Para
onde vai o licenciamento ambiental?
por
Nilvo Silva
Sul21
Há muito
se fala na necessidade de revisão das normas federais sobre
licenciamento e a própria cronologia dos Projetos de Lei em
tramitação no Congresso Nacional é testemunho disto. De um lado, o
licenciamento é visto como excessivamente burocrático e um
“obstáculo” ao desenvolvimento (em particular da grande
infraestrutura) e, de outro, como pouco transparente e efetivo no
tratamento de temas socioambientais. Apesar de sua antiguidade, as
discussões sobre o licenciamento ambiental têm sido marcadas por
pouca resolutividade e por um foco na necessidade de “aprimorar”
as regras que regem o processo (leis, resoluções de conselhos,
etc.).
Entretanto,
várias das limitações na aplicação do licenciamento são
“externas” ao seu regramento. Em primeiro lugar, os problemas na
operação do licenciamento não acontecem por acaso. As instituições
de meio ambiente nunca foram preparadas para desempenhar suas
inúmeras funções (em termos de fontes de custeio e investimentos
estável, infraestrutura, manutenção de quadros técnicos de alta
qualidade, autonomia, organização do conhecimento e planejamento,
etc.). Este não é um aspecto menor. A necessidade de investimentos,
preparação, equipamentos, capacitação, gestão profissional e
profissionais qualificados não vale somente para o futebol!
Em
segundo lugar, as práticas de planejamento setoriais (energia,
transporte, etc.) permanecem pouco transparentes, com limitados
espaços de participação, de coordenação intersetorial dentro do
próprio governo federal, e tratam apenas marginalmente de temas
socioambientais importantes. Estes mesmos temas marginais no
planejamento são centrais nos processos de licenciamento de projetos
individuais. Portanto, as limitações do planejamento da
infraestrutura têm sobrecarregado o licenciamento de projetos com
questões e conflitos para os quais ele tem pouca capacidade de
resposta. Isto é uma das causas de demora, conflitos e da tão
falada “judicialização” do licenciamento.
Quanto ao
regramento, há iniciativas tramitando simultânea e paralelamente no
Conselho Nacional de Meio Ambiente (CONAMA), na Câmara Federal e no
Senado. Mais recentemente, a Comissão de Constituição e Justiça
do Senado aprovou a PEC 065/12 que, na prática, eliminaria o
processo de licenciamento no pais. É difícil prever qual será o
desfecho deste conjunto disperso de iniciativas legislativas, mas é
importante considerar o que elas propõem como futuro do
licenciamento. Tenho publicado e participado de seminários,
congressos e audiências públicas sobre o tema e aqui apresento
alguns pontos centrais sobre as propostas sendo discutidas.
Em
primeiro lugar, o conjunto de propostas traz como preocupação
central dar maior agilidade ao licenciamento. Alguns dos projetos de
lei na Câmara, como o último substitutivo ao PL 3729/04 de autoria
do Deputado Ricardo Tripoli, trazem um considerável nível de
elaboração. Inovam ao propor a obrigatoriedade de Avaliações
Ambientais Estratégicas para o planejamento da infraestrutura e
maior transparência por parte dos órgãos licenciadores.
Entretanto, confundem o planejamento da infraestrutura com o
licenciamento de projetos e estabelecem exceções que muitas vezes
desconstituem suas próprias propostas de aprimoramento. Em outro
extremo, projetos como o PL 8062/14 de autoria do Deputado Alceu
Moreira, possuem baixa elaboração e representam apenas a retirada
de salvaguardas estabelecidas (como a obrigatoriedade de realização
de audiência públicas) e a simplificação do licenciamento baseado
em critérios vagos e conceitualmente confusos (o que tende a gerar
ainda mais conflitos e maior judicialização do processo). Mais
grave ainda, o PL 8062/14 propõe que não haja regra federal para a
definição da exigência de Estudo de Impacto Ambiental (EIA) e que
isto seja decidido por cada Estado individualmente.
A
proposta sendo discutida no CONAMA (em substituição às Resoluções
001/86 e 237/97) foi inicialmente apresentada pela ABEMA (Associação
Brasileira de Entidades Estaduais de Meio Ambiente) traz poucas
novidades e parece ser um exercício de adaptação das regras às
limitações e falta de recursos dos órgãos licenciadores. Como
ponto importante, a proposta da ABEMA estabelece processos
diferenciados de acordo com os potenciais poluidores dos
empreendimentos. Como ponto crítico, e da mesma forma que o PL
8062/14 citado acima, propõe que não haja regra geral no pais para
a exigência de EIA e que cada Estado o faça independentemente.
