quinta-feira, 30 de maio de 2013

Atividade agrícola impactou florestas brasileiras


G1 Natureza
São Paulo, 30/05/2013.


Atividade agrícola impactou florestas brasileiras, revela estudo na 'Science'

Redução de aves que espalham sementes gerou grãos menores de árvore.
Trabalho foi liderado por equipe da Universidade Estadual Paulista (Unesp).


O grande desaparecimento de aves frugívoras (que comem frutos) das florestas tropicais brasileiras, em decorrência da agricultura, tem causado um impacto sobre as árvores da região, que têm produzido sementes menores e mais fracas ao longo do último século. A conclusão é de uma equipe de pesquisadores brasileiros, mexicanos e espanhóis, cujo estudo será publicado na revista "Science" desta sexta-feira (31).

O trabalho foi liderado pelo especialista em ciências biológicas Mauro Galetti, da Universidade Estadual Paulista (Unesp), em Rio Claro. Segundo ele, os resultados fornecem evidências de que a atividade humana pode desencadear mudanças evolucionárias rápidas nas populações naturais.

Os autores coletaram mais de 9 mil sementes de diferentes populações da palmeira Euterpe edulis – espécie nativa da Mata Atlântica, também chamada de içara ou palmito-juçara, e ameaçada de extinção – em áreas de floresta preservadas e outras devastadas por plantações de café e cana-de-açúcar no século 19.

A equipe usou dados estatísticos, genéticos e modelos evolucionários para chegar às conclusões. Segundo os cientistas, também foi considerada a influência de vários fatores ambientais, como clima, fertilidade do solo e cobertura florestal. Apesar disso, apenas a ausência das aves que comem frutos e espalham sementes já explicaria a diminuição do tamanho dos grãos das palmeiras.

De acordo com as análises genéticas, o encolhimento das sementes na região pode ter ocorrido dentro um século após algum tipo de perturbação local. Além desses fatores, longos períodos de seca e um clima cada vez mais quente na América do Sul podem ter prejudicado ainda mais essas populações de palmeiras, alertam os pesquisadores.

Ao lado da Unesp, participaram cientistas da Universidade Federal do Oeste do Pará, em Santarém, da Universidade Federal Rural do Rio de Janeiro (UFFRJ), da Universidade Federal de Goiás (UFG), da Universidade de São Paulo (USP) na capital paulista e em Piracicaba, da Rede de Biologia Evolutiva do México, em Veracruz, e da Estação Biológica de Doñana, em Sevilha, na Espanha.

Fonte: G1
http://g1.globo.com/natureza/noticia/2013/05/atividade-humana-impactou-florestas-brasileiras-revela-estudo-na-science.html






quarta-feira, 22 de maio de 2013

A CPI da ignorância bem calculada





A CPI da ignorância bem calculada

Oscar Calavia Sáez



Sou professor do Departamento de Antropologia da Universidade Federal de Santa Catarina, que ganha um destaque especial nessas denúncias, e fui o orientador da tese de doutorado de Flávia Cristina de Melo, a antropóloga citada nesse documento. São motivos suficientes para manifestar-me a respeito.

Os nobres deputados passam revista à legislação que regula as terras indígenas e quilombolas; às ações de governo que as implementam, e às dos tribunais que dirimem os conflitos daí decorrentes, e reclamam de que, no meio desses três poderes, a Universidade, junto com essas outras entidades, exerça um outro poder (na opinião deles inadequado e fraudulento) que promove a proliferação dessas terras indígenas e quilombolas.

A Universidade não é um poder da República, mas é a encarnação institucional do saber da República. Quanto ao tema em pauta, esse saber está bem estabelecido. Sabemos que a formação do Brasil impôs um pesado tributo sobre a sua população originária: guerra, integração forçosa, esbulho de suas terras. E recorreu também a um tráfico de seres humanos que, depois de servirem durante séculos ao agronegócio da cana e do café e a todos os outros afazeres mais duros da economia, receberam uma liberdade formal, mas não um lugar desde donde exerce-la; esse é, se alguém não lembra, a origem da população negra brasileira.

