terça-feira, 13 de maio de 2008

Um cara chamado Júlio Verne



EU, JULIO VERNE


Texto de Demilson Figueiró Fortes


O livro “Eu, Julio Verne” é uma biografia escrita pelo espanhol J.J. Benitez de um dos escritores mais conhecidos e mais lidos de todos os tempos. Benitez, escritor consagrado da obra best seller Operação Cavalo de Tróia, admirador de Júlio Verne se lançou na busca dos vestígios da passagem do escritor francês por este mundo. O Júlio Verne apresentado é segundo J.J. Benitez uma tradução da obra O Testamento De Um Excêntrico, uma das últimas obras do escritor. Com um detalhe: as confissões, os fatos relatados e as reflexões estavam criptografados. Júlio Verne foi um esotérico apaixonado por esse tipo de jogo de palavras. J.J Benitez teria decifrado-os com a ajuda de computadores. Verdade ou jogo? Não se sabe, mas os fatos são verdadeiros, e isso é que importa. Na obra temos um Júlio Verne retratado de corpo inteiro, nu. Mas então, quem foi Júlio Verne verdadeiro, original, íntimo e sem máscaras?

Júlio Verne nasceu na França em 1828 na cidade de Nantes e morreu em 1905 em Amiens. Foi casado e teve um filho. Escreveu 66 obras de literatura caracterizada como de ficção científica. Foi contemporâneo de Vitor Hugo, importante romancista da literatura francesa e presenciou momentos políticos e culturais de uma França em mudanças do século XIX e de uma Europa efervescente, das revoluções políticas, sociais, econômicas e tecnológicas. De um tempo que a sociedade e o estado estavam consolidando a sua emancipação da igreja. A ciência efervescente, em ebulição, veloz. Tudo acontecia ao mesmo tempo, tanto o capitalismo como os seus opositores avançavam nas suas idéias e influências. A urbanização e as fábricas se multiplicavam. Os inventos não paravam de ser inventados. Um tempo em que tudo parecia possível. E, nossa! Os trens já alcançavam 30 km por hora e isso fascinava as pessoas, mesmo que muitos desconfiassem se isso seria bom. Verne relata indignado, que alguns médicos, tornaram público o temor de que trens a 30 km por hora poderiam provocar danos à saúde das pessoas: seus corpos talvez não agüentassem! Mas enfim, este foi o tempo, a era, a época de Júlio Verne. E ele soube como ninguém captar esse momento que se abria, se desvendava, de descortinava. Um mundo que impressionava. Que florescia, que provocava, que prometia. O mundo das idéias do Iluminismo Europeu, o século das luzes, que iniciara no século XVII e XVIII e seguia a diante no século XIX. Foi neste século que se voou pela primeira vez na historia humana - de balão - e que se inventou algo que fascinou Júlio Verne: a máquina de escrever.

Durante sua vida alcançou a glória, a fama, e desfrutou de uma ótima vida material. Era considerado já na época e posteriormente por muitos, um gênio. Mas, ele não se considerava assim, muito menos se via como um profeta da ciência. No balanço de sua vida, disse não considerar a sua obra algo tão extraordinário, apesar de quase todos o considerarem. E, para espanto de muitos se declarou um homem frustrado com a sua vida. Contou que foi um adolescente frustrado. Queria mesmo era ser marinheiro. No seu testamento diz que o mar e a pintura foram duas de suas paixões. A terceira foi uma bela jovem, sua prima.

O jovem Júlio Verne foi cursar direito em Paris para fugir de um grande amor, a prima de nome Caroline, que foi sua maior paixão e uma das maiores e mais marcantes decepções que marcariam toda a sua vida. Que, segundo ele o fez um homem infeliz por toda a sua vida.

Formou-se em direito, mas negou-se a assumir o escritório de seu pai Pierre Verne. Queria a arte e a literatura para a sua vida. Queria ser viável economicamente como escritor. Mas o jovem Julio Verne vê o tempo passar, escreve peças de teatro, mas sem ser possível tornar real o seu sonho maior – produzir uma literatura de romance científico. A beira dos 30 anos casa-se com uma mulher chamada Honorine e provoca um escândalo na sociedade da época por ser ela viúva e ter dois filhos. Sobre o casamento ele revelou que após o terceiro dia de casamento ao ver a sua mulher dormindo numa certa manhã sentiu a realidade dura que teria que encarar: não amava aquela mulher. A vida de casamento foi tumultuada e infeliz, mas manteve-se casado por conveniência, e segundo ele, por falta de coragem. Com ela teve um filho que se chamou Michel Verne, que ao crescer eles teriam enorme dificuldade de relacionamentos. Essa falta de coragem de romper, de mudar o rumo de sua vida ele se condena no final de sua vida. Um homem que se declarou covarde, por não ter coragem de alterar sua vida e ser feliz. Júlio Verne e sua mulher Honorine viam o mundo de forma diferente, pensavam e tinham sonhos diferentes. Queriam pra si coisas diferentes. Ele, Júlio Verne foi um rebelde. Foi uma pessoa avessa a formalidades sociais e protocolos. De sua mulher, ele a vê como uma oportunista, que sempre o criticou e nunca o apoiou na sua luta para ser um escritor, mas que depois, soube tirar proveito e desfrutar do sucesso de ser mulher dele famoso e com dinheiro.

