade social e para o combate à fome e à pobreza. E porque foram abertos canais de participação democrática da cidadania na definição de políticas, a exemplo do Conselho Nacional de Segurança Alimentar e Nutricional (Consea), Conselho Nacional de Desenvolvimento Rural Sustentável (Condraf), da Comissão Nacional de Agroecologia e Produção Orgânica (Cnapo) e da Comissão Nacional De Desenvolvimento Sustentável de Povos e Comunidades Tradicionais. Temos orgulho da participação nesses espaços e da firmeza com que defendemos as ideias e propostas que emanam das organizações dos agricultores e agricultoras e povos e comunidades tradicionais de todos os rincões desse país.

As organizações e movimentos sociais da ANA já passaram por muitos ciclos e momentos históricos. Algumas têm mais de 50 anos, e a maioria foi se construindo após a reabertura democrática do Brasil no início dos anos 80. Sabemos que a conquista de direitos depende de nossa capacidade de organização, e continuaremos mobilizando, multiplicando experiências agroecológicas, pressionando o governo e exigindo mais direitos e políticas adequadas. Sabemos também que o papel do Estado é crucial na disputa de rumos para o país, e que a candidatura do PSDB está associada a retrocessos, ao atraso e a ideais antipopulares. É por isso que temos a clareza que devemos unir nossas forças para, no dia 26 de outubro, eleger Dilma Rousseff para a Presidência da República.

Brasil, 13 de outubro de 2014

Assinam esta carta:

AABA (Articulação de Agroecologia da Bahia)
ABA (Associação Brasileira de Agroecologia)
ACA (Articulação Capixaba de Agroecologia)
AMA (Articulação Mineira de Agroecologia)
ANA Amazônia
APA (Articulação Paulista de Agroecologia)
ASA (Articulação Semiárido Brasileiro)
AS-PTA Agricultura Familiar e Agroecologia
CAPINA (Cooperação e Apoio a Projetos de Inspiração Alternativa)
Centro Agroecológico Sabiá
CEDRO (Cooperativa de Consultoria, Projetos e Serviços em Desenvolvimento Sustentável)
CETRA (Centro de Estudos do Trabalho e de Assessoria ao Trabalhador)
CONAQ (Coordenação Nacional das Comunidades Quilombolas)
CONTAG (Confederação Nacional dos Trabalhadores na Agricultura)
CNS (Conselho Nacional das Populações Extrativistas)
ESPLAR - Centro de Pesquisa e Assessoria
FETRAF Brasil (Federação dos Trabalhadores e Trabalhadoras na Agricultura Familiar)
Rede ATER NORDESTE (NE)
FASE - Solidariedade e Educação
MMC (Movimento de Mulheres Camponesas)
MOC (Movimento de Organização Comunitária)
MPA (Movimento dos Pequenos Agricultores)
MST (Movimento dos Trabalhadores Rurais Sem Terra)
REDE ECOVIDA
REGA (Rede de Grupos de Agroecologia do Brasil)
SASOP (Serviço de Assessoria a Organizações Populares)
UNICAFES (União Nacional das Cooperativas da Agricultura Familiar e da Economia Solidária)


Novas adesões: comunicacao@agroecologia.org.br


quinta-feira, 16 de outubro de 2014

Cristovam Buarque é a velha política oligárquica



Cristovam Buarque é a velha política oligárquica


Com decepção e indignação leio que o senador Cristovam Buarque (PDT) justifica o seu voto em Aécio por considerar "um risco à democracia" a continuidade no governo da coalização liderada pelo PT, a qual faz parte o seu partido.

Cristovam não considera um risco à população brasileira a visão liberal dos que comandarão a economia em um governo de Aécio, que ligados ao mercado, acham que o salário mínimo está muito alto e que poderão fazer dos serviços públicos - como educação e saúde -, uma mercadoria, com consequências sociais como exclusão e desemprego.

O senador não considera um risco um risco à democracia o pesado domínio midiático que deturpa e manipula constantemente a informação que chega a casa do cidadão brasileiro, de acordo com interesses ideológicos, com um jornalismo sem ética e disposto a golpes para se manter influenciando as pessoas. Esse sim um poder.