Esse é o passado, e para que a história possa seguir em termos mais pacíficos e mais justos - e, assim, mais realmente prósperos - a República tem adotado políticas de reconhecimento e reparação, mais generosas agora do que foram no passado. Mesmo assim condicionadas a alguns requisitos que o documento dos deputados revisa: uma história de resistência, posse permanente das terras nos últimos decênios, etc.

A partir da Constituição de 1988, o contencioso histórico tem sido resolvido para muitos, não para todos. Não, precisamente, para os mais afetados pelos esbulhos que continuaram no último século, enxotando os índios - especialmente os Guarani - e os pequenos agricultores negros de um canto a outro de um território que ia sendo loteado e atribuído a outros proprietários, especialmente no sul do país.

Os nobres deputados se escandalizam de que um 14% do território brasileiro seja destinado a grupos indígenas que representam um 0,30% da população, e pensam que isso é um obstáculo para o progresso do Brasil. Deveriam talvez se perguntar por quê a prosperidade do Canadá não está sendo ameaçada por ter destinado aos povos indígenas - pouco mais vultosos lá - um 40% do seu território.

Quiçá seja porque a prosperidade de um país não está atrelada à celeridade com que se consomem suas terras e seus recursos naturais com destino a uma exportação lucrativa, e sim a um desenvolvimento digno de toda a sua população, e a uma administração criteriosa do seu meio ambiente.

Devem saber que esse 14% é uma parte fundamental da floresta preservada no Brasil. Mas, é claro, os deputados devem fazer parte dessa ampla bancada que entende que também se reservou espaço demais para as matas e as beiras de rio; que a produção pode avançar sempre mais um pouco sobre elas, enquanto um milagre segura o solo e a umidade. Na Universidade sabe-se que esses milagres não existem.

Os nobres deputados se inquietam porque algumas terras reivindicadas para índios e quilombolas tenham um alto valor produtivo ou venal - do qual parecem bem informados.

Haverá algum propósito oculto nessas reivindicações? Deveriam lembrar que foi precisamente isso, o valor de suas terras, o motivo para que os mais fracos fossem uma e outra vez expulsos do lugar onde se encontravam há setenta, cem ou duzentos anos.

Deveriam explicar também quão miserável deveria ser o valor de uma terra para que eles estimassem razoável destiná-la aos seus donos originais, ou aos descendentes dos escravos.

Os nobres deputados se preocupam, com muita razão, pela insegurança jurídica que causam as reivindicações de terras, especialmente para colonos que ocuparam lotes outrora indígenas. Mas devem saber que injustiças não resolvidas sempre geram insegurança jurídica.

Por isso mesmo há muito tempo, em lugar de hostilizar e resistir às iniciativas de instituições indigenistas, universidades e Ministério Público, deveriam ter tomado iniciativas próprias que não fossem, como sempre o foram, as de eliminar, de fato ou de direito, aquelas populações indígenas ou negras que eles só conseguem enxergar como empecilhos; que foram esteios da construção do país mas podem ser já tratadas como bananeira que deu cacho.

O documento dos deputados não alude a essa suspeita, sempre presente em CPIs desse teor, de que as terras indígenas ameacem a soberania nacional, já que com frequência se situam nas fronteiras do país. Mas talvez não tardará em aparecer também esse bordão, que é uma amostra de malícia ou de ignorância culpável: esses territórios estão nas fronteiras porque as fronteiras foram garantidas pela presença indígena.

O caso mais conspícuo pode ser o do Amapá, onde a diplomacia brasileira ganhou uma extensa faixa de terras à Caiena francesa fazendo reconhecer como brasileiros os índios que lá moravam -embora então, como ainda agora, esse índios falassem francês…

Os índios tantas vezes acusados de comprometer a soberania são os mesmos que durante séculos, antes mesmo da Independência, foram definidos como “muralhas dos sertões”, a proteger o espaço que viria a ser o do Brasil, e que o continuam a fazer, integrando em grande número os batalhões de selva do exército brasileiro.

