segunda-feira, 16 de novembro de 2009

UM OLHAR SOBRE SÃO PAULO

















UM OLHAR DE VISITANTE SOBRE A CIDADE DE SÃO PAULO

Texto de Demilson Figueiró Fortes

Da janela do segundo andar do museu, no centro da cidade tenho uma visão do agradável jardim, com palmeiras, bromélias e outras plantas tropicais, alguns bancos para as pessoas sentarem, um café que quase entra jardim adentro, onde várias pessoas conversam em paz. Estou no museu Anchieta, um prédio simples, mas de relevância cultural, pois é o local de fundação da cidade, ali tem vários objetos sacros, de importância histórica. Numa das salas do museu uma maquete reproduz a imagem que tiveram os jesuítas, quando chegaram à região em 1554, há 455 anos: uma paisagem verde recobre o terreno ondulado, vegetação exuberante de mata atlântica. Agora, uma paisagem urbana, de concreto continuo, com 11 milhões de habitantes, que é a capital dos paulistas. São 18 milhões de pessoas na grande região metropolitana que engloba 39 municípios, o que faz da região um dos maiores aglomerados humanos do mundo, atrás somente de Tóquio, Cidade do México e Mumbai.
Como outras cidades populosas, São Paulo nasceu do nada e cresceu. E, como cresceu. Houve tempos diferentes, que ficaram para trás, como a São Paulo em que viveu Adoniram Barbosa, que compôs a música: “Moro em Jaçanã, se eu perder esse trem, só amanhã de manhã”, clássico do samba brasileiro. São Paulo se agigantou, ainda tem trens, mas atualmente tem metrô, centenas de ônibus e as ruas entupidas com milhões de carros.
Em fevereiro deste ano, de férias, fui visitar meu irmão e sua família que residem na cidade de São Paulo há alguns anos. São moradores da zona norte, bairro Jaçanã, o mesmo de Adoniram. É a quarta vez que vou a São Paulo a passeio, mas já passei pelo aeroporto, pelo menos umas quatro vezes, fazendo escala, indo para outros lugares. Posso dizer hoje que tenho simpatias pela cidade de São Paulo. Reconheço que é diferente visitar e ficar uns dias, de morar, e ter de enfrentar a cidade todos os dias. Mas a minha visão contrasta geralmente com a maioria das pessoas de fora, que se apressam em evidenciar os problemas da cidade, que são muitos. Mas afirmo que com disposição para conhecer, logo se verá que a metrópole não se resume a violência e caos. Muito pelo contrário, surpreende e cativa.

A cidade de São Paulo é a síntese do país, com riqueza e oportunidades, mas ao mesmo tempo a manifestação latente da pobreza, exclusão social, violência urbana sentida no cotidiano, concentração de riqueza, opulência dos ricos, com as pessoas – principalmente as mais humildes - sofrendo as conseqüências da degradação do meio ambiente e do espaço público. Uma coisa é certa: a megalópole São Paulo está condicionada a equacionar os seus problemas com foco na coletividade, no planejamento urbano, e na insistência ao otimismo a humanização dos espaços, com buscas de formas de sociabilidade e convivência. É preciso sentir-se parte dos problemas e das soluções. É preciso não resignar-se, não aderir ao fatalismo pessimista e a alienação cotidiana, que tende a condicionar as mentes e enrijecer os corações. E aos descrentes de tudo devo dizer: a solução está nas pessoas e na política. Está na sensibilidade e na criatividade humana e na política como arte humana de debater seus próprio problemas e solucioná-los. E aos individualistas, lamento dizer: não há futuro algum, se não focar nas coletividades. Mesmo que os burgueses tentem suas fugas nos helicópteros e carros blindados. A história se move no sentido oposto ao individualismo. A história está ao lado de quem usa metrô, ônibus, bicicleta e anda a pé.
Definida a viagem, consultei o preço de passagem de ônibus de Porto Alegre a São Paulo, conferi que tava em torno de R$ 159,00. Consultando o preço das passagens áreas tinha por R$ 159,00 de ida e R$ 139,00 de volta, mais taxa de embarque, totalizando R$ 337,00 uma passagem ida e volta, comprada em seis vezes, sem juros, no cartão de crédito. Do aeroporto Salgado Filho em Porto Alegre ao de Guarulhos foram uma hora e quarenta minutos de avião, partiu as 13:30 h e chegou as 15:10, pontualmente.