Democracia para o senador não inclui a igualdade de fato, que está sendo construída no Brasil nos últimos 12 anos, após séculos de profunda desigualdade, autoritarismos e opressão. Um País soberano, que tem instituições republicanas e democráticas funcionando, que se desenvolve e inclui milhões, algo inédito na nossa história.

O senador desconsidera os avanços sociais democráticos do último período e faz coro com a elite econômica e os senhores do mercado e os barões da mídia.

Cristovam Buarque não é ingênuo, sabe muito bem o que está em disputa. Como ideólogo, joga, blefa, dissimula para esconder seus reais sentimentos e intenções. Constrói uma narrativa que tenta justificar, como toda a ideologia.

Pobre sujeito que só é notado por ser um traidor da esquerda, por ser alguém que não constrói coletividades. Seu partido é da tradição trabalhista e teve em Brizola seu fundador e maior líder que sofreu e denunciou o os riscos para a democracia do monopólio da mídia exercido pela Rede Globo. Personalista,  Cristovam descumpre a orientação de seu partido que definiu o apoio à Dilma. Ao dar apoio à candidatura de Dilma, o PDT foi coerente com sua atuação nos últimos anos em que integrou os governos Lula e Dilma.

Incoerente, Cristovam Buarque rendeu-se ao conservadorismo, mas parece que também à mentira, ao liberalismo, ao rancor e a mágoa.




quinta-feira, 9 de outubro de 2014

Martha Medeiros acredita no marketing de Sartori?


Martha Medeiros acredita no marketing de Sartori?



A escritora  Martha Medeiros parece estar em campanha para Sartori, o candidato do PMDB. 

Em sua coluna no jornal Zero Hora de ontem (quarta-feira, 08/10/2014) escreveu sobre o candidato Sartori. O título da crônica foi "Cara limpa", onde enalteceu as características de Sartori, de autenticidade, espontaneidade, sinceridade, naturalidade etc...Não faltaram elogios. Mas Martha, obviamente, avisou, justificando, que não era analista política. Para ela, apenas uma opinião, sem interesse algum. 

Será a Martha Medeiros uma pessoa ingênua? Em quem votou a escritora?

Será que Martha Medeiros sabe que Sartori já foi deputado estadual cinco vezes e que é responsável, juntamente com seus colegas do PMDB por dar sustentação política a quatro governos do RS? Foi base parlamentar e secretário de Simon, aquele governador que descumpriu a Lei dos 2,5 salários mínimos como base salarial dos professores. Que foi líder do PMDB em um período muito polêmico, das privatizações do governo Britto. Apoiador de Rigotto, seu companheiro de partido, que fez um governo medíocre mesmo subindo impostos. Que seu partido apoiou de  forma decisiva governo Yeda, que fez um péssimo governo, cortando investimentos sociais e paralisando o desenvolvimento. Aliás, sem o PMDB o governo Yeda não existiria. Sem PMDB Yeda não seria viável.

Sartori já foi governo tantas vezes e parlamentar muitas vezes, com responsabilidade por muitas decisões importantes sobre os rumos do Estado do RS, portanto, ele não é algo novo. Ele representa, justamente, a tradição da política, a velha política, que levou à situação atual, de endividamento e atraso econômico e social. 

Martha Medeiros não tem conhecimento de nada disso?

Mas é claro que sabe. No dizer popular: ela não nasceu ontem e não veio de Marte. Sabe, inclusive que o 'Sartori o bom gringo'  é uma peça de marketing eleitoral.  

Martha Medeiros sabe do alcance de suas opiniões. 

Isso é ideologia, nada mais. A construção de uma visão, de uma posição. Neste caso, sem assumir o candidato, mas o elogio às suas supostas virtudes.




segunda-feira, 1 de setembro de 2014

Marina e Malafaia


Marina e Malafaia


Já imaginaram um presidente da República governar consultando o pastor Silas Malafaia para tomar suas decisões sobre os rumos no Brasil? 

Depois que a candidata Marina mudou seu programa de governo em razão da pressão do pastor Malafaia podemos imaginar que Malafaia será um conselheiro de Marina. Marina já tem como conselheira a banqueira Neca Setubal, com quem fala todos os dias.