Bem longe da Amazônia, os deputados também se preocupam com fronteiras: pretendem que os índios Guarani que reivindicam terras no sul do país são, na verdade, argentinos ou paraguaios; o que parece inconteste é que são povos privados de cidadania sobre cujo território foram traçados, sem a mais mínima consulta a eles, os limites desses países.

Os deputados entendem que, enquanto as fronteiras se apagam para a expansão do agronegócio brasileiro em territórios vizinhos, elas devem ser aplicadas com rigor para os seres humanos aos que, a um lado e outro da fronteira, esse prodigioso desenvolvimento deixa sem chão.

Eu entendo, como os deputados, que ONGs e Universidades não deveriam se intrometer em questões de estado que competem aos três poderes constitucionais. É lamentável que estes, e muito especialmente o Legislativo, prefiram advogar por fortunas particulares deixando a outros as tarefas que interessam ao Brasil no seu conjunto: a defesa do seu meio ambiente e o destino do seu povo.

Enfim, vale a pena refletir sobre um detalhe, presente no documento, que tem sido motivo para ataques irônicos contra o laudo da antropóloga Flávia de Melo a respeito da aldeia de Mato Preto. Ela teria revelado que a decisão de se deslocar para essa terra foi tomada pelos Guarani durante uma sessão religiosa em que se consumiu um chá alucinógeno.

Superstição, irracionalidade misturada a decisões sérias? Os nobres deputados devem ter visitado, em Brasília, o memorial-mausoléu do presidente Juscelino Kubitschek. Lá, num painel bem visível que trata das origens do seu empreendimento, ficamos sabendo como a construção de Brasília foi prevista num sonho profético do santo católico Giovanni Bosco, que quase um século antes da construção da capital viu a civilização cristã chegando naqueles sertões então ocupados “apenas” por índios nus.

Se a demarcação de uma terra indígena deve ser posta em dúvida por ter se amparado em visões próprias de uma religião indígena - tão respeitável como qualquer outra, enquanto perdure o pluralismo religioso - caberia também se perguntar o quê fazem esses três poderes ali onde os sonhou um clérigo italiano que jamais pisou terra brasileira.

*Oscar Calavia Sáez é professor do Departamento de Antropologia da Universidade Federal de Santa Catarina

Artigo publicado no site da Universidade Federal de Santa Catarina, em maio de 2013 


segunda-feira, 20 de maio de 2013

Quer ser vizinho de depósito de agrotóxico?



Quer ser vizinho de depósito de agrotóxico?


Tramita na Assembleia Legislativa do Rio Grande do Sul o PL 20/2012, assinado pelo deputado Gilmar Sossela (PDT), juntamente com mais de 30 deputados. O PL trata da flexibilização do armazenamento de agrotóxicos no Estado. No dia 14 de maio, o deputado Giovani Feltes (PMDB) apresentou seu relatório, favorável à aprovação do referido projeto na Comissão de Constituição e Justiça (CCJ).

Entretanto, o mesmo ainda não foi votado porque o deputado Edegar Pretto (PT) pediu vista do processo, ou seja, utilizou de recurso regimental que concede uma semana para analisar novamente o PL. Cada bancada pode pedir vista uma vez. Os representantes da bancada do PT na CCJ, deputados Edegar Pretto e Raul Pont, têm posição contrária ao PL 20, pelo mérito e por ser inconstitucional, contrariando, por exemplo, os critérios de licenciamento ambiental utilizados pela Fundação Estadual de Proteção Ambiental Luis Henrique Roessler (Fepam) baseados na legislação ambiental brasileira.

