sexta-feira, 25 de abril de 2014

Desastres ambientais viram um bom negócio para o mercado financeiro




Desastres ambientais viram um bom negócio para o mercado financeiro


O mundo financeiro criou um nicho para seguros contra desastres climáticos e naturais, cada vez mais popular entre países afetados por estes fenômenos.


Marcelo Justo



Os desastres ambientais são um bom negócio. Com o engenho que o caracteriza para a invenção de novos instrumentos de rentabilidade, o mundo financeiro criou um nicho para seguros contra desastres climáticos e naturais, cada vez mais popular entre países afetados por estes fenômenos. Os bônus CAT (“Catástrophe bonds”) são a principal estrela deste firmamento que também tem outros protagonistas como o derivado climático ou a hipoteca ambiental. Entre 2003 e 2013, foram emitidos cerca de US$ 40 bilhões de bônus CAT, dez vezes mais do que há uma década.

O negócio parece redondo. Os estados se protegem contra catástrofes que demandariam um investimento acima de suas possibilidades e os investidores cobram juros altíssimos frente a eventualidades que raramente ocorrem. Segundo a revista britânica The Economist, dos 200 bônus catástrofe emitidos desde os anos 90, só três terminaram com uma indenização. O acadêmico estadunidense Chris Williams, autor de “Ecologia e Socialismo”, indicou à Carta Maior três fatores que estão contribuindo para este boom dos seguros contra desastres naturais.

“Por um lado, a financeirização da economia mundial. Há 30 anos, as finanças constituíam cerca de 7% da economia. Hoje representam 25%. O capital busca cada vez mais sua rentabilidade não no setor produtivo, mas sim no financeiro-especulativo. A catástrofe ambiental lhe dá uma oportunidade perfeita pela crescente frequência de desastres naturais. Acrescente-se a isso os problemas orçamentários que muitos países experimentam, e o negócio está pronto”.

Williams dá o exemplo do bônus CAT emitido pelo serviço de transporte de sua própria cidade, a Rede de Transporte Público de Nova York (MTA), depois do furacão Sandy, em 2012. “Estamos vendo uma grande transferência de fundos públicos para o setor privado porque, quando olhamos a baixa frequência de pagamentos dos bônus devido às condições de pagamento e às exclusões, nos damos conta que os investidores terminam ganhando muito dinheiro. Por outro lado, há um forte risco financeiro se um furacão como Sandy se repetir e eles tiverem que pagar indenizações. As seguradoras e resseguradoras têm realmente os bilhões de dólares que tem que desembolsar num caso destes? É uma pergunta que ninguém quer fazer porque muitas dessas empresas estão tão endividadas, que ninguém sabe se teriam o dinheiro”.

Em fevereiro deste ano, o Escritório das Nações Unidas para Redução do Risco de Desastres (UNISDR) encabeçou uma missão ante o congresso filipino para promover o Philippine Risk and Insurance Scheme for Municipalities, depois que o super tufão Haiyan deixou mais de seis mil mortos e um milhão e meio de habitações destruídas ou danificadas. “As Filipinas têm cerca de 20 tufões por ano. O que precisamos é de um esquema simples que possa fornecer proteção às municipalidades antes da próxima temporada”, justificou Margareta Wahlström, diretora do UNISDR.

Os danos materiais do tufão Haiyan rondam a casa dos 13 bilhões de dólares, soma astronômica para um país com as características das Filipinas. Se o impacto dos desastres naturais é um golpe para os países ricos, pode ser devastador para nações em desenvolvimento ou pobres como o Haiti. O menu de opções dos estados é reduzido: a assistência internacional, o endividamento e o aumento de impostos (que exigem tempo), ou os fundos que tenham sido previstos no orçamento para este propósito.

Estes fundos são previstos para eventos de baixa ou média intensidade, mas não para grandes tragédias, já que os estados não podem congelar enormes somas que limitariam outras demandas orçamentárias (educação, saúde, segurança, etc.) em função de fatos hipotéticos (terremoto, inundação, tsunami, etc.). Daí que, com frequência, se revelam insuficientes. Em 1996, o México criou um fundo para desastres naturais chamado “Fonden” (Fundo de Desastres Naturais) que fez água em 2010 quando o país teve que enfrentar desastres naturais em 18 dos 31 estados e em 850 dos 2.500 municípios.

Neste sentido, perguntou Carta Maior a Williams, os seguros não representam uma solução. Ou seja, ganham dinheiro, mas se expõem e, em caso de tragédia, oferecem uma saída a estados com recursos que, por definição, são finitos. Ele respondeu:

“Esse é precisamente o argumento que utilizam. Mas a realidade é que este seguro termina desviando o investimento que necessitamos fazer para evitar que a catástrofe ocorra, em primeiro lugar. O seguro instala a ideia de que estamos protegidos e, portanto, não é preciso gastar em prevenção. Além disso, se tomamos o exemplo do MTA em Nova York, uma das razões pelas quais ocorreram tantos cortes orçamentários nos últimos tempos é porque estão pagando dívidas feitas com o setor privado. De modo que o MTA está pagando esta dívida com recursos de sua própria receita de bilheteria, o que o limita para fazer as tarefas de prevenção requeridas”.

Segundo um recente informe publicado pelo New England Journal of Medicine, o número de desastres naturais triplicou entre 2000 e 2009, cm comparação com a década 1980-89. Nas últimas duas décadas, cerca de 217 milhões de pessoas foram afetadas a cada ano por desastres naturais.

Em outras palavras, questionou a Carta Maior, a tendência é de um aumento deste tipo de eventos em um contexto econômico internacional complicado. Não é inevitável que siga este boom dos bônus CAT e de novas variantes deles para fenômenos ambientais?

“É a tendência. Quando se emitiu o bônus para o MTA houve um excesso de interessados. Estamos falando de um mercado que nos últimos três ou quatro anos se converteu em um negócio multimilionário. Este crescimento é intensificado pelos problemas fiscais. Mas, para além desse quadro, a questão é saber como vamos lidar com esses fenômenos no médio e no longo prazo. Faltam soluções sistêmicas. Esta não é uma mera questão tecnológica nem vai ser solucionada por meio do mercado ou de uma maior consciência individual. Necessitamos de uma alternativa ao atual sistema de produção e distribuição para conseguir uma solução duradoura e sustentável.