Observem o que escreveu o pastor Silas Malafaia no seu twitter:

Silas Malafaia @PastorMalafaia 30 de ago 

"Aguardo até segunda uma posição de Marina. Se isso não acontecer, na terça será a mais dura fala que já dei até hj sobre um presidenciável."

O Brasil é uma República que promove a democracia, a pluralidade de pensamentos e estilos de vida. Aqui temos ampla liberdade de religião. Porém, no Brasil o Estado é laico, sem interferência de religiões. Um presidente da República seguir ordens de um pastor evangélico pentecostal (que é autoritário, fanático e intolerante) é um retrocesso inaceitável.


sábado, 23 de agosto de 2014

Namíbia



Namíbia: "Ainda dói em mim"


Expedição Namíbia, Documento Globo News sobre o genocídio da Namíbia. Parabéns à jornalista Leila Sterenberg pela ótima e emocionante reportagem.

É mais um daqueles acontecimentos históricos que impactam profundamente a humanidade pela crueldade, pela negação do humano. Violência, abusos e assassinatos contra pessoas inocentes. O mal pensado e implementado por pessoas 'normais'.

Há pouco mais de cem anos, os alemães colonizadores criaram campo de extermínio e mataram milhares de pessoas das etnias Herero e Nama, hoje a Namíbia. Somente em um cemitério coletivo estão mais de 30 mil. Dos 85 mil Hereros, apenas 15 mil sobreviveram. Do total de mortos 2/3 eram mulheres e crianças, que eram obrigados a trabalho escravo duro como construir uma ferrovia.

Segundo historiadores alemães, que se dedicam ao tema, o genocídio antecipou em 40 anos os campos de extermínio do nazismo. Hitler copiou e levou para Europa práticas dos colonizadores alemães na África.

A Alemanha ainda não assumiu formalmente o genocídio, apesar dos estudos históricos sobre o assunto não deixarem dúvidas, serem confiáveis (são baseados em documentos). Alguns negam o acontecimento. 

Uma senhora da Namíbia falando sobre as mães que sofriam tanto e ainda tinham que identificar os mortos da família, muitas vezes crianças, disse: "Ainda dói em mim".

Uma tragédia cometida contra povos africanos pelos colonizadores.


Porto Alegre, 23 de Agosto de 2014.


quinta-feira, 14 de agosto de 2014

Falta jornalismo




“Indústria reclama de barreiras ambientais”

Com esse título o jornal Correio do Povo publicou uma matéria, na página 18 desta quinta-feira (14/08/2014), assinada pela jornalista Fernanda Pugliero.

Para o leitor é uma 'reportagem'. Entretanto, ao ler o conteúdo nos perguntamos: reportagem com apenas uma opinião sobre o assunto? Pois é, tem apenas uma visão, que faz uma crítica às 'barreiras ambientais'.

A 'reportagem' do Correio do Povo está longe de ser jornalismo. Muito longe de algo que tenha o mínimo de qualidade e credibilidade. Pelo conteúdo, parece ser escrito pela assessoria de comunicação das indústrias de calçados. Parece matéria paga.

Para ser jornalismo deveria ter a visão dos órgãos ambientais. Poderia também ter opinião de professores de universidades, por exemplo. Mas, infelizmente, a visão única (como regra, a posição dos empresários e do agronegócio) essa é a realidade de tantos jornais e jornalistas que estão por aí, que estão no 'mercado'.

Triste é saber que tais veículos de comunicação formam opinião pública sobre assuntos relevantes para a sociedade, como é o tema do meio ambiente.


Demilson Fortes

Porto Alegre, 14 de agosto de 2014.

quarta-feira, 6 de agosto de 2014

Entrevista com Herman Daly




Crescimento se tornou antieconômico”, diz Herman Daly, pai da economia ecológica


Famoso por suas ideias consideradas exóticas, economista defende um mundo sem crescimento

Por Edson Porto - Revista Época


Quando o economista Herman Daly foi contratado para trabalhar na área de meio ambiente do Banco Mundial, no final dos anos 80, a escolha surpreendeu quem o conhecia. Desde o início da carreira, Daly defendeu ideias tidas como, no mínimo, exóticas pela maioria de seus colegas de profissão. Para ele, era fundamental entender a relação da economia com o mundo físico e com a ecologia, o que não parecia caber em uma instituição tão tradicional como o banco.

