Serviços
de polinização representam 10% do valor da produção agrícola
mundial
25/03/2014 - Por Karina Toledo
Agência
FAPESP
A
humanidade tem explorado colônias de abelhas produtoras de mel desde
a pré-história, mas somente nos últimos anos se deu conta de que a
importância desses insetos para a sua alimentação vai muito além
da fabricação do poderoso adoçante natural.
“O mel
é, na verdade, um subproduto pequeno quando comparado ao valor do
serviço de polinização prestado pelas abelhas, que corresponde a
quase 10% do valor da produção agrícola mundial”, destacou a
professora da Universidade de São Paulo (USP) Vera Lúcia Imperatriz
Fonseca, durante palestra no segundo encontro do Ciclo de
Conferências 2014 do programa BIOTA-FAPESP Educação, realizado no
dia 20 de março, em São Paulo.
Cientistas
estimam que no ano de 2007, por exemplo, o valor global do mel
exportado tenha sido de US$ 1,5 bilhão. Já o valor dos serviços
ecossistêmicos de polinização em todo o mundo era calculado em US$
212 bilhões. Os dados foram levantados em diversos estudos e estão
reunidos no livro Polinizadores no Brasil: contribuição e
perspectivas para a biodiversidade, uso sustentável, conservação e
serviços ambientais, um dos vencedores do Prêmio Jabuti de 2013.
A obra é
fruto do Projeto Temático FAPESP “Biodiversidade e uso sustentável
de polinizadores, com ênfase em abelhas Meliponini”, coordenado
por Fonseca no âmbito do Programa de Pesquisas em Caracterização,
Conservação, Recuperação e Uso Sustentável da Biodiversidade de
São Paulo (BIOTA).
As
verduras e frutas lideram as categorias de alimentos que necessitam
de insetos para polinização (cada uma das produções tem valor
estimado de € 50 bilhões. Seguem as culturas oleaginosas,
estimulantes (café e chá), amêndoas e especiarias. Em média,
segundo os estudos, o valor das culturas que não dependem da
polinização por insetos é de € 151 bilhões por ano, enquanto o
das que dependem da polinização é de € 761 bilhões.
“Cerca
de 75% da alimentação humana depende direta ou indiretamente de
plantas polinizadas ou beneficiadas pela polinização animal.
Dessas, 35% dependem exclusivamente de polinizadores. Nos demais
casos, insetos como as abelhas ajudam a aumentar a produtividade e a
qualidade dos frutos”, afirmou Fonseca, que atualmente é
professora visitante na Universidade Federal Rural do Semiárido
(Ufersa), no Rio Grande do Norte.
Pesquisas
recentes, contou Fonseca, mostraram que mesmo culturas como a canola
(polinizadas pelo vento) e a soja (considerada autofértil) produzem
entre 20% e 40% a mais por hectare quando recebem apoio de colônias
de abelhas da espécie Apis mellifera ou quando a plantação é
feita ao lado de áreas com remanescentes de vegetação nativa.
“Quando
se usam abelhas, jataí por exemplo, na polinização do morangueiro
em ambientes protegidos, diminui em 70% o número de frutos
malformados em alguns cultivares. Outra cultura que se beneficia da
polinização em ambientes protegidos é a do tomateiro, que precisa
de abelhas que vibram nas flores, como as do gênero Melipona. Em
geral, as abelhas aumentam a produção de sementes, atuam na
qualidade do habitat, tornam os sistemas agrícolas mais sustentáveis
e trazem benefícios amplos ao meio, favorecendo outros serviços
ecossistêmicos que permitem a preservação da biodiversidade e dos
recursos hídricos”, disse Fonseca.
Mudanças
climáticas
Embora a
demanda pelos serviços de polinização das abelhas cresça na mesma
medida em que cresce a produção agrícola mundial, os habitats
favoráveis à manutenção desses insetos diminuem a cada ano. Tal
descompasso tem resultado em um fenômeno recente batizado pelos
cientistas como desordem do colapso das colônias (CCD, na sigla em
inglês).