Tradução: Marco Aurélio Weissheimer




terça-feira, 15 de abril de 2014

Entrevista com Paul Gilding





É o fim da economia como a conhecemos’, diz Paul Gilding

Para ambientalista, países emergentes podem criar um modelo de desenvolvimento sem sacrificar o planeta


LONDRES - Paul Gilding, o autor do livro “A Grande Ruptura”, provoca discussões em todo o mundo quando afirma que chegamos ao fim da trilha do crescimento econômico. No entanto, ele não se vê como um profeta do apocalipse. Muito pelo contrário, o ambientalista é um otimista que acredita no poder de reação da Humanidade: “Podemos ser lentos, mas não somos estúpidos”.
Gilding é um veterano ambientalista, que foi chefe do Greenpeace Internacional, e hoje é consultor de sustentabilidade e professor associado ao Programa de Sustentabilidade da Universidade de Cambridge, no Reino Unido. Aos 52 anos, Gilding vive numa fazenda, na Tasmânia, ilha ao sul da Austrália, com a mulher e dois de seus cinco filhos. Durante suas férias no verão australiano, Gilding falou ao GLOBO sobre o fim da economia como a conhecemos hoje.



O GLOBO: O senhor diz em seu livro que a busca por lucro e crescimento econômico chegou ao limite. A que se refere a grande ruptura do título?
PAUL GILDING: A grande ruptura é o fim da economia como a conhecemos, do consumismo desenfreado, de um estilo de vida e de um crescimento econômico que não medem o impacto nos recursos finitos do planeta.

O que podemos fazer individualmente para ajudar a retardar esse processo?
GILDING: O mais importante a fazer é aprender como podemos melhorar a qualidade de nossas vidas. No mundo moderno, estamos focados em fazer mais dinheiro, consumir mais bens materiais, ter casas maiores e por aí afora. Significa que temos mais custos, que temos de trabalhar mais para pagar um custo cada vez maior e definitivamente não é assim que melhoramos nossa qualidade de vida... Precisamos aprender a viver com menos, para termos mais tempo de fazer o que nos deixa realmente felizes. Coisas simples como viver em comunidade, ficar com a família e os amigos.

O mundo está passando por uma mudança bastante importante: enquanto os países ricos estão afundados numa enorme crise financeira, os emergentes estão indo às compras. Mas precisam zerar uma dívida social enorme, o que significa mais gente consumindo, mais gente comendo, mais gente gastando dinheiro. Como fechar essa conta?
GILDING: Eu acho que temos diferentes abordagens para diferentes países. Os ricos terão de fazer uma dramática redução nos gastos e no consumo. Primeiro, porque está muito claro que nosso planeta não sustenta esse ritmo de crescimento econômico; e segundo, porque também está claro que dessa forma não vamos melhorar a qualidade de vida dos cidadãos desses países. Mas é diferente quando falamos de pessoas vivendo em países em desenvolvimento. É como se o mundo tivesse de abrir espaço para o crescimento. E, na verdade, os países em desenvolvimento estão presos numa armadilha dos ricos, que resolvem tudo com o crescimento econômico. A verdade é que movimentos como Ocupem Wall Street nos mostram que o crescimento econômico não entrega sempre uma integridade social; ao contrário, pode criar mais conflitos e divisões na sociedade. Nós temos de criar um novo modelo de progresso, que permita o desenvolvimento sem sacrificar os processos e o planeta. E países como o Brasil, por exemplo, têm neste momento uma grande oportunidade de fazer diferente, de tentar novos meios de governar uma sociedade em equilíbrio com o mercado.

Para especialista, década terá crise grave

De quantos planetas Terra precisaríamos para sustentar a taxa de crescimento atual?
PAUL GILDING: Precisaríamos de dois planetas Terra em 2030 para sustentar o crescimento de hoje. Três ou quatro em 2050. É impossível manter este ritmo porque temos uma só. Estamos destruindo a infraestrutura sobre a qual a economia foi construída. Quanto mais danificamos a terra, os oceanos, menos o planeta poderá suportar.

O senhor já disse que acredita numa mobilização da sociedade para as mudanças que estão por vir. Estamos acelerando o passo dessa mobilização?
GILDING: Em geral, não estamos realmente mobilizados. Ainda. Mas vejo que, desde que comecei a palestrar sobre a grande ruptura de que falo no livro, há uma aceitação maior ao fato de que precisamos discutir uma nova abordagem. Tanto que hoje muitos experts adotaram a ideia e falam sobre o equilíbrio que deve haver entre o crescimento econômico e o balanço social.

O senhor é um otimista?
GILDING: Sim! Eu sou um otimista incomum. Acho que o mundo vai ficar muito instável, que vai sofrer uma crise complexa, com muitos conflitos e um grande rompimento econômico. Mas nossa sociedade reage bem às crises. Então, apesar de muitas pessoas me acharem um pessimista quando digo que essa crise é inevitável, eu discordo. Sou otimista sobre o potencial de resposta da Humanidade a momentos como este, e a sua capacidade de fazer mudanças, e muito rápidas. Basta olhar o exemplo da Segunda Guerra Mundial e de como os ingleses reagiram numa situação limite. Nós somos realmente bons, extraordinários numa crise, temos grande capacidade de transformação e mobilização. Essa reação é universal.

Quando o senhor espera que deva acontecer essa grande parada da economia?
GILDING: Nesta década. Não estamos mais falando de longo prazo, para os filhos de nossos filhos. Vai acontecer logo, pois, quando algo é insustentável, eventualmente para. Também acredito que durará bastante, porque teremos exaustão de recursos e vejo o fornecimento de comida como uma das questões de maior importância.

Segundo as projeções atuais, vamos chegar a 2050 com nove bilhões de pessoas no planeta que precisarão de comida.
GILDING: Não é com a quantidade de pessoas vivendo, mas com o estilo de vida delas que temos que nos preocupar. É possível termos nove bilhões de pessoas e alimentá-las. Na Índia, as emissões de carbono estão em duas toneladas per capita, enquanto nos Estados Unidos vemos 26 toneladas per capita. Só não será possível se vivermos como hoje nos países ricos, sem pensarmos no desperdício e em como conduzimos nosso consumo.