Parte de suas ideias surgiu do contado de Daly com o professor Nicholas Georgescu-Roegen, o primeiro economista a dizer que a economia não poderia ser vista como um sistema isolado e deveria absorver conceitos da física no seu estudo. Vivendo em um mundo de alto crescimento e baixa preocupação ecológica, ao apresentar suas teses Georgescu-Roegen passou de economista brilhante a profissional esotérico. Acabou a vida isolado e ressentido.

Daly, porém, deu mais sorte. Apesar de visto com desconfiança por muitos colegas, ele desenvolveu seu trabalho em um período em que as questões ambientais tornaram-se muito mais relevantes do ponto de vista intelectual e político. Como resultado, virou o pai da economia ecológica, uma linha de estudo econômico que com o tempo tem ganhado cada vez mais espaço e respeito. Daly ficou seis anos no Banco Mundial e, depois, retomou a carreira acadêmica. Hoje é professor da Universidade de Maryland, em Washington. Nesta entrevista, concedida por telefone, o economista fala de suas ideias e propostas econômicas incomuns.

Época NEGÓCIOS - O senhor começou a falar de economia ecológica e dos limites do crescimento há 40 anos. Quanto a visão sobre esse assunto mudou?

Herman Daly - Devo dizer que os resultados são um pouco contraditórios. Quando você olha para a influência que tivemos, nós da economia ecológica, nos padrões da profissão econômica, vemos que ainda somos muito marginais. De outro lado, se você olha para o mundo intelectual mais amplo, para os ecologistas, os cientistas físicos, os cientistas do clima e mesmo alguns políticos, daí vemos que ganhamos muito mais influência e atenção. Na verdade, acredito que os economistas neoclássicos é que estão começando a ficar marginalizados em meio à comunidade intelectual como um todo.

Mas o senhor vê alguma mudança na postura dos economistas mais ortodoxos?

De certa forma sim, porque as pessoas estão vendo com mais clareza as consequências da mentalidade do crescimento ilimitado. A economia de cada nação está limitada pelo seu pedaço na biosfera, mas elas ainda estão tentando crescer além disso, passando para o espaço ecológico de outros países. Essa é a mentalidade da globalização, que está agora chegando aos seus limites. Creio que essas ideias estão ganhando atenção por que de forma crescente elas parecem mais congruentes do que o crescimento para sempre. Claro que para os políticos, e para muitos economistas, ainda é venenoso falar sobre os limites ao crescimento.

Muitos dos seus críticos dizem que, no passado, teses sobre os limites do crescimento se mostraram falsas porque subestimaram o poder da tecnologia e da inovação. O que o senhor responde a isso?

Vamos tomar como exemplos aqui a questão do fim do petróleo e do aquecimento global. Por um lado, temos o problema do fim de um recurso natural não-renovável que é muito importante e, de outro, um problema causado justamente pelo uso desse recurso. A medida correta nesse caso é taxar pesadamente os combustíveis fósseis e usar essa renda na direção das energias renováveis e da distribuição de riqueza. Ou seja, vamos dar à tecnologia cada incentivo possível para resolver nossos problemas. Minha resposta para os economistas é que eu espero que eles estejam certos e, se eles estiverem, todos nós vamos comemorar. Mas precisamos induzir as mudanças que eles acreditam serem tão fáceis ou naturais, porque, se estiverem errados, pelo menos vamos ganhar tempo para trabalhar nos ajustes econômicos fundamentais.

Alguns economistas dizem que os problemas dos limites naturais se resolvem pelo aumento dos preços. Quando um recurso fica mais caro, desenvolvemos tecnologias para usá-lo melhor ou substituí-lo...

Os preços de recursos escassos vão eventualmente subir, mas o mercado é muito míope. Só quando as coisas ficam realmente problemáticas é que os preços sobem. Por isso, é mais interessante subir alguns preços artificialmente, com impostos, para induzir as mudanças técnicas. Além disso, precisamos induzir as soluções corretas. As tecnologias que estão sendo desenvolvidas para manter o sistema andando são extremamente perigosas. Estamos nos voltando para energia nuclear, indo para exploração de petróleo em águas profundas. Veja o que está acontecendo no Golfo do México com o vazamento de petróleo dos poços da BP. Estamos tentando soluções técnicas desesperadas para manter o sistema em movimento. O que eu digo é que talvez seja melhor diminuir a velocidade e ser mais cuidadoso.