Embora não seja integrante da CCJ e não tenha direito a voto, a deputada Marisa Formolo (PT), participou de reunião referente ao tema e defendeu junto aos deputados da Comissão o voto contrário ao PL 20, expressando uma posição avessa ao uso de agrotóxicos e favorável à agroecologia. A deputada saudou as entidades da sociedade que estavam presentes e lembrou o agrônomo ambientalista José Lutzenberger, que sempre se opôs ao uso de aplicação de agrotóxicos na agricultura.

Estiveram presentes na reunião da CCJ, manifestando-se contra o PL 20, a Fundação Gaia, CEA, Agapan, Rede Ecovida, Centro de Apoio ao Pequeno Agricultor (Capa), Centro Ecológico de Ipê, Núcleo de Ecojornalistas, Apedema, Feira Ecológica, cooperativas de produção agroecológica e de economia solidária, Emater, Campanha Permanente Contra os Agrotóxicos e Pela Vida - RS, entre outras entidades de agricultores e ativistas do movimento ambientalista.

O autor do PL 20 que trata do armazenamento de agrotóxicos, deputado Gilmar Sossela (PDT), defendeu o conteúdo do projeto, construído com a participação das revendas de agrotóxicos, que têm interesse direto na tramitação e criticam as regras estabelecidas pela Fepam.

O autor do PL e o relator na CCJ ignoram a posição da equipe técnica da Fepam, que tem trabalhado com esse tema há anos. Em parecer sobre o PL 20, a biológa Marta Elisabeth Valim Labres, Chefe do Serviço de Licenciamento e Controle de Agrotóxicos, faz uma análise sobre os diversos pontos do PL 20 e definiu como retrocessos à proteção ambiental e à saúde pública em avanços já conquistada e estabelecida nas normas. Atualmente, existem regras elaboradas pelo órgão ambiental, que tem prerrogativa legal de estabelecer as normativas técnicas.

Entre outros pontos divergentes, está a distância do depósito de residências. A Fepam estabelece o mínimo de 30 metros, mas o PL 20 os retira. Sobre isso, diz a Fepam:

O projeto de Lei, no art. 7º, parágrafo único, pretende substituir a exigência da FEPAM de distanciamento mínimo entre depósitos de agrotóxicos e residências pela colocação de filtro, em caso de constatação de odor de veneno. Esta proposta demonstra o desconhecimento de que a ausência de cheiro não significa a ausência de substâncias tóxicas voláteis e de que um filtro não oferece a segurança necessária para a saúde das pessoas do entorno.”

A experiência passada demonstrou que a distância mínima de 30 metros exigida pela Fepam entre depósitos de agrotóxicos e residências não pode ser substituída por equipamentos, pois aqueles capazes de monitorar os gases no lado externo ao depósito são economicamente inviáveis para as empresas e um filtro não seria suficiente, pois estaria saturado em poucas horas”


A Fepam divulga que desde 2003, está orientando para a adaptação às regras de distância mínima. Portanto, há 10 anos muitas revendas estão tentando fugir do cumprimento da legislação. Da mesma forma, a Fepam informa que a maioria das revendas já se enquadrou nas normas, obtendo o licenciamento, mas uma parte insiste em não cumprir a Lei, querendo mudar as determinações.

Nesse debate, importante compreender que é a segurança no armazenamento de agrotóxicos, produtos químicos perigosos, que precisa de regras rigorosas, que protejam a população de danos à saúde e proporcionem às autoridades a possibilidade de agir no caso de acidente. É preciso estar devidamente preparado para uma ação de emergência, como ter acesso ao local de um carro de Bombeiros ou de ambulâncias.

Convém lembrar que, em dezembro de 2012, parte da cidade de Buenos Aires foi encoberta por uma nuvem de fumaça tóxica de odor forte, causando tumulto e preocupação da população, que ficou assustada. O serviço de saúde atendeu várias pessoas e as autoridades evacuaram a área, recomendando às pessoas evitarem exposição à fumaça. A nuvem tóxica foi resultado de um incêndio em contêiner com agrotóxico, fato que aconteceu no porto da capital argentina e que autoridades locais informaram tratar-se de agrotóxico do grupo dos fosforados, denominado Thiodicarb.

