segunda-feira, 17 de novembro de 2008

HOLANDA E BÉLGICA


































ANOTAÇÕES DE UMA (BREVE) VIAGEM A HOLANDA E BÉLGICA

Texto de Demilson Figueiró Fortes


A VIAGEM
Uma viagem de trabalho, representando, juntamente com outros colegas da organização que trabalho, a FETRAF-SUL, para participar de uma agenda sobre a soja da agricultura familiar, que incluiu um seminário de produtos não-transgênicos , contatos comerciais com empresas, certificadoras e organizações sociais européias que apoiam o nosso trabalho no Brasil. Mas pra mim, queria ver as coisas além da soja e como um curioso, que se interessa por tudo que é humano e que gosta de escrever fiz esse relato.



Em se tratando de viagens, posso dizer que conheço todo o meu estado o Rio Grande do Sul, e parte da região Sul do Brasil. As viagens mais longas que já fiz foram uma vez até o estado de Rondônia, três vezes até a cidade de São Paulo, e uma viagem a Assunção, no Paraguai, agora seria um pouco mais longe, atravessar o oceando atlântico, divulgar a produção da agricultura familiar e interagir com outras culturas. Foi pra mim uma rica vivência. De Chapecó, fui a Passo Fundo e depois Porto Alegre pegar o avião. Eram 13:30 h aproximadamente, o avião da TAM decolou do aeroporto Salgado Filho, em Porto Alegre, rapidamente deixamos para trás a bela visão panorâmica do Rio Guaíba e suas ilhas. Uma hora e meia até São Paulo, depois mais doze horas até Amsterdam. A capital da Holanda é Haia, mas Amsterdam é a mais famosa e que recebe um fluxo grande de turistas. O avião parte às 19:00 h do aeroporto internacional Franco Montoro, de Guarulhos/SP. E há, naturalmente uma expectativa, afinal não é todo dia que se vai tão distante. Quando decolamos o GPS do avião da empresa aérea holandesa KLM marcou uma distância de 9.870 km, voamos a mais de 800 km por hora, em alguns momentos ultrapassa os 900 km por hora, e a 11 mil metros de altura.

Ir ao velho continente, em termos de expectativa pra mim é de um visitante que quer conhecer, sendo provavelmente o a mesma que se fosse na África ou outra parte da América central, mas com as peculiaridade da cultura da Europa, berço da civilização ocidental que fizemos parte e de grande referências culturais da nossa América. Às vezes até a Europa e os Estados Unidos são mais que referências, porque nós brasileiros temos um sentimento, construído, de valorizar demasiadamente as coisas de fora. E de valorizar a opinião de fora sobre nós. O que os analistas, governos, instituições e pessoas pensam e falam sobre nós, isso nos afeta. E é claro, a Europa é uma referência sobre os parâmetros de a uma sociedade mais evoluída socialmente, que enfrentou e superou seus graves problemas socio-econômicos e construiu democracias sólidas, com liberdades amplas e direitos sociais garantidos. Com diversidade política, cultural, étnica, que se expressa na culinária, nos vinhos e nas cervejas, na arquitetura, no modo de vida, nas políticas sociais e desenvolvimento econômico. Além de dezenas de intelectuais que moldaram o pensamento ocidental e influenciaram e continuam a ser referências para entender e pensar o mundo moderno.

A viagem foi tranqüila, quase sem turbulência, o avião dispõe de uma vídeo individual que podemos além de acompanhar o deslocamento do avião por GPS, quanto ainda resta de viagem, hora de chegada, temperatura. Assim, podemos assistir vídeos e escutar música, escutei um especial em homenagem ao Beatles, James Blunt e duas outras cantora pop que não lembro o nome. Só uma reclamação: a aeromoça ficou me devendo o “beef”. Falou pra escolher entre “fish” ou “beef”, mas somente tinha uns cubinhos de carne. O que já sabia e deu pra sentir - e depois comprovar - , que comer carne de gado como estamos acostumados aqui, não seria tão fácil na Europa.

Esses incidentes que, infelizmente, aconteceram com a Espanha envolvendo brasileiros, que ao entrar no país, centenas deles foram deportados, deixou um temor de que algo poderia acontecer como não gostaríamos. Mas nesse aspecto, isso me surpreendeu, pois sair do Brasil e entrar na Holanda foi um processo tranqüilo, sem necessidade de visto, sem revista na alfândega e até mesmo sem perguntas. Assim, a minha simpatia pela Holanda cresceu mais do que já existia. O temor se desfez e já estávamos em Amsterdam sem traumas, com carimbo no passaporte e entrando do trem para irmos até a cidade de Utrecht, sede na Solidaridad, organização que seria a nossa anfitriã, pelos próximos dez dias. A simpática Gudule - uma holandesa que já morou no Brasil e fala português - nos esperou com uma plaquinha. Junto ao aeroporto tem a estação de trem. Compra-se as passagens em uma máquina automática. Uma multidão sobe e desce dos trens que chegam e partem pra muitos lugares. A segunda boa impressão inicial da Holanda é essa, de um transporte público, amplo, bem organizado, articulado, que privilegia a coletividade.