Parar de crescer não vai impedir o desenvolvimento?

Em economia ecológica, tendemos a fazer uma distinção entre crescimento e desenvolvimento. Crescimento é um aumento na produção e na utilização física de recursos. É quando alguma coisa cresce fisicamente em termos de matéria e energia. Desenvolvimento, de outro lado, é qualitativo. É quando as coisas ficam melhores. Você pode ter tecnologias melhores e produzir a mesma quantidade de coisas para entregar mais bem-estar e mais satisfação. Em economia ecológica, estamos a favor do desenvolvimento, mas não de aumentar a produção para desenvolver, porque é o crescimento que causa os problemas ecológicos.

Mas como vamos criar empregos ou obter as coisas que queremos sem crescimento?

Primeiro, é preciso ver que durante a maioria do tempo de nossa existência na Terra vivemos em sistemas em que o crescimento foi ínfimo. Eram economias rurais que de um ano para o outro nem notavam o crescimento. Apenas depois da Revolução Industrial e, particularmente, depois da Segunda Guerra Mundial, é que crescimento se tornou tão explosivo. Nós nos acostumamos ao crescimento, mas na verdade ele é excepcional. Outra coisa importante é que as pessoas tendem a achar que parar de crescer significa parar de produzir. Não é. Numa sociedade sem crescimento será preciso continuar produzindo. A produção, porém, será direcionada para a reposição e não para a acumulação. Haverá, portanto, a manutenção de certo nível de produção e consumo, porque precisamos de coisas para ficar vivos. A questão é por que temos sempre que aumentar de tamanho?

Um dos motivos é porque a população cresce...

Exatamente. Uma parte necessária da economia estável é controlar o crescimento populacional.

Essa é uma discussão difícil hoje...

Sim, tornou-se politicamente incorreto falar sobre o assunto. Mas o fato é que precisamos controlar o crescimento da população, e a melhor maneira de fazer isso é oferecer educação e contraceptivos para todos. Nosso maior problema, porém, é que o crescimento tornou-se o valor maior das economias. Nos Estados Unidos, estamos em uma crise e a solução é sempre fazer a economia voltar a crescer. É uma armadilha. Vamos precisar de muitas mudanças para ir de uma ideologia de acúmulo para uma ideologia de suficiência e manutenção. Outro problema é que temos pobreza no mundo, e a nossa solução para isso também é o crescimento. Em certo sentido, a ideologia do crescimento se tornou um substituto para divisão e redistribuição, porque isso é considerado difícil de fazer. Temos que crescer mais para não ter de dividir. Nos Estados Unidos, a coisa que tem menos sido dividida é o crescimento. A maior parte tem ido para os 5% no topo. Isso está aumentando a desigualdade e, com o tempo, talvez leve as pessoas a perceberem que o crescimento não está ajudando os pobres e que precisamos fazer algo diferente.

Quando é possível dizer que o limite do crescimento foi ultrapassado?

O ponto sobre o crescimento é o seu custo. Em geral, simplesmente assumimos que crescendo em termos de produção e população ficamos mais ricos. E, ficando mais ricos, podemos dividir mais, diminuindo os problemas. Mas se você fizer a conta cuidadosamente verá que o crescimento pode se tornar antieconômico. Nós passamos de um planeta praticamente vazio, em que todo o crescimento era econômico, para um planeta relativamente cheio no qual para crescer você afeta e destrói a biosfera numa escala nunca vista antes. Hoje, os benefícios do crescimento não passam nem perto do que eram no passado. Normalmente, os benefícios marginais do crescimento eram comida, abrigo e roupa – e para muitas pessoas ainda é assim. Mas, nas partes ricas do mundo, o crescimento significa hoje uma segunda casa, um terceiro carro. Ou seja, o benefício marginal do crescimento para o bem-estar está diminuindo, enquanto o custo marginal está aumentando, porque para crescer mais temos que usar ecossistemas vitais.