O que o senhor ensina para seus filhos sobre o futuro do planeta?
GILDING: Você não quer que as crianças fiquem preocupadas com o futuro. Mas eu procuro ensinar as coisas em que acredito. Eu tenho cinco filhos, quero que eles sejam felizes. Eu tento ensinar como viver bem sem precisar de muito. Quero que eles saibam como é possível ter uma boa vida num mundo de nove bilhões de pessoas.




Greenpeace defende mudanças no agronegócio




Greenpeace defende mudanças no agronegócio


Daniela Chiaretti

Valor Econômico Abril 2014


Kumi Naidoo, diretor-executivo do Greenpeace International, espera que o próximo relatório do IPCC "tire da letargia as negociações internacionais de clima"

Kumi Naidoo, ativista sul-africano que lutou pelo fim do apartheid e há cinco anos é o diretor-executivo do Greenpeace International, espera que o próximo relatório do IPCC (o braço científico das Nações Unidas), que está em discussão esta semana em Berlim, na Alemanha, "tire da letargia as negociações internacionais de clima". O sumário para tomadores de decisão do IPCC, que será divulgado domingo, versa sobre a mitigação dos gases-estufa no mundo.
"Vamos ser honestos: o IPCC é fundamentalmente uma organização conservadora", disse. "Os cenários que colocam sobre a mesa não são os piores possíveis. Ou seja, qualquer coisa que o IPCC disser é preciso multiplicar por quatro para se ter um quadro genuíno das ameaças climáticas."
Naidoo esteve em São Paulo há poucos dias para falar no Global Agribusiness Forum, megaevento promovido por entidades do agronegócio. Colocou sua perspectiva da mudança do clima sobre a agricultura e produziu, segundo ele, reações hostis na plateia. Disse que as grandes fazendas industriais são menos resistentes aos impactos do clima que as pequenas culturas ecológicas, que grandes terras tomadas por monoculturas e dependentes de fertilizantes e agrotóxicos não são sustentáveis e que é preciso mudanças urgentes e radicais. "A natureza está nos dando fortes sinais de que estamos correndo contra o tempo e que já ultrapassamos vários limites planetários." A seguir, trechos da entrevista:


Valor: O sr. faz distinção entre a produção de commodities e a de alimentos. Pode explicar?
Kumi Naidoo: O agronegócio costuma dizer ao mundo 'somos importantes, porque somos fundamentais para a segurança alimentar'. Mas o que acontece, e no Brasil também, é que a maior parte da comida é produzida por pequenas fazendas familiares. A abordagem do setor costuma ser o da monocultura voltada ao mercado de commodities e ao consumo animal. Fomos a essa conferência para dizer que os combustíveis fósseis - e não estou falando do transporte, mas dos fertilizantes e agrotóxicos - contaminam o solo, os recursos hídricos e os oceanos. Essa forma de agricultura é disruptiva.

Valor: Mas, por enquanto, não é possível desistir dos combustíveis fósseis, não é?
Naidoo: Não podemos migrar para energias renováveis num piscar de olhos, há que haver uma fase de transição. Assim como a co-existência das grandes fazendas industriais com os pequenos fazendeiros ecológicos, que estão aumentando no mundo, inclusive no Brasil. O que o setor não entende é a própria vulnerabilidade, tanto ambiental como financeira. Na Europa, a consciência está aumentando em relação a essa forma de produção e na China as pessoas começam a reclamar dos pesticidas nos rios. As grandes fazendas industriais são mais vulneráveis aos impactos da mudança do clima do que as pequenas.

Valor: Por quê?
Naidoo: O tipo de semente usado para se ter safras mais produtivas é dependente de climas específicos e estáveis. Se o clima vira inadvertidamente, agricultores observam o tempo e buscam uma opção de cultura que se adapte, mas as grandes fazendas industriais não trabalham com diversidade de plantio. Isso não faz nem sentido econômico. Eu disse que a maioria dos nossos líderes está sofrendo de uma doença cognitiva - todos os fatos estão aí, mas estamos nos atrasando nas ações urgentes que precisamos tomar.

Valor: O que quer dizer?
Naidoo: Não precisamos do IPCC para nos dizer que o clima está mudando. Nos últimos dez anos foi o que todo mundo viu, tivemos 100% a mais de eventos extremos em todas as partes, secas intensas na Austrália, invernos rigorosos nos EUA. São Paulo está ficando sem água, há fortes secas no Brasil. Se não houvesse Copa do Mundo e eleições, talvez os governos fossem mais abertos com a situação atual.

Valor: O que o agronegócio deveria fazer?
Naidoo: É uma escolha. Os grandes atores do agronegócio têm o poder de mudar o modo de produzir e investir seriamente em uma forma ecológica. Agricultura ecológica significa produzir com diversidade. Também há que ver a questão da escala. Tudo isso exige uma mudança de mentalidade.

Valor: Como a plateia reagiu a esses pontos que o sr. levantou?
Naidoo: Sabíamos que seria como entrar na caverna dos leões, que seria duro. O Greenpeace foi convidado e decidimos ir, queríamos apresentar a nossa visão. Os organizadores me disseram que, a despeito do clima hostil, minha presença tinha sido importante e que o setor tem que lidar com essa perspectiva, que é preciso gerar esse debate no agronegócio.

Valor: E os mais jovens?
Naidoo: A audiência parecia dividida, foi muito interessante. Os mais jovens, que estão chegando ao agronegócio agora, parecem mais abertos a fazer essa transição.

Valor: Qual era o teor da crítica que o sr. recebeu?
Naidoo: Foram críticas duras, do tipo 'não precisamos de estrangeiros nos dizendo o que fazer'. O que estamos dizendo é do interesse de quem quer ter a longo prazo um negócio sustentável. É o mesmo que discutimos com as grandes empresas que se engajam nas campanhas de pesca sustentável. Em 40 anos, por causa da exploração predatória, a poluição dos oceanos, a acidificação das águas, haverá mares com imensas zonas mortas. Mas há formas de pescar que não causarão zonas mortas no futuro. É preciso pensar no longo prazo, e é o mesmo com a agricultura. Esse modelo industrial é o da agricultura fácil: uma única cultura, uma grande safra. Parece muito conveniente e faz muito dinheiro no curto prazo. Nós entendemos que a economia brasileira é muito dependente das receitas agrícolas.