UTRECHT: CANAIS E BICICLETAS
Pegamos o trem em Amsterdam e depois de aproximadamente meia hora chegamos a Utrecht, cidade de 350 mil habitantes, a quarta em tamanho e importância da Holanda, com canais que cortam a cidade e com casas e condomínios de padrão de tijolos a vista predominantes, bem característicos e que iríamos ver por toda a Holanda e Bélgica. Nota-se, logo de chegada, a existência das bicicletas. Elas estão estacionadas do lado de fora da estação, são centenas, provavelmente milhares. Logo ali, na frente da estação de trem, mas outros estacionamentos de bicicletas se enxerga pela cidade e na frente dos condomínios e escritórios, sempre há várias bicicletas estacionadas. A cidade tem uma rede de ciclovias, onde se vê muitas pessoas indo e vindo nas suas bicicletas. Andar de bicicleta aqui é o normal, desenvolveu-se a consciência dela como meio de transporte ambientalmente saudável, e pelas conversas com as pessoas próximas se constata que cresce cada vez mais a consciência anti carro individual. Aqui, percebe-se que já não é mais o sonho das pessoas ter o seu próprio carro, diferente da cultura que se desenvolveu na América, no Brasil e em outros lugares do mundo, de excessivamente valorizar o carro, que é sinônimo de status social, onde todos querem ter seu próprio carrinho, e as ruas das cidades estão cada vez mais entupidas.

A estação de trem, funciona articulada com a estação de ônibus de transporte público municipal, e as pessoas deixam as suas bicicletas perto da estação. Gudule, a pessoa do Solidaridad, que nos esperou no aeroporto, quando retornamos, nós fomos de taxi, por causa das bagagens, mas ela pegou sua bicicleta e depois de aproximadamente 12 minutos chegamos juntos a sede da entidade.

OUTONO NO HEMISFÉRIO NORTE
Na Holanda, nesta época do ano, está iniciando o outono, as folhas das árvores estão começando a mudar de cor, ficar mais avermelhadas, tons de marrons e amarelo, e começando a caírem. Nos falaram que daqui a menos de dois meses a vegetação exuberante que vimos estará parecendo seca, pois as folhas todas caíram. O cartão postal do outono são as folhas no chão, no inverno o frio intenso, e com freqüência a neve, apesar de agora, nos disseram, já é possível perceber que está mudando o clima.

Tanto na Holanda, como na Bélgica, nota-se o sistema de aquecimento, que funciona a gás, basicamente. No aeroporto, noto que o banheiro está aquecido. Em todos os ambientes, casas, condomínios, bares, restaurantes, hotel, inclusive a estação de trem, se nota isso. Na entrada das casas ou escritório, deixa-se os casacos pesados na entrada, em um cabide, dentro das casas se usa roupa leve, nem se nota que lá fora tem frio. Da para imaginar o enorme gasto energético desses países e a necessidade de geração de novas fontes, que substituam o petróleo.


BÉLGICA
Uma passagem de 31 euros (R$ 93,00) é o que custa ir de de trem de Utrecht até Bruxelas, passando pela cidade de Roterdam, com duas horas e meia de viagem aproximadamente. Da janela do trem, quero ver tudo, a paisagem é de beleza notória, um terreno plano, que na Holanda é entrecortado permanentemente por canais, pois o país está - em grande parte - abaixo do nível do mar. Enxerga-se canais grandes, de navegação, que é um meio de transporte muito utilizado na Europa, e se vê canais de drenagem dos terrenos agrícolas. Na cidade, ou indo de uma cidade a outra não se sobe ou se desse, se anda no terreno plano, o que contribui muito para ter canais de navegação, linhas de trens sem grandes obras de infra-estrutura como túneis, para cortar os terrenos, mas existem pontes, viadutos, estradas construídas sobre aterros. Mas, a infraestrutura dos dois países é notada nas estações e linhas de trens, nas rodovias, nos canais navegáveis, nos portos espalhados ao longo dos canais que distribuem as coisas transportadas.
Nota-se também as estradas de altíssima qualidade. Bélgica, é cortada pra todos ao lados por grande auto-estradas de quatro pistas de um sentido e quatro de outro, além da segurança, sinalização e mais interessante, as estradas da Bélgica são todas iluminadas à noite, parecem avenidas. Na Bélgica a língua é flamengo e francês. Quem dominar o francês se comunica fácil, tem muitas placas com informações públicas que são em francês.

BRUXELAS
BRUXELAS, BRUSSELS, BRUXELS
A capital da Bélgica é uma belíssima cidade. É onde está localizada a sede do parlamento europeu, do comissariado e do conselho de ministros da Comunidade Européia, centro importante do poder da nova Europa unificada, um bloco que chega a 27 países atualmente, com uma população de 435 milhões de pessoas. O PIB europeu de 2007 foi de US$ 14 trilhões. E uma diversidade de culturas, com uma história com traços em comum, mas também com peculiaridades.
Na chegada a Bruxelas, de trem, no início da noite, vindo de Utrech/Roterdam pude ver algo incomum para a maioria das cidades, algo que já tinha ouvido falar, mas que estava podendo agora constatar, uma rua de casas de prostituição. Na chegada parecem bares normais, se distinguindo pelo neon nas fachadas que chamam atenção, mas de perto, observa-se que funcionam com as moças - profissionais do sexo - expostas na vitrine, mostrando seus corpos aos possíveis clientes, enquanto a vida ali na rua continua normal, as pessoas indo e vindo num começo de noite de outono. Em Amsterdam, também a prostituição é reconhecida como profissão, e as casas são legalizadas, mas existem zonas da cidade especificas para o exercício de tal atividade.