Essa é uma ideia muito difícil de as pessoas aceitarem. Afinal, se elas trabalham duro e ganham dinheiro, por que não podem ter a segunda casa ou terceiro carro?

Por que o custo disso na biosfera é grande demais e não pode continuar. O aumento do consumo está vindo a um custo muito alto para o resto do sistema, inclusive para as outras pessoas, e há o risco de colapso. Outro ponto importante é que muitos estudos psicológicos indicam que a partir de certo patamar o crescimento e o acúmulo ficam dissociados da felicidade. Mas se o crescimento em termos de felicidade é baixo, seu impacto é alto em relação à degradação do meio ambiente. A ideia é: vamos ser bons economistas e dizer que, quando o crescimento nos beneficia mais do que custa, vamos continuar crescendo, mas, quando os custos são muito altos, temos de parar de crescer. É preciso reconhecer a mudança no padrão da escassez.

Mudança no padrão de escassez?

Os economistas são treinados para se preocuparem com a escassez. Num mundo vazio, o que é escasso é o trabalho humano e o capital. Abundantes são os recursos naturais. Para maximizar a produtividade do capital e do trabalho, usamos os recursos naturais o mais rápido possível. Em um mundo cheio, o padrão de escassez mudou. Veja o exemplo dos peixes. O fator determinante no passado para o limite do número de peixes pescados por ano era o número de barcos e de pescadores. Mais pescadores e mais barcos resultavam em mais peixes. Isso não é verdade hoje. Já temos pescadores e barcos demais, e o fator limitante é o número de peixes no oceano. O limite é o capital natural. Por isso, temos que dar tempo para os peixes se recuperarem.

Isso vale para outros recursos?

Sim. Pegue o petróleo. O fator limitante costumava ser nossa capacidade de furar poços, não mais. Outro exemplo é a agricultura irrigada. O fator limitante principal costumava ser uma mistura entre capital, incluindo adubos e a habilidade para explorar os recursos hídricos, e trabalho. Hoje, de forma crescente, é apenas a quantidade de água à disposição. O ponto é que o fator limitante mudou. Por isso, precisamos economizar nos fatores limitantes. Essa é a lógica.

Como fazer isso?

Podemos impor tetos, limites, como temos tentado fazer com a pesca. Isso nem sempre funciona, mas temos de limitar. Uma maneira de viabilizar isso é realizar leilões com cotas, os chamados leilões de cotas de degradação.

Não é fácil impor limites. Normalmente, as pessoas não apóiam essa ideia...

A gente aprendeu a acreditar que mais produção nos deixa mais ricos. Não estou argumentando contra ficar rico, estou argumentando contra o crescimento que não nos deixa mais ricos. Aquele que nos faz sacrificar coisas que são mais importantes do que a produção extra. Se as pessoas perceberem isso, elas ficarão mais capazes de aceitar limites. Mas essa é também uma questão de percepção. Afinal, se não existem limites naturais para o crescimento e todos podemos ficar mais ricos para sempre, por que as pessoas vão abrir mão do seu pedaço. Sou muito crítico dos economistas porque acho que como profissionais estamos pregando o gospel do crescimento para sempre e temos sido muito lentos em reconhecer as mudanças nos fatores limitantes.

O problema não é que mudar de padrão é muito complexo e difícil?

Eu entenderia se a maioria dos economistas dissesse: “Sim, você está certo, mas não temos como fazer as mudanças”. Mas eles não dizem isso. Quanto à complexidade, o que está ficando cada vez mais complexo é crescer. Usinas nucleares são muito complexas, extração de petróleo em profundidade é muito complicado. Estamos desenvolvendo sistemas extremamente complexos para continuar a crescer. Acredito que isso vai nos empurrar para os limites. Claro que temos uma devoção quase religiosa a nossa capacidade criativa, à ideia de que a ciência e a tecnologia podem fazer qualquer coisa. Mas, se você pensar, a razão pela qual a ciência e a tecnologia são tão impressionantes é precisamente porque elas não tentam fazer o que é impossível e respeitam leis básicas. Você não pode criar matéria e energia do nada, essa é a primeira lei da termodinâmica. Você não pode ter máquinas com movimento perpétuo, essa é a segunda lei. A economia precisa colocar em suas premissas básicas a primeira e a segunda leis da termodinâmica e reconhecer que há limites para a economia no mundo físico. Tecnologia não vai mudar a primeira e a segunda leis da termodinâmica.