Da mesma forma, neste ano, o Rio Grande do Sul foi abalado pelo incêndio na Boate Kiss, em Santa Maria. Por conta da tragédia, abriu-se um intenso debate sobre a existência de leis e normas técnicas de prevenção de acidentes e sobre a fiscalização de responsabilidade dos órgãos de Estado. Essa tragédia nos alerta sobre a importância da prevenção.

Quando o assunto é estabelecer prioridade à saúde pública e interesse coletivo maior, muitas vezes serão contrariados interesses privados, setoriais e corporativos.

Portanto, é um grande e grave equívoco flexibilizar normas ambientais que protegem a população. A sociedade gaúcha tem motivos e exemplos suficientes, para manifestar posição contrária ao PL 20 ou qualquer outra proposta que coloque o lucro como mais importante que a segurança, proteção ambiental e saúde pública.


Demilson Fortes
Porto Alegre, 20 de maio de 2013.





sexta-feira, 17 de maio de 2013

Cana na Amazônia - Rumo ao Passado



Rumo ao passado

Marina Silva


Na mesma semana em que o mundo toma ciência de que o carbono na atmosfera atingiu a marca crítica de 400 ppm, a Comissão de Meio Ambiente do Senado aprova a abertura de áreas na Amazônia Legal para o plantio de cana.

Tal decisão, contrária aos princípios da própria comissão, soa como uma provocativa demonstração de poder da aliança que colocou na sua presidência uma pessoa sem uma trajetória de defesa do ambiente e do desenvolvimento sustentável. Segue o desmonte da governança socioambiental do país, usada como moeda de troca no vale-tudo da velha política.

A decisão de não estender as plantações de cana à Amazônia foi uma conquista da sociedade, fruto de debate qualificado em que os argumentos da Academia, movimento socioambiental e empresariado progressista fundamentaram o decreto presidencial que criou, em 2009, o zoneamento agroecológico da cana. Foi proibida a expansão de canaviais e implantação de novas usinas não só na Amazônia, mas também no Pantanal e na bacia do Alto Paraguai. O zoneamento tem uma lógica ao mesmo tempo econômica e ambiental.

A liberação da cana na Amazônia não tem lógica. Não é necessidade econômica, é apego ao atraso. Nem interessa ao setor sucroalcooleiro, cuja agenda estratégica requer desenvolver tecnologia para aumentar a produtividade e gerar etanol com a celulose do bagaço, multiplicando a produção sem aumentar a área plantada.

O etanol passou por um período crítico, sem crédito e com a redução de 25% para 20% de sua adição à gasolina, um ciclo agora que dá sinais positivos de estar se encerrando. Mas a cana tem outros produtos relevantes e guarda o potencial de ser usada como biomassa na produção de energia, até agora inerte pois o governo prefere manter maior despesa e poluição com termelétricas.

A comissão joga por terra garantias dadas à sociedade e aos mercados externos de que a produção de cana não desmata a Amazônia. Despreza a agenda do futuro e remete a uma repetição do ciclo colonial.

O Brasil deve definir sua estratégia de desenvolvimento num tempo de mudanças que já começaram e se aceleram. Mas o ambiente político atual é inóspito para definições estratégicas. Petróleo e energia, agricultura e florestas, logística e infraestrutura, nada escapa: por mais importante que seja o assunto, termina capturado na discussão política de baixo nível, com interesses eleitorais e financeiros de curto prazo.

As decisões sobre o desenvolvimento do país vão sendo tomadas, no governo e no Parlamento, sem estudos ou pesquisas, sem consulta nem participação, para conservar poderes oligárquicos. Nessa lógica tudo se atrasa, só se antecipa o jogo da barganha política.