Bruxelas é uma cidade com características marcantes pela sua arquitetura histórica, grande parte da cidade não se vê prédios de estilo moderno, mas prédio de quatro a seis andares, colados um ao outro, num continuo.
Na Bélgica, como na Holanda, o transporte público de qualidade é marcante. A bicicleta é usual, de uso comum, se vê para todos os lados, as cidades tem ciclovias e locais para estacionar bicicletas, sendo normal na frente doa bares, lojas, escritórios ter sempre bicicletas estacionadas. Existem trens intermunicipais e trens urbanos (parecidos com bondes), além de frota de ótimos ônibus, confortáveis e bonitos. Em algumas ruas, convivem carros, trens urbanos, bicicletas e motos. Os trens e os ônibus, em alguns lugares tem pistas exclusivas, em outros usam as mesmas estações. Indo de trem de uma cidade a outra se observa os estacionamentos de carros próximos as estações, onde as pessoas deixam seus carros e vão de trem, da mesma forma as bicicletas, na saídas das estações de Utrech ou Brugge, duas cidades da Bélgica e Holanda, respectivamente, por exemplo, é surpreendente a enorme quantidade de bicicletas. Em algumas estações pode-se afirmar que tem milhares de bicicletas, em estacionamentos em andares ou contínuos.

O normal nestes países é ir de transporte público, o carro é exceção, não é a prioridade, e cada vez mais sofre críticas. Daqui, andando de transporte público todos os dias, sabe-se perfeitamente, que realmente, imaginar que todas as pessoas do mundo possam ter seu carro individual numa cidade é uma aberração. E, que o transporte público nos remete a uma racionalidade que concebe o mundo na sua coletividade e incorpora a dimensão ambiental. E depois de internalizado pelas pessoas, torna-se cultura e passa a ser o normal. Um amigo nosso, que da Solidaridad que nos acompanhou, o Paulo, que é brasileiro, nos falou que não pretende ter carro, pois o transporte público satisfaz às suas necessidade de transporte. Outro amigo Jan, que é holandês mas morou no Brasil, tem carro, mas usa pouco e quer se desfazer.

Nesses dez dias de viagem, senti saudade da alimentação brasileira. Não somente pela carne, que no Brasil é comida com fartura e por lá é restrita, por ser de preço elevado. Mas também por não se comum servir arroz, que é da nossa base alimentar, muito menos o nosso feijão. No restaurante se olha o cardápio e se escolhe um prato, eles acham estranho se pedimos uma porção de arroz como complemento. O que observa-se é que o pão é a base alimentar da Holanda e Bélgica, onde em cada refeição, tanto no restaurante como nas casas das pessoas, antes de um prato principal, serve-se uma porção de pão com manteiga, componentes básicos. Mas, em compensação comi salmão umas três ou quatro vezes, em pratos bonitos e requintados, mexilhões e pato ao molho. E uma coisa marca: eles apreciam mais o ato de comer, comendo menos a cada refeição e valorizando o ato. Nós, no Brasil, em geral, comemos demais, em excesso, ao passo que outros brasileiros (muitos) passam fome.

Em Bruxelas é freqüente encontrar-se com artistas de rua, pessoas tocando gaita, violino, teclados e outros instrumentos exóticos. Da mesma forma se vê na rua desenhistas, pintores, caricaturistas.
Um traço marcante da cidade são os bares, lotados de gente, com suas mesas tradicionais colocadas ao ar livre, na frente dos bares, nas calçadas largas. Nesses bares se bebe muitas cervejas. A Bélgica tem mais de 300 tipos de cerveja, somente uma loja, no centro exibe que dispõe de 250 tipos para vender, uma festa. Provei um cinco tipos, muito boas, saborosas, diferentes, uma dessas foi em um bar que tem mais de 100 anos de existência e fabrica a sua própria cerveja, um canecão de mais de 800 ml custa seis euros.
O centro da cidade é uma festa, cheio de turistas, tirando fotografias e comprando lembranças da cidade. Faz parte da marca de Bruxelas as casas de chocolates, são muitas, estão por todos os lado, pelo menos na parte mais central da cidade.

Nos trens urbanos nota-se muitas pessoas lendo jornal ou livros. Pessoas de todas as idades, mas não se vê uma massa de jovens como é comum nas cidade brasileiras. E nos trens há os novos e mais antigos, e parecendo perplexo se vê alguns pichados, e alguns com grafite colorido, como é o caso do metrô de Amsterdam. Uma característica visível na Bélgica é as crianças carregadas nos carrinhos, são muitos os pais que vi levando seus seus filhos nos carinhos.

O café é algo muito apreciado, mas diferente dos brasileiros, os europeus não colocam açúcar em seus cafés. Algo parecido também com os chocolates, muito consumidos, mas com menor quantidade de açúcar e leite, e com mais cacau, resulta dando em chocolates um pouco mais fortes, mais amargos, mas com sabor acentuado, mas muito saborosos. Uma barra de chocolate com 400 gramas, custa entre 4 e 6 euros (12 e 18 reais). Os chocolates belgas são muito famosos e muito bons. Comprei vários chocolates para trazer de presente às colegas e familia mais próxima, principalmente as afilhadas Larissa e Jéssica.