Os
projetos de lei no Senado merecem especial atenção. Ao contrário
dos principais projetos de lei da Câmara e da proposta de resolução
do CONAMA, elas não buscam estabelecer um regramento geral para o
licenciamento, mas sim a criação de ritos especiais para grandes
obras de infraestrutura, em particular as do setor elétrico
(refletem várias das propostas apresentadas por instituições
ligadas ao setor elétrico como o Forum de Meio Ambiente do Setor
Elétrico, FMASE, e o Instituto Acende Brasil). Elas propõem
profundas alterações nas práticas de licenciamento no pais. E mais
importante, elas vêm tramitando de forma rápida e sem discussão
pública.
Este é o
caso dos PLs 602/15 e 603/15 de autoria do Senador Delcídio Amaral.
O PL 602/15 propõe a criação do “Balcão Único de
Licenciamento” e disciplina o licenciamento de aproveitamentos dos
potenciais hidroenergéticos considerados estratégicos e
prioritários. O PL 603/15 refere-se à priorização do uso da terra
para construção de hidrelétricas (potenciais hidroenergéticos
considerados estratégicos e estruturantes) em relação, por
exemplo, a reservas indígenas e unidades de conservação.
O PL
654/15, de autoria do Senador Romero Jucá (hoje Ministro interino do
Planejamento), propõe o licenciamento ambiental especial para
empreendimentos de infraestrutura considerados estratégicos e de
interesse nacional (assim definidos por decreto do executivo
federal). Na prática, estabelece um rito sumário, simplificado,
para o licenciamento das obras mais complexas e de grande impacto
ambiental. O PL sequer prevê a realização de audiências públicas.
Por
último é importante mencionar a PEC 065/12, aprovada pela Comissão
de Constituição e Justiça do Senado em abril de 2016, que
estabelece que a simples apresentação de EIA autorizaria a
implantação empreendimentos de infraestrutura. Na prática, a PEC
significaria a eliminação dos processos de licenciamento.
Que
sentido se pode dar a este conjunto de propostas?
Em
primeiro lugar, e talvez o aspecto mais importante, há a evidente
necessidade de que esta discussão seja feita de forma mais aberta e
transparente, em particular as propostas com origem no Senado
Federal. Não há qualquer avaliação das consequências destas
propostas de flexibilização do licenciamento ambiental para as
grandes obras de infraestrutura. Há várias iniciativas para
discussão destas propostas com origem nos Ministérios Públicos e
na sociedade civil, mas as propostas têm surgido e tramitado nas
casas legislativas ao largo da sociedade.
Em
segundo lugar, há também a necessidade de maior centralidade e
coordenação entre as diversas iniciativas. Há clara falta de
liderança neste processo e as iniciativas ou se sobrepõem ou
apontam em direções diferentes. A falta de protagonismo do próprio
Governo Federal é outra marca deste processo, em particular em
relação ao próprio Ministério do Meio Ambiente.
Em
terceiro lugar, várias das iniciativas de flexibilização criam
enorme insegurança jurídica, como o PL 654/15 e a PEC 065/12. Isto
tem repercussões tanto para o meio ambiente quanto para a economia.
Quem realizará os enormes investimentos em projetos de
infraestrutura a partir da simples apresentação dos Estudos de
Impacto Ambiental? Sem discussão pública e sem avaliação dos
órgãos ambientais? Em um momento em que há a clara necessidade de
maior capacidade das instituições de controle (ver o caso de
Mariana), as propostas de flexibilização ou dispensa de
licenciamento através de mudanças na Constituição são apenas
ideológicas e irracionais e tenderiam a agravar os conflitos
socioambientais e judiciais em torno do licenciamento ambiental.
Por fim,
há grande experiência acumulada sobre a prática do licenciamento
ambiental no pais e há bons diagnósticos elaborados pela academia,
por instituições empresarias, pelos órgãos licenciadores, e pela
sociedade civil. Todos precisam ser ouvidos para uma discussão
racional e socialmente legitimada sobre o tema. Entre os tantos itens
destes diagnósticos há vários elementos comuns: a necessidade de
maior transparência e espaços de participação, instituições com
maior capacidade, melhor gestão do processo e dos estudos ambientais
e mais investimento em ações estratégicas de planejamento no setor
ambiental e mudanças no planejamento da infraestrutura no pais.
Nilvo
Silva atua como consultor. É engenheiro químico com mestrados
em ecologia (UFRGS) e Desenvolvimento Sustentável (UCL, Reino
Unido). Foi Diretor de Licenciamento do IBAMA, Diretor-Presidente da
Fundação de Proteção Ambiental do Rio Grande do Sul (FEPAM) e
funcionário do Programa de Meio Ambiente das Nações Unidas (PNUMA,
Quênia).
Publicado
no Sul21 em 22/maio/2016.