Marina Silva, ex-senadora, foi ministra do Meio Ambiente no governo Lula e candidata ao Planalto em 2010. Artigo originalmente publicado no jornal Folha de São Paulo, no dia 17/05/2013.


Política ambiental em risco




Política ambiental em risco

Bruno Covas


O Estado de São Paulo possui desde 2009 uma importante lei ambiental. Além de estabelecer uma meta de redução de emissões de dióxido de carbono, a Política Estadual de Mudanças Climáticas prevê instrumentos como o zoneamento ecológico econômico, a avaliação ambiental estratégica, os planos para transportes sustentáveis e ações para a adaptação aos eventos climáticos extremos.

Muitos dos encargos estaduais e municipais são conexos às mudanças climáticas: saúde pública, mobilidade urbana, defesa civil e proteção do ambiente. O governo do Estado tem feito grandes esforços para cumprir a lei, investindo pesadamente no metrô e fomentando a bioenergia, entre outras medidas.

Contudo, não devemos trabalhar sozinhos. O governo federal pode e deve agir. Enquanto nossas crônicas deficiências se perpetuam por subsídios a combustíveis fósseis e ao rodoviarismo ineficiente, sem que se enxergue o quadro mais amplo, muitos se rendem aos apelos sedutores dos programas assistencialistas.

Isso é reflexo do centralismo fiscal, que causa dependência financeira em relação à União. Esta já arrecada 70% dos tributos do país e vem retirando receita dos demais entes da Federação.

Recentemente, um duro golpe foi aplicado na política ambiental nacional: durante a tramitação no Congresso Nacional do projeto de lei nº 2.565/2011 e da medida provisória nº 592/2012, foram retirados os artigos que garantiriam recursos do petróleo para o Fundo Clima, com perdas da ordem de R$ 250 milhões a R$ 700 milhões por ano.

O fundo mal havia iniciado suas atividades em 2011, com recursos não reembolsáveis operados pelo Ministério do Meio Ambiente (MMA) e os reembolsáveis operados pelo BNDES. Ele recebia até 60% da participação especial que cabia ao MMA por conta da Lei do Petróleo.

Um novo projeto de lei (nº 2.565/2011) aprovado pelo Congresso reformulou a distribuição dos ganhos, colocando as questões climáticas em disputa com várias outras áreas, em uma lista indefinida que cobre de tudo. O Fórum Brasileiro de Mudanças Climáticas encaminhou uma moção à presidente, visando reestabelecer tais recursos ao fundo.

Sem recursos, fica difícil criar de fato um mercado nacional de carbono, não só com a oferta de créditos (florestais inclusive) mas também com fomento à demanda por esses créditos como estratégia de inovação e competitividade da economia.

Isso faz parte de uma estratégia ampla nacional, que envolveria uma série de medidas. Em primeiro lugar, o governo federal deveria desenvolver o Registro Público de Emissões dentro do Sistema Nacional de Informação sobre Meio Ambiente (Sinima), previsto há 30 anos pela Política Nacional do Meio Ambiente e que até agora não saiu do papel.

Em segundo lugar, a União deveria harmonizar as leis climáticas do país, propondo metas convergentes para os entes da Federação que sejam mensuráveis, reportáveis, verificáveis, absolutas (sem truques numéricos baseados em cenários futuros incertos) e setoriais (por melhores tecnologias). Compatíveis com o desenvolvimento do país, essas metas estimulariam a competitividade e a inovação, com base na eficiência e no desenvolvimento das fontes renováveis de energia.

Leis harmônicas devem conter efetivos mecanismos de proteção de nossos biomas. Devem prover meios de incorporar externalidades e cobenefícios -como as melhorias da mobilidade e da qualidade do ar- por meio de combustíveis mais limpos, melhores tecnologias e enfoques sistêmicos urbanos.

BRUNO COVAS, 33, é secretário de Meio Ambiente do Estado de São Paulo. Artigo publicado no jornal Folha de São Paulo, no dia 15/04/2013.