IMIGRANTES NA EUROPA
Nas ruas de Bruxelas, Amsterdam ou Utrecht se vê imigrantes, negros, africanos, possivelmente de ex-colônias européias, e o que chama mais atenção são os muçulmanos, com as suas características que são mais marcantes, principalmente as mulheres que usam o véu na cabeça e as roupas que cobrem todo o corpo. Elas são muitas, se cruza muito nos trens urbanos, ônibus, nas ruas, nas estações, nas lojas. Aqui, em vários momentos se cruza com pessoas pobres, alguns te pedem dinheiro, ou ajuda pra comprar passagens de trem. Mas essa pobreza existente parece estar localizada nos imigrantes. Das pessoas que vi pedindo dinheiro, lembro de quatro mulheres e três eram muçulmanas.

CIDADES VISITADAS NA BÉLGICA: BRUXELAS, LEUVEN, LOVENDEGEM, ANTWERPEN, GEEL E BRUGGE
Além de Bruxelas tive a oportunidade de visitar outras cidades da Bélgica, a organizadas pelo amigo de nome Luc, ligado a uma organização belga chamada WERVEL, que atua promovendo o debate sobre alternativas de proteínas, produção e consumo local e sobre outros temas ligados direitos humanos. Na cidade de LEUVEN, visitamos uma loja que vende produtos fabricados com cânhamo, como camisetas, calças, mochilas, bolsas, alimentos, e outros produtos. O cânhamo, é uma planta próxima da maconha, tendo o mesmo nome cientifico (cannabis sativa), mas a variedade não tem a substância denominada THC, que dá o barato e faz a moçada ficar chapados. O cânhamo possui fibra que é versátil e pode ser confeccionado tênis, bonés e roupas, mas por se parecer com a maconha é proibida em muitos países, entre eles o Brasil, mas na Bélgica e outros países é permitido o seu plantio e industrialização. A WERVEL defende o uso como alternativa protéica para alimentação animal e humana. Visitamos também na cidade de LOVENDEGEM a propriedade de um agricultor ecológico (que eles chamam de biológico, os produtos que não levam agrotóxicos) chamado Dirk, que produz leite e industrializa em um pequeno laticínio familiar e vende diretamente aos consumidores localmente. Almoçamos na casa de Dirk, comemos uma saborosa sopa de cenoura com abóbora com pão integral, gelias e queijos, numa mesa preparada ao ar livre, ao sol. Nesse mesmo dia, vistamos a cidade de ANTWERPEN, onde numa loja de confecções como estas redes que existem no Brasil, que os preços são todos em média três vezes mais caros, se uma camisa custa R$ 15,00, lá custa R$ 45,00. Depois fomos a um bar popular tomar cerveja belga, onde bebi uma cerveja com mais de 8 graus de álcool, muito saborosa, ao custo de 2,5 euros (R$ 7,50) a taça (meia garrafa), a cerveja mais barata, pois em outros locais os preços ficam acima de 3 euros. A noite encerramos numa cidade chamada de GEEL, distante cerca de 70 km de Bruxelas, onde a WERVEL foi fazer uma palestra sobre o Brasil para um grupo de pessoas, que se reúnem mensalmente para debater algo e depois dançar. Nessa cidade de GEEL, comi uma que é uma das comidas típicas da Bélgica, as batatas fritas. Eu que imaginava que batata frita era coisa dos Estados Unidos, fiquei sabendo que os belgas tem como cultura comer batata frita. Comi batata frita numa casa especializada, como temos as casas de pastel ou de hambúrguer aqui, batata frita com molho de maionese tártaro e molho de carne, tudo muito bom. Retornamos para Bruxelas numa auto-estrada toda iluminada, que parece uma avenida, no meio do caminho paramos em um posto que funciona em auto-serviço, onde os clientes abastecem seus próprios carros. Em todas essas cidades pude ver muitas bicicletas e muitos bares bacanas.


BRUGGE
Por convite feito por Johan, pessoa conhecida que trabalha para a Max Havelaar da Bélgica, fomos conhecer Brugge. De trem levou um pouco mais de uma hora, dez passagens custaram 71 euros, talvez com algum desconto que eles ganham. Brugge é uma cidade belga turística e muito antiga. Por seus canais que cortam a cidade pra todos os lados e por sua arquitetura histórica é chamada de a “Veneza do Norte”, em referência a cidade de Veneza, que fica na Itália, na parte sul do continente europeu. Nos disseram, que dos dez milhões de turistas que visitam a Bélgica todos os anos, cerca de três milhões visitam a cidade de Brugge. Fomos num domingo de sol e estava repleta de turistas. Almoçamos espaguete com molho vermelho de carne moída a 8,5 euros (+ taça de cerveja e água = 13 euros, ou 36 reais). A cidade é pequena, e impressionantemente bela, com igrejas antigas, castelo, mosteiro, ruas estreitas com calçamento e casas de tijolos. E os canais que cortam a cidade. Um cartão postal.