Valor: Vocês são contra o lucro?
Naidoo: O que estamos dizendo é que é preciso trabalhar com o padrão natural e ecológico de produção agrícola. Há vantagens na agricultura ecológica, como o manejo natural das pragas, por exemplo. Quando há diversos cultivos crescendo, você tem 67% mais biodiversidade. Há mais abelhas, mais insetos e os danos das pragas são mais controlados. Se você tem uma única cultura, a biodiversidade se foi e não há a proteção natural da biodiversidade, os riscos são muito maiores. A produção ecológica é mais capaz de resiliência quando há ameaças fora do padrão.

Valor: Essas mudanças são urgentes?
Naidoo: Se queremos ser sérios diante da mudança do clima e tomar medidas solidárias com as gerações futuras, a coisa certa a fazer é desenvolver um plano de transição agressivo da monocultura industrial e dependente de fertilizantes e agrotóxicos para uma agricultura ecológica.

Valor: E a resistência a abandonar os combustíveis fósseis?
Naidoo: Os lucros que as companhias de combustíveis fósseis estão fazendo hoje as tornam resistentes à realidade que está sendo apresentada pela comunidade científica, de que nosso tempo para agir está acabando. O IPCC irá provavelmente dizer que precisamos deixar entre 60% e 80% das reservas conhecidas de combustíveis fósseis sem explorar, se quisermos ter a chance de evitar mudança climática catastrófica. E mesmo se a ciência não fosse tão clara assim, a natureza está nos dando fortes sinais de que estamos correndo contra o tempo e que ultrapassamos vários limites planetários.

Valor: Quais limites?
Naidoo: Muitos. Chegamos a 400 ppm [partes por milhão] de concentração de carbono na atmosfera em 2013, registrou-se o menor nível de gelo marinho no verão do Ártico em 2012 e tivemos um aumento de 100% no número de eventos climáticos extremos na última década. Se olharmos para a resposta de quem está no poder, nos governos e nas empresas, infelizmente, há uma negação da urgência e as coisas continuam como sempre foram. Se esta tendência continuar, temo que a previsão feita por Paul Gilding, ex-diretor do Greenpeace, em seu livro "A Grande Ruptura", se confirme. Ele diz que só vamos agir de acordo com o que a ciência recomenda quando estivermos completamente contra a parede e só depois de grandes impactos como os que já estamos vendo agora, em todos os continentes.

Valor: Como o tufão das Filipinas em 2013?
Naidoo: Nas negociações internacionais de clima todos concordaram, em Copenhague, que temos que limitar o aumento da temperatura a 2° C do período pré-industrial, quando começamos a queimar petróleo, carvão e gás até o fim do século. E onde estamos agora? A temperatura já aumentou 0,8° C e com isso já tivemos eventos extremos, como o tufão das Filipinas. Falando como um africano, a África está nesse momento pagando o pior preço dos impactos climáticos. Mas as pessoas não se dão conta.

Valor: Por que não?
Naidoo: Porque não se trata de eventos como os tufões, que arrasam tudo em um segundo. Seca, como a africana, é uma tragédia que vai se desenvolvendo aos poucos, silenciosamente. Não é visual até o final, quando há animais mortos e gente faminta. Em janeiro, Ban Ki Moon [secretário-geral da ONU] falou para 10 chefes de Estado e 12 ministros do ambiente. 'Gente, nosso tempo está acabando, temos que agir', disse. Haverá essa reunião especial em setembro, em Nova York, que ele convocou. Ban Ki Moon dizia: 'Temos que conseguir ali erguer as chances de um acordo em 2015'.

Valor: Quais são suas expectativas para esse evento?
Naidoo: Em setembro, no encontro climático de Nova York? Duas coisas. Seria patético se, pelo menos, não conseguíssemos um acordo para banir a produção de HFCs, um gás estufa pior que o CO2 e que vai para refrigeradores. São pequenos volumes, mas é importante.

Valor: China e EUA estiveram falando sobre isso em 2013?
Naidoo: Houve conversas interessantes entre os dois, mas nada na prática. O Greenpeace pressionou para que todas as grandes empresas concordassem com o fim da produção desses gases em 2020, mas há países resistentes, como Índia e Arábia Saudita.

Valor: E o outro ponto?
Naidoo: É ter na COP [a conferência do clima deste ano] do Peru uma base do texto do acordo de 2015, assim teremos um ano para negociar. Se não tivermos um texto no Peru, não teremos nada para negociar em Paris [quando deve ser fechado o novo acordo climático]. No Peru, temos que ter o rascunho do acordo e aí teremos um ano para que tudo fique pronto. Se isso não acontecer, teremos chances mínimas de ter algo em Paris. Tem gente dizendo que nunca teremos um acordo em Paris. Se olharmos as posições de negociação iniciais dos países dominantes, parece que nada vai acontecer. Precisamos de uma mudança radical e urgente, e é isso que os relatórios do IPCC estão repetindo. E a consciência do público dobrou agora.

Valor: Cresceu?
Naidoo: Cresceu muito desde a conferência do clima de Copenhague, em 2009, principalmente entre os jovens. Fiquei empolgado no evento do agronegócio vendo que havia divisão de opiniões na plateia. Os mais jovens, que estão chegando ao setor, começam a contestar a ortodoxia das gerações anteriores.

Valor: E sobre o Ártico? É verdade que 25% das reservas de petróleo globais estão ali?
Naidoo: É o que dizem. Mesmo depois da prisão dos nossos ativistas na Rússia, a Gazprom está começando a extrair o petróleo no Ártico e o primeiro lote está para ser transportado. Iremos fazer campanhas para dizer que aquele petróleo é do Ártico e tentar convencer os consumidores a não comprarem. Até pelo ponto de vista de negócios há riscos. Estive no Fórum Econômico Mundial, em Davos, e havia várias discussões sobre 'stranded carbon assets'. É sobre o que vai acontecer quando as empresas que pagaram pelos direitos de explorar campos de petróleo, gás ou carvão, ficarem com ativos encalhados, quando os políticos recuarem e disserem que não se pode fazer nada com aquilo, porque o petróleo terá que ficar em terra.