Como escritor, quem conhece a amplitude da sua obra nota que as mulheres, que tanto o frustraram, ficaram de fora de seus romances. Os homens são os heróis protagonistas, e as mulheres estão ausentes. Foi como uma vingança de um homem que quis a vida toda ser amado e ter reciprocidade nas paixões. Sua maior mágoa, que marcou a existência e a maior responsável por ser ele um homem infeliz foi o desprezo de Caroline, uma bela moça, sua prima, que foi o que ele mais quis na vida, mas, teve dela um olhar irônico e de desprezo.


No decorrer da vida Júlio Verne se apaixona novamente por uma mulher chamada Anne. Mulher casada, eles tentam se afastar, mas a atração foi maior. Nessa relação ela tem coragem e se divorcia. Ele fraqueja e continua casado com sua mulher. O comodismo, o olhar da sociedade, a sua fama, falaram mais alto. Ele se frustra com ele mesmo ainda mais. No final de sua vida ele afirma que Anne morreu de amor. E, que ele morreu em vida, pois viveu triste até o fim da vida. Foi um homem de gênio difícil, intempestivo, brabo, infeliz.

Como escritor demorou a fazer sucesso. Sonhava em ser um escritor lido, vendido, conhecido. Mas isso viria somente a partir dos 35 anos. Até então viveu sofrendo críticas, não entendido por sua mulher e por sua família. Depois de anos pesquisando inventos científicos, acumulando informações em fichas, conhecendo sobre o que iria escrever, ele escreveu seus romances e procurou por um editor. Disciplinado, conta que levantava às cinco da manhã para escrever, horário que sua mulher e filho estavam dormindo e ele tinha ambiente de silêncio. Depois de percorrer muitos editores e quase desistir apostou em um último editor. Este senhor chamava-se Hetzel, que leu e achou que seria vendável, mas propôs modificações. Com este editor ele assinou contrato e publicou seu primeiro livro, e depois este continuaria a ser o seu editor por toda a vida. Apesar de ele o considerar amigo, o senhor Hetzel ganhou muito dinheiro nas costas de Júlio Verne, pois a publicação do livro foi sucesso absoluto, vendendo muitos exemplares. A maior parte do lucro dos livros não era Julio Verne que ganhava e sim o editor.

Do primeiro livro publicado em diante assinou contrato para escrever três obras por ano. Enfim, Júlio Verne, conquista o que sempre sonhou e lutou, torna-se um escritor famoso, começa a ganhar dinheiro e desfrutar do sucesso, da fama, começa a freqüentar os círculos sociais. Sua fama e admiração na época são tanta que é recebido por onde passa por autoridades, por reis e até pelo Papa. O homem Júlio Verne conheceu a glória, mas viveu frustrado. Aquilo que mais o realizaria na vida – o amor das mulheres que amou – ele confessa que não teve. Ele também sentiu as marcas por toda a vida e reclamou da falta de amor e compreensão de seu pai com quem teve briga, distanciamento e guardou rancores. Seu pai foi um daqueles homens duros, de conduta rígida, do tipo que foi prisioneiro do relógio e das rotinas. Júlio Verne teve uma péssima relação com seu pai Pierre Verne que o marcou profundamente. E Júlio Verne repetiu isso com seu filho Michel. Para Julio Verne, seu filho foi um estranho, foi uma decepção e em certo momento seu inimigo. Com seu filho ele foi duro e algumas vezes cruel. Só o tempo e a maturidade trouxe o reencontro e a colaboração entre ambos.

Júlio Verne avaliava que o que o fez um escritor lido por milhares de pessoas foi o trabalho, constância e disciplina e por ter passado pelo jornalismo isso ajudou a dar forma de fácil comunicação. Seu editor Hetzel, na ocasião do primeiro livro deu as dicas do sucesso: ação, aventura, movimento. O que colaborou também foi o fato que, ele foi desde a infância apaixonado pelo mar, por histórias de marinheiro, por viagens. Teve três barcos e viajou muito, por toda a Europa, atravessou o oceano e conheceu a América, esteve nos Estados Unidos, país que admirava e previra que um dia seria uma potência.

O autor ficou conhecido com o livro CINCO SEMANAS EM UM BALÃO e escreveu os sucessos que vendem ainda hoje como A VOLTA AO MUNDO EM 80 DIAS e VINTE MIL LÉGUAS SUBMARINAS, romances científicos muito conhecidos. Júlio Verne é um dos autores mais lidos de todos os tempos em toda a história da literatura mundial.