DE VOLTA À HOLANDA
Concluídas às atividades em Bruxelas, voltei para Utrecht, dia 14 de outubro. Na estação central de Bruxelas, antes de embarcar no trem tomei café na estação. Um café com croissant, na promoção, custou 2,6 euros (R$ 7,80). Na noite anterior, uma baguete, com muzzarela, presunto e tomate custou 4,5 euros (R$ 13,50). Os trens são pontuais.
Na estação, como em outros lugares, fui dar uma olhada na revisteira para ver encontrava algo que me interessava. Não foi diferente como no Brasil, encontrei. Comprei uma revista com 100 fotos selecionadas de um fotografo de uma revista denominada repórteres sem fronteira, com belas e ricas imagens, fotos globais, por 9,90 euros (quase 30 reais). Entrei em outra, peguei uma barbada, a maior que encontrei na minha estada aqui, um número de uma coleção que esta por aqui de músicas clássicas,com 10 CDs de Vivaldi, por apenas 9,90 euros.

Na plataforma de trem, sozinho, sem falar inglês, e com um portunhol muito ruim, consegui me comunicar, e obtive informações sobre a direção certa do trem, a linha certa, e embarquei com segurança. Da mesma forma em Roterdam, onde troquei de trem, e o mesmo, quando em Utrech desci e peguei um ônibus urbano. Minha conclusão definitiva é que a comunicação existe de várias formas, e sempre encontramos pessoas dispostas a colaborar, mas sempre é bom ter um pouco de tempo, uma folga pra não ter problemas, com pressa e atrasado pode se complicar. Em Bruxelas, quando perguntei a um rapaz sobre a linha do trem, ele foi perguntar na parte de cima da estação pras pessoas certas e retornou pra me informar, algo que nos deixa na obrigação moral de fazer o mesmo, pra outras pessoas. Em Utrecht, disse ao motorista que queria ficar na estação Sócrates Plain e ele depois avisou, saiu um Sócrates diferente do nosso, mas entendível.

Na viagem de trem, observo que o fiscal ao verificar as passagens, os estudantes apenas mostram uma carteira. Depois perguntei a Jan, nosso amigo, e ele me explicou que os estudantes não pagam passagem de trem na Holanda. Aqui os estudantes, ganham uma bolsa para estudar e conta ele, que como eles gostam de viajar e usavam muito da sua bolsa pra isso, o governo, resolveu diminuir a bolsa e negociar com as empresas de transporta pra liberar pra moçada, e foi o que aconteceu. Mas também tem outras formas de desconto, pra todas as pessoas que fizerem um carteira especial, que obtém desconto de até 40 % e pode também valer para a pessoa acompanhante. Perguntei também sobre a Universidade e Jan me falou que é pública, alguns poucos cursos de pós-graduação somente que são privados. Na Holanda não há vestibular, parece que somente para o curso de medicina, que há uma grande procura faz-se algum tipo de seleção. Passa-se no ensino médio à universidade como um passo continuo, algo normal para todo o estudante.
Peguei o ônibus da estação central de trem, em Utrecht para ir a sede de Solidaridad e paguei 1,60 euros (R$ 4,80) pelo transporte em um ônibus de alta qualidade. Depois olhando na passagem descobri que é ida e volta, ou serve pra pegar dois ônibus em seqüência.

Interessante é entrar nas estações, pegar o bonde e geralmente, não ter ninguém pra te cobrar a passagem. Se entra na estações não tem nem controle magnético rigoroso, existe sim, mas as pessoas entram e passam seu cartão, sem ninguém estar vigiando. Nos disseram que, algumas vezes aparece um fiscal, e se alguém não tiver com passagem leva uma multa, mas parece não ser isso que inibe a falta de pagamento, existe a consciência de que tem que pagar. Eu, imaginava as estações mais vigiadas, pelo temor que se seguiu ao atentado de 11 de setembro,mas não existe, nem câmeras pra todo lado eu vi, somente algumas em algum ponto específicos.

PAISAGEM RURAL
Viajando de trem, indo para a Bélgica ou retornando para a Holanda, da janela do trem, eu observava tudo com um olhar curioso, de quem desvenda, de quem quer desbravar um território. Como agrônomo, ecologista, mas como também como um observador, que se interessa por tudo que é humano, e nisso inclui a relação que temos com a natureza, as tecnologias, a nossa ação no espaço físico, e as culturas como resultado de tudo isso, através das gerações que se sucedem.

A paisagem é parecida, comparando os dois países. Muitas áreas agrícolas com pastagens e muitos animais bovinos, vacas leiteiras da raça holandesa. Também se vê criações de ovelhas e plantação de milho para silagem. Áreas muito planas, drenadas por canais que, entrecortam todo o território. Algumas poucas barreiras de árvores ou pequenos bosques. Mas uma coisa que chama a atenção é a integração entre espaço rural e urbano, que no Brasil denominamos de “rurbano“. Ao longo da ferrovia vimos muitos aglomerados de casas, que são pequenas vilas rurais, que eu suponho, devem ter moradores que são agricultores e pessoas que trabalham em outros locais, mas que pela facilidade de embarcar nos trens, podem ir trabalhar todos os dias e voltar pra casa. Porque se vê uma seqüência de casas em meio a plantações e criações e outros aglomerados com pequenos quintais, hortas. Interessante é a impressão que temos de ver que parece que tudo está bem “arrumadinho“, casas boas, animais nas pastagens, gramados, jardins. Ao longo das ferrovias observa-se cortinas verdes de plantas, arbustos e árvores, que fazem, juntamente com outros tipos de materiais, como plásticos ou cimento, barreiras que isolam os trilhos do trem da vila e das casas, funcionando como barreira que isolam contra o barulho e também talvez para dar certa privacidade. Vê-se algumas estradinhas rurais asfaltadas.