Valor: O que espera do relatório do IPCC?
Naidoo: Espero que tire da letargia as negociações internacionais de clima. Depende de quão forte será. Vamos ser honestos: o IPCC é uma organização conservadora. Todos os governos estão envolvidos, é um processo complicado de negociação. Os cenários que eles colocam sobre a mesa não são os piores possíveis. Ou seja, qualquer coisa que o IPCC disser é preciso multiplicar por quatro para se ter um quadro genuíno das ameaças.

Valor: Por que o Ártico é importante para quem vive no Brasil?
Naidoo: O Ártico funciona como um ar-condicionado do planeta. Este ano, durante os eventos extremos nos Estados Unidos, em dezembro e em janeiro, pela primeira vez vi jornalistas falando do vórtex polar. As pessoas começam a entender que todo esse sistema está relacionado. Há uma possibilidade de, ainda nesta década, no verão, o Ártico ficar totalmente sem gelo. Esperemos que não, mas as piores projeções sugerem isso.

Valor: O sr. falou sobre isso no evento do agronegócio?
Naidoo: Sim, porque vai ter impacto no clima. O Ártico também é importante porque tem uma biodiversidade única. No Golfo do México, com um esforço enorme ainda não se conseguiu limpar todo o derramamento de petróleo, imagine se isso acontece no Ártico. Quando estivemos lá, em 2012, levou três dias para um navio russo chegar onde estávamos. Um derramamento de petróleo no Ártico no fim do verão, quando o oceano começa a congelar de novo, pode deixar aquele petróleo preso por seis ou oito meses, provocando quem sabe qual dano. Por várias razões o Ártico é importante. Ele é fundamental na luta contra o aquecimento global.

Valor: E há o metano na tundra, não é?
Naidoo: Exatamente. Há a ameaça da liberação de gás metano da tundra. O fato de o Ártico ficar muito longe da maioria das pessoas não justifica que os líderes políticos e de negócios não entendam o que está em jogo. Não precisam ler um livro inteiro, basta que leiam um simples estudo.
Valor: O sr. acha que os líderes estão mudando no discurso sobre mudança do clima?
Naidoo: Apenas nas palavras. Não estão mudando na ação para responder ao desafio. É muito frustrante quando vou a eventos com chefes de Estado. Porque não há nenhum desacordo sobre como é sério esse problema. Claro, estamos preocupados, eles dizem. Depois, tudo continua como sempre.

Valor: Como acha que os países emergentes deveriam encarar o novo tratado?
Naidoo: Brasil, Índia e China sozinhos produzem a maioria dos alimentos do mundo e também a consomem. A economia global depende deles, os três estão na lista das dez economias mais importantes do mundo. Nossos governos têm uma escolha agora, e também os dos países emergentes: ou continuam a gastar dinheiro em armas, corrida espacial e outras coisas não fundamentais para a sociedade ou veem com seriedade como podem ganhar a corrida verde. As empresas e os países bem-sucedidos do futuro têm que dirigir seus investimentos para isso agora. É o que estamos vendo em alguns países europeus, como a Dinamarca e a Alemanha, que até 2050 pode ter 100% de energia renovável. O que me surpreende no Brasil é o governo não investir em energia solar. Há tanto potencial. Deus deu o Sol para este país e o presente não é aberto.

Valor: Sabe que no Brasil há o plano de se fazer quatro ou cinco usinas nucleares?
Naidoo: Isso foi decidido? Há quatro razões para que esse passo não tenha sentido. É muito caro, muito perigoso e não há nenhuma solução para o lixo nuclear que leva entre 200 e mil anos antes de deixar de ser perigoso. E por fim, depois de Fukushima, você pensa que cidadãos irão tolerar, sem brigar, usinas nucleares no quintal?

Valor: Mas sem combustíveis fósseis e sem nucleares é possível...?
Naidoo: Há estudos que mostram isso. O que é preciso é só vontade política, que não está aí porque as nossas economias são controladas pelos setores de combustíveis fósseis, militar e nuclear. O nuclear não pode ser pensado como solução para a mudança do clima, porque será muito pouco e muito tarde. Leva 20 anos para construir uma usina nuclear e nós não temos 20 anos. Há 1,6 bilhão de pessoas no mundo sem acesso à eletricidade. Estão em pequenas comunidades remotas. Você acha que quando fizerem usinas nucleares vão levar eletricidade a essas pessoas? Não. Se é verdade que se quer tirar 1,6 bilhão de pessoas do escuro, o jeito é descentralizar o fornecimento de energia. Como os governos dizem que vão lutar contra a pobreza e falam em justiça social, e escolhem opções energéticas que não servem para a maioria das pessoas?


Daniela Chiaretti / Valor Econômico



http://www.valor.com.br/brasil/3511944/greenpeace-defende-mudancas-no-agronegocio#ixzz2yUQ51p6H

segunda-feira, 14 de abril de 2014

Mudanças climáticas


Três reportagens sobre mudanças climáticas




Emissões mundiais da agropecuária dobram em 50 anos


Pela primeira vez, FAO analisou as emissões globais decorrentes da agricultura, pecuária, silvicultura e pesca. No Brasil, agropecuária é o setor que mais emite gases do efeito estufa.

As emissões de gases do efeito estufa provenientes da agropecuária, silvicultura e pesca praticamente dobraram nos últimos 50 anos. Até 2050, esse volume deve crescer 30% caso a expansão do setor continue no ritmo atual e nada aconteça para frear as emissões. O alerta é da Organização das Nações Unidas para Alimentação e Agricultura (FAO) em um relatório divulgado nesta sexta-feira (11/04).

Esta é a primeira vez que as emissões da agricultura são calculadas em nível global. "Os novos dados da FAO são a fonte de informação mais completa já feita sobre a contribuição da agricultura para o aquecimento global. Até agora, cientistas e autoridades tinham dificuldades para formular decisões estratégicas como resposta para as mudanças climáticas devido à falta de informação. Essa lacuna também impedia os esforços para mitigar as emissões da agricultura", afirma Francesco Tubiello, da FAO.