Quão importante é a revisão do conceito do PIB nesse debate?

Acho que é central. Estou muito satisfeito por ver economistas mais importantes, ganhadores do Prêmio Nobel, envolvidos nisso. Há 30 anos as pessoas criticam o PIB. Mesmo o Banco Mundial já flertou por um período com a ideia de esverdeá-lo, mas acabou desistindo. Provavelmente foi considerada uma mudança muito radical. Hoje tratamos o PIB como se ele representasse um benefício líquido de crescimento, mas não representa. É uma soma maluca de custos e benefícios. Ele apenas mede atividade, mas algumas atividades econômicas são benéficas e outras, infelizmente, não. Há vários exemplos, como as pessoas que gastam mais tempo e combustível para se locomover porque as cidades estão se expandindo ou os gastos para limpar a poluição que geramos. Se nós separássemos nessa conta o que é um custo e o que é um benefício, e comparássemos os dois na margem, conseguiríamos ver qual é o custo e o benefícios marginais de crescer. Numa empresa, quando os custos superam os benefícios, você para de produzir. Essa é uma regra básica da microeconomia que não existe na macroeconomia.

E a questão do capital natural no PIB?

Esse é outro problema. A gente consome o capital natural e não mede. Cortamos florestas inteiras em um ano e, em vez de um crescimento sustentável ou de uma renda sustentável, a gente apenas liquida o capital natural. Isso vai para as contas nacionais como se fosse rendimento, como se pudéssemos fazer isso de novo no ano que vem, o que claramente não podemos. Então, parte da mudança é apenas alterar os padrões básicos de contabilidade.

O senhor também é um crítico da globalização. Por quê?

Todos são a favor de uma comunidade global, mas existem dois modelos. Um é o modelo de integração em que a comunidade mundial se torna uma grande comunidade integrada. Basicamente, você apaga as fronteiras nacionais em termos econômicos. A outra visão é a de que a comunidade global é uma federação, que se une para colaborar em problemas globais, mas que continua separada em nações. Essa federação é o que foi estabelecido em Bretton Woods, com a criação das Nações Unidas e de outras instituições. O modelo único e integrado é uma invenção da elite corporativa e está representado na Organização Mundial de Comércio e é hoje apoiado pelo FMI e pelo Banco Mundial. O modelo federativo é como amizade, que coopera, mas é separado. O modelo integrado é como casamento em que você vira uma nova unidade.

Qual é o problema de buscar cada vez mais integração?

Os humanos existem em comunidades. E as unidades de comunidade hoje estão no nível nacional e subnacional, mas não há instituições para uma comunidade global. As instituições que temos são de internacionalização e não de integração. Acho que, se você integra a economia globalmente sem um governo global, você apenas transfere poder dos governos para as corporações globais. E essa é a razão pela qual elas pressionam pela globalização, para escapar dos controles nacionais. Então, uma solução seria termos um governo global. Mas isso é muito difícil e improvável. A outra alternativa seria empurrar o capital global para dentro do ambiente local e impedir que ele seja tão global. Posso estar errado, mas acho que é muito perigoso ir para a uma integração global, sem governo. Claro que há algumas áreas em que nós temos que fazer isso, como o aquecimento global. Mas mesmo as decisões internacionais sobre temas como esse serão implementadas e controladas por nações e seus cidadãos.

Muitas pessoas vêem as suas ideias como exóticas. O senhor é otimista em relação à mudança dessa percepção e a mudanças das ideias em relação ao crescimento?

É difícil ser otimista. O que dá para ser é esperançoso. Eu acho mais fácil ter esperança de mudar nossa atitude em relação ao crescimento do que em acreditar que o crescimento contínuo será a solução. Mas para haver mudanças provavelmente precisarão ocorrer crises. É o que vemos historicamente. Ao falar com os meus estudantes sobre isso, digo que não podemos agir sobre essas questões agora, mas que o sentido de falar de coisas que estão além da possibilidade real é que, quando ocorre uma crise ou uma oportunidade para mudança, não temos que começar do nada. É bom ter ideias na mesa.


Publicado na Revista Época em 07/07/2010