ROTERDAM
Retornando da Bélgica, passei pela cidade de Roterdam, uma cidade portuária, muito conhecida, que é a porta de entrada para os produtos que chegam de várias partes do mundo para a Europa. O Porto de Roterdam, um dos mais importantes e movimentados do mundo, juntamente com o porto de Hamburgo, na Alemanha, constituem os dois portos mais importantes de distribuição de mercadorias do continente europeu. Dali pelos canais e ferrovias são distribuídas para vários países, como é o caso da soja e outros produtos que chegam do Brasil.

Ao longo da viagem, a ferrovia vai cruzando por grandes auto-estradas, que cruzam em várias direções. Nessa parte do território agrícola predomina as pastagens, mas se vê algumas concentrações de estufas agrícolas , de plástico e de vidro, grandes, estruturas de alta tecnologia. Mas, percebe-se que a aração da solo é um manejo muito presente, diferente do Brasil, em que o plantio direto na palha é uma prática já amplamente adotada.

Vejo os grandes canais que cortam a Holanda, com muitos barcos de carga e pequenos portos de descarga ao longo dos canais. Neste lado da Holanda que viajei, indo até Bruxelas, não tem plantações de flores, nem enxerguei muitos moinhos, dois símbolos da Holanda. Moinhos vi alguns poucos, mas por outro lado se vê presente os novos moinhos, que são os geradores de energia eólica modernos, construídos de metal, com grande pás que giram.

Dentre as coisas curiosas que enxerguei foi de umas casas ilhadas e uma empresa parecida com um castelo. Explicando melhor, devido o terreno ser alagado por quase toda a Holanda, as áreas agrícolas com as plantações e alguns lugares habitados, precisam ser drenados, por meio de canais. Nestes dois casos, era um condomínio de várias casas, que formavam pequenas ilhas, com pequenos canais e pontes que estavam no meio do condomínio. Da mesma forma na empresa, que lembra os castelos medievais, que eram circundados por água, assim foram construídos os prédios da empresa, todos cercados por água.

AMSTERDAM: BELEZA E CULTURA
Como definir Amsterdam?
Falar de Amsterdam é falar de uma cidade linda, mágica, que atrai atenção de pessoas de várias partes do mundo. Uma cidade em que se vê a diversidade, presença de gente menos formal. Entrecortada por canais, que estão cheio de barcos. Para ir ao hotel que iria ficar hospedado foi me dado um mapa, e descobri a importância de se ter um mapa. Além de nos localizarmos, temos a oportunidade de conhecer melhor a cidade. Olhando o mapa de Amsterdam temos a noção exata da quantidade de água que circunda e transpassa a cidade. São muitos os canais, que estão por todos os lados, é quase que em cada duas quadras se tem um canal. São barcos de turistas, casas-barco, onde pessoas moram nos barcos, barcos que fazem entrega de mercadorias, barcos dos órgãos públicos pra prestar algum serviço. Olhando o mapa da Holanda comprovo que grande parte do país está abaixo do nível do mar. E olhando o mapa de Amsterdam se tem a noção da quantidade de canais que cortam e drenam a cidade.

AMSTERDAM: HOSPITALIDADE, PLURALIDADE E TOLERÂNCIA
Amsterdam é plural. Na cidade vê-se pessoas de várias partes do mundo. Desse encontro, dessa mistura, se define muito a cidade. Eu já sabia da política liberalizante em relação as drogas e a prostituição da cidade. Mas, na terça quarta-feira atravessando uma boa parte da cidade caminhando a pé, no centro da cidade, uma loja, exibe um pé de maconha na entrada da loja, olhando mais atentamente se vê outro pé na vitrine da loja. Quando entro na loja, vejo uma enorme quantidade de produtos feitos a base de maconha ou do seu próximo cânhamo. São sacolas, roupas, bebidas, alimentos, lembrancinhas de todos os tipos, com a folha da cannabis sativa simbolizando. E nessas lojas, compra-se a semente em pacotinhos ou a própria erva para fumar. É permitido portar pra consumo até três gramas, ou plantar alguns poucos pés para o auto-consumo (me contaram que é no máximo três pés).

Amsterdam é cheia de bares e restaurantes. Pude numa passada ver restaurante ou bares mexicano, argentinos, brasileiro, chinês, tailandês, da mesma forma que rede de fast-food como Burguer king.

AMSTERDAM: CICLOVIAS, TREM, ÔNIBUS E METRÔ
Chama atenção as bicicletas. São milhares, com ciclovias que cortam a cidade. Gente de todas as idades, roupas, estilos, todos andam de bicicleta, inclusive com chuva, se coloca uma capa de chuva e pedala-se. De salto alto ou de tênis, de vestido ou e calça, a bicicleta é pra todos e pra todas.
Pra uma cidade que é cheia de canais até que tem bastante árvores, que nessa época caem as folhas, dando uma característica especial, amarelada, forrando o chão e as águas. Em relação a arquitetura, na cidade de Amsterdam os prédios são na sua maioria antigos de altura de cinco andares em média, todos colados um no outro, de tijolos e telhas. Alguns parecem meio inclinados pra frente, dando a impressão que estão prestes a caírem. Mas é somente impressão, foram construídos assim, inclinados.
O metrô esta integrado as ciclovias, aos ônibus, trens urbanos e trens intermunicipais, que partem para vários pontos da Europa, e com estacionamentos de bicicletas. São vários ramais do metrô que se ramificam por vários pontos da cidade. De manhã, passavam na estação, de três em três minutos, se atrasa pega logo em seguida o outro.
Amsterdam passa a impressão de liberdade. Uma cidade que enfrentou a hipocrisia e legalizou algo que a moçada já faz uso em muitas partes do mundo, e nem por isso todo mundo saiu fumando ou se prostituindo. O que melhor pode definir essa cidade seja o que se chama de tolerância e pluralidade. Não que todos devam querer ou concordar com tudo, mas de admitir que o outro pode querer ou gostar, e que pode ser melhor fazer a luz do que na clandestinidade e nos becos escuros da cidade. Como cidade global, tem redes mundiais, uma delas é onde comemos na madrugada um hambúrguer, que é a rede Burguer King, custou 5 euros (R$ 15,00). O simpático rapaz que nos atendeu, é estrangeiro, acho que marroquino, turco ou algo próximo, disse ele que conhece muitos brasileiros e falou um portunhol.