O documento aponta que, em 2001, a agropecuária emitiu aproximadamente 4,7 bilhões de toneladas de dióxido de carbono equivalentes (CO2e). Em dez anos, as emissões aumentaram 14%, atingindo um volume de 5,3 bilhões de toneladas de CO2e em 2011. O maior crescimento ocorreu nos países em desenvolvimento, que expandiram esse setor.

Em contrapartida, as emissões do uso do solo e desmatamento reduziram cerca de 10% no mesmo período. A média foi de três bilhões de CO2e. A queda do desmatamento foi a principal responsável por essa redução. No Brasil, dono da maior reserva de floresta tropical, o corte de árvores caiu 77,8% entre 2004 e 2011, segundo dados do Imazon (Instituto do Homem e Meio Ambiente da Amazônia).

Uso em geral
O relatório aponta a pecuária como maior vilã do setor: a atividade foi responsável por 39% de todas as emissões em 2011. Os gases, principalmente o metano, são fruto da fermentação entérica, ou seja, do processo digestivo de bois, ovinos e caprinos. A expansão dessa atividade contribuiu para o aumento de 11% da produção de metano pelo gado entre 2001 e 2011. Índia e Brasil são donas dos maiores rebanhos bovinos do mundo.

Nesse mesmo período, as emissões provenientes da aplicação de fertilizantes sintéticos aumentaram 37%. Em 2011, elas representam 14% da emissão total. A grande maioria dos gases do efeito estufa provenientes da agricultura, ou seja 45%, vieram da Ásia, seguida pela América com 25%, da África com 15%, da Europa com 11% e da Oceania com 4%.

O relatório também mediu as emissões resultantes do uso de energia no setor agrícola como, por exemplo, a eletricidade e combustíveis fósseis queimados nessas atividades. Em 2010, essa taxa foi de 785 milhões de toneladas de CO2e, representando um aumento de 75% em relação a 1990.

Emissões brasileiras
No Brasil, segundo os dados oficiais mais recentes, a agropecuária é a líder de emissões no país, responsável por 35% de todas as emissões de CO2e desde 2010. O volume total emitido pelo setor naquele ano foi de 437,2 milhões de toneladas. Em relação a 2005, houve um crescimento de 5,2%.
Essa elevação ocorreu devido à expansão do rebanho bovino e ao aumento do uso de fertilizantes nitrogenados. Para reduzir as emissões neste setor, o governo brasileiro lançou em 2010 o programa Agricultura de Baixa Emissão de Carbono (ABC). O país pretende reduzir entre 36,1% e 38,9% as emissões de gases do efeito estufa até 2020 com base nos números de 1990.
Uma das principais metas do plano é a recuperação de 15 milhões de hectares de pastagens degradadas. Se cumpridos, os objetivos podem contribuir para uma redução de 133,9 milhões de toneladas até 162,9 milhões de CO2e.




ONU diz que mudanças climáticas elevam risco de conflitos no mundo

Documento divulgado no Japão afirma que as crescentes emissões de gases do efeito estufa ampliam o risco de conflitos, fome, enchentes e migrações em massa e diz que efeitos das mudanças climáticas já podem ser sentidos.

A segunda parte do quinto relatório do Painel Intergovernamental de Mudanças Climáticas (IPCC, na sigla em inglês), da ONU, alerta governos de todo o mundo sobre os perigos práticos que as mudanças climáticas podem ter sobre as vidas das pessoas.

O documento, aprovado por unanimidade por mais de cem países e divulgado nesta segunda-feira (31/03) em Yokohama, no Japão, afirma que as crescentes emissões de gases do efeito estufa ampliam o risco de conflitos, fome, enchentes e migrações em massa.

"O aumento da magnitude do aquecimento eleva a probabilidade de impactos graves, penetrantes e irreversíveis", diz o relatório. O texto utilizou como base mais de 12 mil estudos científicos e foi classificado como um dos "mais completos da história" pelo secretário-geral da Organização Meteorológica Mundial, Michel Jarraud.

O informe ainda alerta que o impacto dessas mudanças não será sentido igualmente em todo o mundo, resultando num aumento da desigualdade entre ricos e pobres, saudáveis e doentes, jovens e velhos, e homens e mulheres.

Segundo o documento, alguns lugares terão água demais, enquanto outros terão pouco acesso à água potável. Outros riscos mencionados são referentes ao preço e à disponibilidade de alimentos, às doenças e até mesmo à paz mundial.

Apelo para a ação
O relatório é explícito ao afirmar que os efeitos das mudanças climáticas já podem ser sentidos pelas pessoas e percebidos no meio ambiente. Esses efeitos serão ainda maiores se nada for feito para evitar o aquecimento global.

"Antes apenas podíamos supor que algumas alterações tivessem uma relação com as mudanças climáticas, mas agora há acontecimentos sobre os quais podemos afirmar que foram causados pelo clima. Por exemplo, a seca na Austrália", afirma Jarraud. "Já que não há nenhuma dúvida de que o clima está mudando", apontou, sublinhando que "95% dessas mudanças se devem à ação humana".
O documento diz que desastres do século 21 como as ondas de calor na Europa, os incêndios florestais nos Estados Unidos, as secas na Austrália e as enchentes na Ásia apenas destacam o quão vulnerável a humanidade é a extremas condições climáticas. "É um apelo para agirmos", afirma o presidente do IPCC, Rajendra Pachauri. Segundo ele, se os governos mundo afora não reduzirem suas emissões de carbono, o impacto do aquecimento global pode ficar "fora de controle".

Alerta global
Parte do informe desta segunda-feira, porém, discute o que pode ser feito para tentar amenizar os efeitos do problema. Entre as soluções propostas estão a redução da poluição, a adaptação às mudanças climáticas e o planejamento sustentável.

O documento ainda recomenda a redução do desperdício de água, a construção de parques arborizados para aliviar o calor em grandes cidades, e a prevenção do assentamento de pessoas em lugares expostos a condições climáticas extremas.