De acordo
com Fonseca, a síndrome do desaparecimento das abelhas foi detectada
pela primeira vez em 2007 no Hemisfério Norte. Atualmente, naquela
região, a perda tem sido em torno de 30% das colônias por ano e tem
se tornado necessário importar abelhas de outros locais para
promover a polinização agrícola. A Europa também sofre com o
fenômeno, que começou a ser detectado no Brasil em 2011.
“O
aluguel de uma colônia de abelhas para fazer a polinização chega a
US$ 200 nos Estados Unidos, pois os produtores sabem que o lucro
gerado pelo serviço prestado será muito maior. E não há abelhas
suficientes. Esta é uma tendência mundial, pois cada vez mais
plantamos culturas que dependem das abelhas para sua produção”,
contou Fonseca.
Entre os
fatores apontados como causa do desaparecimento das abelhas estão o
uso inadequado de herbicidas e pesticidas, o desmatamento seguido
pela ocupação do solo por extensas monoculturas e a migração de
colônias para promover a polinização agrícola.
“O
pesticida, quando não mata a abelha num primeiro momento, a deixa
fraca e reduz o tempo da atividade forrageira (busca de alimento).
Por outro lado, as abelhas têm de percorrer distâncias cada vez
maiores em busca de comida quando ocorre a substituição da
vegetação nativa por monocultura, pois há menor diversidade de
flores. A migração de colônias, por sua vez, pode aumentar a
competição por comida entre as espécies e favorecer a disseminação
de doenças”, explicou Fonseca.
O
cenário, já nada animador, tende a piorar com a chegada de um novo
problema: as mudanças climáticas globais. Isso porque os
polinizadores, assim como as plantas que os mantêm, têm um raio de
distribuição geográfica influenciado pela temperatura e pelas
chuvas.
“As
previsões do IPCC [Painel Intergovernamental sobre Mudanças
Climáticas da Organização das Nações Unidas] para o Nordeste
brasileiro, por exemplo, são de aumento de 4º C na temperatura nos
próximos 50 anos. Isso deve impactar fortemente na área de
ocorrência das abelhas. Temos feito trabalhos de modelagem de
distribuição de espécies e estudos com a metodologia da análise
polínica do alimento coletado por elas para saber quais plantas as
abelhas visitam. Essas ferramentas permitem fazer uma análise da
utilização de recursos florais e, com o auxílio do herbário da
flora do Brasil, modelamos as fontes principais de alimento. Cruzando
os dados, é possível identificar as áreas naturais mais
importantes para serem reconstruídas e preservadas e planejar um
programa de mitigação. Isso para que daqui a 40 ou 50 anos as
abelhas tenham algum lugar para viver”, contou Fonseca.
A dieta
das abelhas
Também
com o objetivo de preservar as áreas naturais importantes para a
atração e manutenção de abelhas usadas na produção agrícola, a
pesquisadora Cláudia Inês da Silva, da Universidade Federal do
Ceará (UFC), tem se dedicado a estudar os hábitos alimentares de
mamangavas (gênero Xylocopa) e de outras abelhas importantes para a
polinização do maracujá. Parte dos resultados foi apresentada
durante sua palestra no segundo encontro do Ciclo de Conferências
2014 do programa BIOTA.
“Escolhemos
o maracujá porque essa frutífera tem uma importância econômica
grande para o Brasil, que responde por mais de 60% da produção
mundial. A fruta é tipicamente cultivada em propriedades familiares
e ocorrem grandes flutuações na produção principalmente por causa
dos custos com manejo e insumos. E a polinização influencia
diretamente nesses custos de produção”, disse Silva.
Segundo a
pesquisadora, há muito desconhecimento por parte dos produtores
rurais sobre os insetos que visitam as flores do maracujazeiro, a
biologia das plantas e seu sistema reprodutivo, que é completamente
dependente da polinização feita por abelhas.
“No
caso do maracujá, nem todas as abelhas são benéficas. Algumas,
como é o caso da Apis mellifera, são muito pequenas e apenas pilham
o néctar e o pólen sem conseguirem promover a polinização. É
preciso entender as necessidades de cada cultura e preservar o
polinizador mais adequado”, disse Silva.