CONSIDERAÇÕES FINAIS DAS IMPRESSÕES DE UMA BREVE VIAGEM A HOLANDA E BÉLGICA
No geral, penso que ter conhecido dois países da Europa como Bélgica e Holanda foi importante, por varias razões. Primeira delas, porque tivemos êxito na nossa missão de trabalho e além disso, sempre crescemos culturalmente, quando conhecemos pessoas, lugares, modos de viver, história de povos que constróem suas realidades, mesmo nas maiores adversidades, seja ambiental, seja social, política ou econômica. Uma Europa que foi arrasada na segunda guerra mundial e levantou-se, construiu um sistema de proteção social invejável. Uma Holanda que alargou seu território e fez da adversidade ambiental a fonte de geração de conhecimento e de tecnologias. Onde seria impossível viver, construiu uma Amsterdam, uma civilização. Mas me trouxe, principalmente uma afirmação da visão que tenho do espaço público, da coletividade, da valorização da cultura. Trata-se de países que superaram suas desigualdades estruturais, onde vê-se certo equilíbrio, ou talvez, melhor definindo, uma sociedade que tende mais para a igualdade do que a nossa, em que vivemos, aqui no Brasil, na América ou em outras parte do mundo. Lá, certamente, tem seus ricos e seus pobres também. Mas o que me pareceu é que a riqueza européia ta mais pra coletividade do que para o individualismo. O foco, no ensino, no transporte, nos direitos do cidadão está no público, na coletividade. A idéia de uma sociedade de direitos, da força visível da sociedade, mas também de estados nacionais fortes, com ações e políticas públicas. Um exemplo são as ruas centrais das cidades, que são para principalmente às pessoas, às bicicletas e os ônibus e os trens. E o carro, símbolo da sociedade individualista industrial, movida a petróleo, que joga gás carbônico pra atmosfera, já não é mais a centralidade.

Penso que a riqueza européia não é traduzida somente por dinheiro. A riqueza está no respeito às faixas de seguranças, à prioridade aos pedestres, no ato de pagar passagem sem ter cobrador, em utilizar com naturalidade o transporte público e não querer cada se deslocar com carros individuais. A riqueza está no milhares de bares que ocupam parte das ruas, de pessoas que se abrem ao espaço público, de interação e convivência humana. De conservar seu patrimônio histórico e não achar que destruir prédios antigos e substituir por novos seja a melhor coisa do mundo. A riqueza parece estar na centenas de casas que fabricam chocolates ou nas centenas de tipos de cerveja que existem na Bélgica, na beleza dos canais de Amsterdam. Parece estar cada vez mais no consumo consciente da responsabilidade social e ambiental, de uma sociedade européia, que na sua maioria rejeita os cultivos transgênicos.

Em pesquisa apresentada no seminário sobre NÃO-OGM (geneticamente não modificados) que participamos, pudemos constatar mais uma vez que a população européia, na sua maioria se preocupa com a sua alimentação e questões como segurança nutricional, qualidade, origem, relação com a saúde e meio ambiente, preocupa as pessoas. Nesse sentido, a maioria rejeita os produtos transgênicos e valoriza à produção biológica (produzida ecologicamente correta). E as empresas, para atender aos seus consumidores estão desenvolvendo produtos e demandando produção dessa natureza. Na Irlanda, por exemplo, estabeleceram meta de passar de 1 % para 5 % o percentual de soja orgânica na ração animal, abrindo possibilidade de venda para os agricultores familiares do Brasil e de outras partes do mundo.

Interessante também foi conhecer um pouco mais do sistema denominado de COMÉRCIO JUSTO, denominado em inglês de FAIR TRADE, um movimento internacional, iniciado há mais de trinta anos e fortalecido nas últimas duas décadas na Europa, que propõem a valorizar o preço dos produtos oriundos de grupos de agricultores de países pobres ou em desenvolvimento. Na Europa existe uma rede de lojas que vendem esses produtos, uma delas é a OXFAM, que conheci uma em Bruxelas, mas a produção que é certificada pela FLO (FAIR TRADE LABELLING ORGANIZATIOS) pode ser encontrada em vários lojas de varejo, aliás há o interesse dos seus promotores que agentes do mercado comprem, industrializem e distribuam, assim pode ganhar mais consumo de massa. Na Suíça, por exemplo, metade do volume de bananas consumidas em todo o país, já é com selo do FAIR TRADE. De nossa parte foi aprovada a proposta de incorporar a soja da agricultura familiar, não-transgênica ou orgânica, como parte da lista de produtos certificados, iniciativa que poderá vir a beneficiar milhares de famílias do Brasil, da América e de países como Índia. A organização que promove isso tudo chamas-se MAX HAVELAAR, e atua em rede, em vários países da Europa, eu tive contato com MAX HAVELAAR Bélgica. A proposta da soja no comércio justo foi da FETRAF-SUL, instituição que tenho a honra de trabalhar.