O relatório é o primeiro do IPCC a ser divulgado desde 2007, quando um forte documento foi publicado, causando uma onda de ações políticas que indicavam um possível acordo global sobre o tema em Copenhagen em 2009.

No entanto, nações presentes na conferência da Dinamarca falharam em chegar a um consenso sobre o tema. A expectativa agora se volta para a Conferência do Clima de 2015, quando um novo tratado internacional nos moldes do Protocolo de Kyoto, criado em 1997 e extinto em 2012, deve ser assinado.

RM/AS/dw/afp/ap/dpa/lusa




Influência humana é clara no aquecimento "inequívoco" do planeta, diz IPCC


Painel Intergovernamental de Mudanças Climáticas divulga primeira parte de estudo sobre aumento da temperatura no globo e afirma que últimas três décadas foram sucessivamente mais quentes que qualquer outra desde 1850.

O aquecimento do planeta é "inequívoco", a influência humana no aumento da temperatura global é "clara", e limitar os efeitos das mudanças climáticas vai requerer reduções "substanciais e sustentadas" das emissões de gases de efeito estufa. A conclusão é do Painel Intergovernamental de Mudanças Climáticas (IPCC), que divulgou nesta quinta-feira (30/01), em Genebra, a primeira parte do quinto relatório sobre o tema.

Os cientistas do IPCC – que já foram premiados com o Nobel da Paz em 2007 – fizeram um apelo enfático para a redução de gases poluentes. "A continuidade das emissões vai continuar causando mudanças e aquecimento em todos os componentes do sistema climático", afirmou Thomas Stocker, coordenador e principal autor da Parte 1 do quinto Relatório sobre Mudanças Climáticas, cuja versão preliminar já foi apresentada em setembro de 2013.

O documento serviu de base durante a Conferência das Partes (COP) das Nações Unidas sobre o Clima em Varsóvia, na Polônia, no final do ano passado. Em 1500 páginas, cientistas de todo o mundo se debruçaram sobre as bases físicas das mudanças climáticas, apoiados em mais de 9 mil publicações científicas.

"O relatório apresenta informações sobre o que muda no clima, os motivos para as mudanças e como ele vai mudar no futuro", disse Stocker.
Correções

A versão final divulgada nesta quinta é um texto revisado e editado e não tem muitas mudanças em relação ao documento apresentado em setembro do ano passado, que elevou o alerta pelo aquecimento global e destacou a influência da no processo.
"A influência humana no clima é clara", afirma o texto. "Ela foi detectada no aquecimento da atmosfera e dos oceanos, nas mudanças nos ciclos globais de precipitação, e nas mudanças de alguns extremos no clima."

Segundo o IPCC, desde a década de 1950, muitas das mudanças observadas no clima não tiveram precedentes nas décadas de milênios anteriores. "A atmosfera e os oceanos estão mais quentes, o volume de neve e de gelo diminuíram, os níveis dos oceanos subiram e a concentração de gases poluentes aumentou", diz um resumo do documento.

"Cada uma das últimas três décadas foi sucessivamente mais quente na superfície terrestre que qualquer década desde 1850. No hemisfério norte, o período entre 1983 e 2012 provavelmente foi o intervalo de 30 anos mais quente dos últimos 800 anos", prossegue.
Aquecimento dos oceanos

O grupo de cientistas também lembra que o aquecimento dos oceanos domina o aumento de energia acumulada no sistema climático, e que os mares são responsáveis por mais de 90% da energia acumulada entre 1971 e 2010.

"É praticamente certo que o oceano superior (até 700m de profundidade) aqueceu neste período, enquanto é apenas provável que tenha acontecido o mesmo entre 1870 e 1970", diz o relatório.
O nível dos mares também aumentou mais desde meados do século 20 que durante os dois milênios anteriores, segundo estima o IPCC. Entre 1901 e 2010, o nível médio dos oceanos teria aumentado cerca de 20 centímetros, diz o documento.

As concentrações atmosféricas de dióxido de carbono, metano e protóxido de nitrogênio (conhecido como gás hilariante) aumentaram, principalmente por causa da ação humana. Tais aumentos se devem especialmente às emissões oriundas de combustíveis fósseis. Os oceanos, por exemplo, sofrem acidificação por absorver uma parte do CO2 emitido.
Futuro sombrio

A temperatura global deverá ultrapassar 1,5ºC até o final deste século em comparação com níveis estimados entre 1850 e 1900. O aquecimento global também deverá continuar além de 2100, mas não será uniforme, dizem os cientistas do clima. As mudanças nos ciclos da água no mundo também não serão homogêneos neste século, e o contraste entre regiões secas e úmidas e regiões de seca e de chuvas deverá aumentar.

O resumo do texto ainda constata que a acumulação de emissões de CO2 deverá ser determinante para o aquecimento global no final do século 21 e adiante. "A maioria dos efeitos das mudanças climáticas deverão perdurar por vários séculos, mesmo com o fim das emissões."
Até outubro, o IPCC ainda vai publicar mais duas partes do relatório e também um documento final. A segunda parte será divulgada em março, no Japão, e detalhará os impactos, a adaptação e a vulnerabilidade a mudanças climáticas. Em abril, Berlim será palco das conclusões do IPCC sobre mitigação.






terça-feira, 1 de abril de 2014

1964: a democracia interrompida





1964: a democracia interrompida

Por Demilson Fortes



Há meio século, no dia da mentira, o país acordou com um pesadelo real: tanques e soldados armados avançavam sobre as cidades invadindo ruas e espaços públicos, casas sendo violadas e cidadãos brasileiros presos sem mandado judicial e sem explicação, tendo suas vidas transtornadas. No dia 1º de abril de 1964 o Brasil sucumbiu a brutalidade dos que se estabeleceram no poder de forma ilegítima, pela força e violência. Nesse dia as Forças Armadas brasileiras renunciaram a democracia e foram capturadas para o projeto conservador, antidemocrático e antipopular. Instalava-se no Brasil uma ditadura civil-militar, que duraria até 1985 e faria retroceder a democracia e deixaria o país quebrado.