Um estudo
desenvolvido no Departamento de Economia Rural da Universidade
Federal de Viçosa estimou que os serviços prestados por abelhas
mamangavas diminuem os custos de produção do maracujá em torno de
R$ 33 mil reais por hectare a cada três anos.
Mas,
apesar de sua importância, as mamangavas são muitas vezes mortas
pelos produtores por serem consideradas agressivas, contou Silva.
“Eles temem que elas comam as flores, destruam a lavoura e
estraguem as cercas, onde costumam construir seus ninhos”, afirmou.
Durante
seu doutorado, realizado na Universidade Federal de Uberlândia (UFU)
sob orientação de Paulo Eugênio de Oliveira, Silva identificou 112
espécies de plantas usadas na alimentação das mamangavas. Algumas
das mais importantes são consideras pelos produtores como mata-pasto
e são, muitas vezes, retiradas do entorno.
“Com
base nesse estudo elaboramos uma proposta de enriquecimento e
restauração da flora que fosse importante para a atração e
manutenção dessas abelhas. A partir do estudo da dieta, desenhamos
o cenário atual e futuro para identificar áreas potenciais para
cultivo do maracujá”, contou Silva.
As
informações ajudaram a compor o livro Manejo dos Polinizadores e
Polinização de Maracujá, que deverá ser lançado em breve com
apoio do Ministério do Meio Ambiente.
Os
protocolos desenvolvidos por Silva durante seu doutorado para
avaliação das áreas do entorno dos cultivos (composição
florística, distribuição espaço-temporal dos recursos florais
usados pelas abelhas, avaliação da dieta das abelhas adultas e das
larvas por meio da morfologia dos grãos de pólen amostrados nas
fezes e outros métodos) estão sendo adotados em estudos de diversas
culturas, como morango, caju e acerola.
Sistemas
diversos
As
abelhas são consideradas polinizadoras profissionais por terem
estruturas corporais especializadas na coleta e transporte de pólen.
Há, no entanto, outros diversos animais que contribuem para esse
importante serviço ecossistêmico, como besouros, borboletas,
mariposas, moscas, pássaros e morcegos.
Este foi
o tema abordado durante a palestra de Kayna Agostini, professora da
Universidade Federal de São Carlos (UFSCar) em Araras. “Todos os
sistemas de polinização conhecidos estão presentes no Brasil, por
ser um país de clima tropical. Alguns desses sistemas são
abióticos, como é o caso da polinização pelo vento, mas a grande
maioria é por agentes bióticos”, afirmou Agostini.
Embora
grande parte das interações entre os animais e as plantas seja do
tipo mutualista (com benefício para ambas as partes), estudos
recentes têm mostrado que isso não é uma regra válida em todos os
casos. Um dos exemplos citados por Agostini é o da planta conhecida
como papo-de-peru ( Aristolochia gigantea).
“A
aparência e o odor da flor faz com que a mosca acredite se tratar de
um pedaço de carne. Ao chegar perto para botar seus ovos, ela
percebe o engano, tenta passar para o outro lado e acaba ficando
presa. Depois que o pólen é liberado a mosca consegue sair, sem
nenhum benefício com essa interação”, afirmou Agostini.
Além de
pólen – fonte de proteínas – e de néctar – rico em açúcar
–, os animais visitam as flores em busca de recursos como óleos,
fragrâncias e resinas.
Biota
Educação
O ciclo
de conferências organizado pelo Programa BIOTA em 2014 tem como foco
os serviços ecossistêmicos. Outros três encontros estão
programados para este semestre, com temas como proteção de recursos
hídricos de rios, riachos, lagos e reservatórios; mudanças
climáticas (relacionadas à perda de biodiversidade); e ciclagem de
nutrientes (um exemplo é a influência da biodiversidade sobre a
poluição e o equilíbrio de dióxido de carbono e oxigênio na
atmosfera).
A
iniciativa é voltada à melhoria do ensino da ciência da
biodiversidade. Podem participar estudantes, alunos e professores do
ensino médio, alunos de graduação e pesquisadores.
Mais
informações sobre os próximos encontros estão disponíveis em
http://www.fapesp.br/8441