A vida na Europa é cara. No geral tudo custa três vezes mais que as coisas no Brasil. Perguntei quanto era o salário mínimo na Holanda, me falaram que era uma base em torno de sete euros por hora, ficando em 1.200 euros por mês aproximadamente, correspondendo a R$ 3.600,00, o que parece bastante, mas quando se coloca os custo de vida alto, verifica-se que não é alto salário. Uma outra pessoa na Bélgica me contou que um terço de seus rendimentos de um mil euros por mensal são para o aluguel, ficando em torno de 300 euros o aluguel de um apartamento pequeno. Quando comparamos verificamos que no Brasil, na cidade de Chapecó, Passo Fundo ou Porto Alegre, se faz uma refeição de excelente qualidade por sete ou oito reais, com carne a vontade, algo que não existe na zona do euro.

A Holanda é um país rico, vê-se isso com facilidade pela infra-estrutura que construiu, pela quantidade de guindastes que se vê, sempre com obras e reformas em andamento. Mas pra mim, a riqueza holandesa está em ter o ensino público, gratuito em todos os níveis. Uma visão de sociedade plural e tolerante. Em ter um transporte público, de massa, com capilaridade e eficiência.

Quando, os cidadãos de países como o nosso Brasil se entenderem isso, também teremos riqueza, pra além de materialmente visíveis. Em verdade, o Brasil já é um país rico, uma das maiores economias do mundo, e dono de um patrimônio ecológico imenso, mas é profundamente desigual e não aprendeu ainda a valorizar a sua riqueza ecológica. A riqueza é concentrada e estamos ainda no meio do caminho da construção da cidadania e de efetivação de direitos, onde o meio ambiente fica sempre em segundo plano. E culturalmente, temos um caminho longo a percorrer, pois mesmo os nosso ricos - financeiramente falando - são de uma pobreza espiritual e cultural imensa. Ainda, em todos os lugares, todos sonham em ter somente seus carrões e seus luxos - e seus lixos - , mesmo sabendo que as cidades estão cada vez mais entupidas de carros e o planeta está no seu limite, com lixões gigantes e riscos reais de um aquecimento global. Para muitos, mesmo sendo trabalhadores ou classe média o transporte público, a motocicleta ou a bicicleta são coisas degradantes ou diz respeito somente aos pobres, enquanto predominar isso seremos como um povo de pobreza cultural e ética. Os empresários querem ser mais ricos, o respeito a cidadania fica a margem dos negócios. Os candidatos a classe média e novos ricos, nunca pensam em comprar livros, mobilizarem-se por museus e bibliotecas públicas, querem sim é acumular materialmente. Quando o transporte coletivo público for prioridade e a classe média mandar de ônibus seus filhos pra escola, e termos ciclovias, respeito as motocicletas e pedestres, eliminarmos a pobreza e incluirmos na nossa cultura o respeito ao meio ambiente, enfim, seremos muito ricos. Quando separarmos o lixo, quando a universidade pública atender a maioria, e a saúde pública além de universalidade formal se tornar efetiva e de qualidade, aí seremos ricos.

A viagem se tornou mais tranqüila, porque nosso grupo - que incluía, além de mim dois outros colegas do Brasil, Rui e Norberto, e um boliviano, o Gustavo - foi muito bem recepcionado por vários amigos, de organizações européias que temos relações de trabalho. Mas para além das relações de trabalho se constituem em relações fraternas e cordiais, nos parâmetros de projetos de sociedade em comum que temos, de um mundo mais justo, de maiores oportunidades e de acesso, e de ações humanas que ofereçam menores impactos ambientais. Por nossos amigos de SOLIDARIDAD, WERVEL E MAX HAVELAAR fomos conduzidos e apoiados nesses dez dias, com uma hospitalidade que nos faz ficar muito gratos e sempre buscar corresponder, afinal estar em um país sem dominar o inglês ou a língua local é muito complicado.

Enfim, de todas as viagens que fiz, perto ou distante, algumas coisas valem para esta também. Depois de alguns dias, sentimos saudade de nossa casa, de nossas coisas, de nossos amigos e familiares, de nossa cidade. Isso é a cultura, aquilo que nos enraíza, que nos define, e que como um ímã, nos atrai. Por mais que haja coisas interessantes, beleza e hospitalidade, nos faltam as pessoas, o chimarrão, o arroz e o feijão, nossos de todos os dias. É bom ir, mas é muito bom voltar pra casa. No Sul do Brasil, na chegada a Porto Alegre já me sinto em casa, e pude já na rodoviária comer uma “alaminuta“, com bife de picanha, ovo, salada, arroz e batata frita. Mas é em Chapecó que estou novamente em casa, o que me define e me faz sólido - e feliz - é o meu cotidiano.

Demilson Figueiró Fortes
Primavera de 2008.