Os golpistas curvaram o povo brasileiro, as instituições da sociedade civil, o Legislativo e o Judiciário, aos seus interesses políticos e de classe, e interromperam reformas que mudariam profundamente o Brasil, como a reforma agrária, que poderia alterar o perfil da ocupação do campo e diminuir o poder das velhas oligarquias agrárias. No Brasil, historicamente, a propriedade da terra sempre esteve ligada ao poder político e econômico.

No dia em que a democracia acabou, venceram os poderosos de sempre, utilizando-se dos instrumentos ideológicos de classe, fazendo de tudo para defender seus interesses e chegar ao poder, inclusive da mentira e da violência. A ditadura que iniciava, interrompeu a trajetória do país de ser uma grande democracia. Foi interditado o projeto nacional conduzido pelo presidente João Goulart, que propunha combinar desenvolvimento, justiça social, promoção de direitos dos trabalhadores com liberdades políticas. 

O golpe, conduzido por militares, foi construído e sustentado por civis e militares, a partir de diversos setores como empresariais, latifundiários, industriais, imprensa, religiosos, maçonaria, tradicionalistas gaúchos, lideranças da oposição oportunista etc. O golpe foi apoiado pelos Estados Unidos, que tinha como praxe intervir na América Latina segundo seus interesses econômicos e geopolíticos.

Fazer a reflexão com compromisso de esclarecer a verdade é compreender que a ditadura fez muito mal ao Brasil. Foi no período da ditadura cresceu profundamente a desigualdade social, com concentração renda e riqueza, aumentando o abismo entre ricos e pobres. Somente uma elite da sociedade se beneficiou. Não estava nos jornais e não se debatia porque imperava a censura, mas a corrupção foi prática corriqueira. Corrupção e ditaduras sempre andam juntas porque a transparência não existe e a mobilização social é proibida e reprimida, como é o caso do período.

Alguns ousam dizer que a ditadura foi importante economicamente para o país. Mas, o fato é que a ditadura foi um desastre para o Brasil. Embora passou a imagem de boa gestão, essa é mais um engodo da ditadura.

A economia do país cresceu na ditadura, mas com um custo muito alto que seria posteriormente transferido para a democracia. O Brasil cresceu à custa de um tremendo arrocho salarial que transferiu renda dos trabalhadores e dos mais pobres para os mais ricos. A inflação cresceu muito até chegar no descontrole justamente quando os ditadores estavam indo embora e passando a gestão para os civis. A dívida externa que financiou o crescimento aumentou assustadoramente, tornando no período quase impagável. Essa situação impactou os anos da transição democrática.

O “sucesso” dos ditadores custou caro ao país. O fato é que o “milagre econômico” período da ditadura passou como passivo a ser pago pela democracia. Na metade dos anos 80, quando o presidente civil assumiu o país estava mergulhado na hiperinflação, tinha uma dívida externa enorme e uma gigantesca dívida social com seu povo. Os militares entregaram um Estado desorganizado, burocratizado e endividado. O país tinha conflitos sociais e as instituições da democracia ainda engatinhavam.

Sob a ditadura, o Estado brasileiro praticou e autorizou atrocidades. Rompeu com a legalidade, rasgou a Constituição e impôs o medo. Um Estado fora da Lei. Onde a "justiça" era feita pela vontade dos generais, coronéis, sargentos, delegados e policiais em cada esquina e porão das delegacias e quartéis. Um projeto baseado na vingança ideológica, no ódio ao diferente e na imposição do medo. A vontade pela força de quem estava com uma arma na mão. As ditaduras são assim, covardes por natureza, agem através da força e não dos argumentos.

Os novos donos do poder, declararam guerra à oposição, tornados inimigos do regime. Vencer na lógica dos ditadores significava acabar com as liberdades e sufocar as vozes discordantes. Era ter a violência como método. Para os golpistas calar e prender era insuficiente muitas vezes, era necessário eliminar fisicamente seus opositores.

Infelizmente, o Brasil ainda não encarou o assunto como deveria. Porém, no marco dos 50 anos, é tempo de iluminar esse triste período, de anos sombrios. É preciso falar sobre esse tempo, contar para as novas gerações. Encarar a história. Falar, lembrar, elaborar e processar coletivamente a nossa história é pedagógico - e até terapêutico. Olhar o mal bem de perto; encará-lo e decifrá-lo. O Brasil precisa libertar-se do medo.

Para o país, é vital a memória histórica do período. Muitos dos problemas que ainda vivemos hoje foram produzidos, perpetuados ou agravados sob a ditadura. É necessário saber da verdadeira herança: privilégios da elite e descaso com os pobres e com a periferia, poder das oligarquias regionais, corrupção, desigualdade social, instituições autoritárias, polícia violenta, monopólios de mídia etc. Havia uma ausência de direitos humanos, políticos e civis, mas também faltava educação pública, saúde, moradia e terra para os trabalhadores. Foi durante a ditadura que as periferias das cidades incharam e se degradaram.

Um aspecto que talvez muitos não saibam é que foi nos governos da ditadura que foi incentivado o desmatamento da Amazônia e do Cerrado, nos estados do Norte e Centro-Oeste, onde os monocultivos agrícolas avançaram colocando em risco a existência desses ecossistemas. Foi nesse período que grandes empresas multinacionais de agrotóxicos e insumos agrícolas se instalaram no país, consolidaram suas estratégias e muito lucraram. Muito dos problemas ambientais e da concepção de crescimento que desconsidera os danos ambientais é herança da ditadura que ficou impregnada no Estado na sociedade brasileira.

Sob o pretexto de cumprir ordens, milhares de soldados, cabos, sargentos, coronéis, delegados prenderam, torturaram, mataram, calaram. Com o argumento de cumprir ordens e ganhar o seu salário milhares de civis - “pessoas de bem” -, sabiam dos crimes e das torturas, mas serviram passivamente ao regime autoritário. 

Quando completa 50 anos do golpe, é importante a população brasileira aprofundar e debater a sua história, assumindo compromissos de rejeitar ditaduras. É dia de lembrar do tempo em que a democracia foi golpeada e dos abusos cometidos, mas também, é dia de valorizar e celebrar a liberdade e a democracia brasileira. Ditadura Nunca Mais!

Porto Alegre/RS, 1º de abril de 2014

Demilson Fortes