No final da vida, ao fazer um balanço faz confissões pessoais, se desnuda. Define-se como frustrado e covarde por não ter realizado outras coisas, por não ter escrito sobre outras coisas, por ter se submetido as vontade de seu editor, por não ter lutado mais pelos humildes. Tenta entender sua relação com sua mulher e com seu filho, assume sua parte de culpa. O velho Júlio Verne parece estar prostrado e humilde. Mostra serenidade e coragem ao assumir suas frustrações e fraquezas. Um homem admite que se fechou em si, fez por conta própria um caminho de reclusão, de resignação. Pegou uma trajetória de vida que viu-se incapaz de mudar de rumo. Foi incapaz de fazer outras coisas que o fariam mais feliz. Ele admite que pagou caro, pois viveu sem amor. Confessou não ser um bom pai, nem ser um bom marido. Das suas recordações da mãe muitas lembranças boas, com a compreensão de que esta foi uma mulher submissa ao marido.

Júlio Verne perseguiu seu sonho de ser um escritor lido por milhares de pessoas. De interpretar seu tempo e traduzir para milhares o mundo que se desenhava no porvir. Projetou sua época cem anos a frente e fez milhares de leitores sonharem de olhos abertos. Fez e ainda faz leitores sonharem, viajarem sem sair do lugar, se aventurarem por o mundo afora, de barcos, de balão, de submarino, por terra, pelo ar, pelo mar. Um homem sonhador, obcecado com a idéia de ser um escritor que colocasse a ciência mais próxima das pessoas. Foi, sobretudo, um homem persistente, disciplinado e competente no empreendimento que se propôs. Como escritor a sua obra fala por si. Julio Verne foi um amante da literatura, recordava que para poder comprar uma obra de Shakespeare ficou sem comer três dias, e para comprar outras obras ficou muitos outros foi à custa de seu estômago.

Júlio Verne, que teve uma existência atormentada, ao confessar suas fraquezas se humaniza. Lembra-nos que todos nós temos nossos infernos particulares a enfrentar. Temos nossos cofres trancados onde guardamos nossos segredos. Júlio Verne foi o espírito do século XIX materializado na literatura científica. Júlio Verne foi gênio. Como consta no seu epitáfio: “Rumo à imortalidade e à eterna juventude”.

Júlio Verne alcançou o sucesso pela persistência, por acreditar. Preparou-se para escrever romances científicos. Ele durante anos ia assiduamente a biblioteca e assinou revistas e periódicos científicos, acompanhava o que acontecia na sua época em termos de novidades, inovações e probabilidades futurísticas. Os seus romances científicos tinham a base científica dos conhecimentos da época. Quando escrevia, tentava reunir informações precisas sobre o que estava falando, reunindo e consultando profissionais como engenheiros e técnicos de áreas relacionadas. Da base cientifica deu asas a imaginação e ia além da sua época.

Modesto, disse não ter inventado nada, segundo ele as invenções estavam aparecendo. Tantas invenções que são uma normalidade no nosso tempo eram teorias embrionárias que quase todos duvidavam como o submarino e a viagem a lua. Júlio Verne com sua obra estimulou a imaginação de milhares, que se interressaram pela ciência e pela tecnologia e a infinidade de possibilidades que trariam para a humanidade.

Em setembro de 1873, ele realizou um sonho, um desejo íntimo, o de voar. Ele voou em um balão na companhia de um amigo por apenas meia hora. Quem imaginaria que voaríamos tão rápido e tão alto nos tempos vindouros?

Ao longo da trajetória humana rumo ao espaço, ao universo infinito continuar-se-á lendo Júlio Verne, o homem das estórias extraordinárias, que fez tantos cruzarem mares, voarem alto, irem à lua, se emocionarem, se encantarem, se imaginarem. Daqui a alguns anos nós humanos estaremos em Marte e novamente na lua. Estaremos nas próximas décadas definitivamente dispostos a viajar nos céu infinito. Como o velho e visionário escritor sonhou, num tempo em que quase todos pensavam ser isso algo impossível. Existem pessoas que sempre estarão à frente de seu tempo. Assim foi Júlio Verne.


Demilson Fortes
Chapecó/SC
, 2008.

POESIA

AQUELA
Poesia de Darcy Ribeiro

Minha amada é de carne, de pele e pêlo.
Ora é negra, ora é loura, ora é vermelha.
Minha amada é três. É trinta e três.
Minha amada é lisa, é crespa, é salgada, é doce.

Ela é flor, é fruto, é folha, é tronco.
Também é pão, é sal e manga-rosa.
Minha amada é cidade de ruas e pontes.
É jardim de arrancar flores pelo talo.

Ela é boazuda e é bela como uma fera.
Minha amada é lúbrica, é casta, é catinguenta.
Minha amada tem bocas e bocas de sorver,
De sugar, de espremer, de comer.

Minha amada é funda, latifúndia.
Minha amada é ela, aquela que não vem.
Ainda não veio, nunca veio, ainda não.
Mas virá, ora se virá. A diaba me virá.