A primeira vez que vi a cidade de São Paulo do avião, fiquei impactado. Realmente, a metrópole impressiona. Da janela do avião, fiquei tentando captar tudo o que podia, até onde a vista alcançava. E até onde a vista alcança é um continuo de casas, prédios, telhados, lajes de concreto, ruas, calçadas, avenidas, estradas. E certas ilhas verdes, que algumas pude vir a conhecer posteriormente. A primeira pergunta que nos vem a cabeça é como pode, toda aquela gente viver naquele espaço? E ao mesmo tempo, respondemos pra nós mesmos, outra pergunta: porque vimos na televisão tantos alagamentos? Parece tão óbvio: os espaços para a água da chuva se infiltrar é muito reduzido, é (quase) tudo concreto. O terreno todo sem espaço para infiltração associado ao lixo que vai parar nos bueiros tem com resultado os freqüentes alagamentos. Com algumas chuvas intensas, em questão de menos de cinco minutos quem está na parte mais abaixo da cidade fica no aguaceiro. Tem um professor que vi na televisão conceituando aquilo tudo de deserto, pois, segundo ele, o que caracteriza o deserto é areia, e ali a diferença é que a areia é misturada com cimento e tijolos.
São Paulo se apresenta na primeira impressão como uma cidade sem graça, sem colorido, um tanto cinzenta. Com bairros que se colam um no outro, de casas, cheias de grades, pichações, de predominância do concreto. Mas basta ir conhecendo que se vai aprendendo a gostar, a ver pra além do concreto e das grades. Se a pessoa se dispuser a isso vai ter surpresas agradáveis, conhecer mundos diferentes, até inimagináveis, que a televisão não consegue mostrar, e que nossos preconceitos também se negam a enxergar. Pra quem gosta de cultura, no novo, do diferente, a metrópole é riquíssima e pode se falar no plural, “culturas”. E pra quem chega esperando assaltos, violência crua nas ruas, pode se surpreender. É claro que falo do ponto de vista de um visitante, que não penetrou nos bairros da periferia, mas de um visitante que andou de ônibus, lotação, metrô, a pé em muitos locais. Talvez por pura sorte.
A metrópole é multicultural, multiracial, multiétnica. Cidade que acolheu milhões de imigrantes de vários cantos do mundo e do próprio país. Além dos nordestinos, gaúchos, e todos os outros estados, se encontra em São Paulo os libaneses, japoneses, chineses, bolivianos, judeus, e muitas outras etnias, raças, culturas. É ali que sai anualmente a maior manifestação contra o preconceito homossexual do mundo, a parada gay. É ali que saiu as maiores manifestações políticas do país. É ali que tem os maiores templos evangélicos do mundo. E todos convivem. É certo que os ricos sempre aproveitam melhor o que a cidade tem a oferecer. Mas há pluralidade. Quando se passa no Bairro Liberdade tem-se a sensação de entrar no Japão, e são nipobrasileiros.
Segundo a Revista Welcome On Board (novembro de 2008), de distribuição gratuita no aeroporto de Congonhas, a cidade de São Paulo tem 48 shoppings, e atraem 3 milhões de pessoas a cada dia. A reportagem define-os como “modernos templos de convívio, lazer e consumo”. Para este ano de 2009, está previsto mais quatro. Isso faz de São Paulo a cidade que mais tem shopping Center no mundo, nem a cidade de Nova York, centro mundial de turismo internacional, e consumo do padrão Estados Unidos tem tantos shoppings.
A cidade estruturou a sua economia ao longo do século XX em inúmeras fábricas que produziam de forma diversificada, como carros, máquinas, equipamentos, eletrodomésticos, alimentos, e muitos outros ramos. Na metade da década de 40 já tinha 14 mil fábricas e já era o maior centro industrial da América Latina. Na década de 60 a cidade tinha mais de 50 mil indústrias e empregava 1 milhão de operários, neste período a cidade ganha grandes projetos de infraestrutura como viadutos, pontes, grandes rodovias que margeiam os rios Pinheiros e Tietê. Em 1960 a cidade tinha 3,7 milhões de habitantes. Em 1970 tinha 5,9 milhões. Em 1980 tinha 8,5 milhões. Em 1991 já tem 9,6 milhões de pessoas, e no ano 2000 chegou a 10,5 milhões de habitantes. Em 2009 ultrapassa 11 milhões de moradores.
De cidade industrial ao longo do tempo foi se transformando em economia diversificada, transitando para ser uma cidade principalmente de serviços. Mesmo tendo uma base industrial grande ainda, outra economia baseada como, por exemplo, em indústrias de inovação tecnológica, gestão, inovação do conhecimento, serviços bancários, logística, gastronomia, tecnologia e serviços de saúde, entretenimento, moda e outros. São Paulo é um dos maiores centros financeiros do mundo e o maior da América Latina, onde funciona a sede de muitas multinacionais que atuam no continente. Uma das coisas que se destaca a metrópole atualmente é a da realização de eventos, que segundo dados, foram em média 90 mil eventos ao ano na década de 90. Em 2002 a cidade tinha 120 museus e 50 galerias de arte, e de lá pra cá muitas outras coisas foram criadas. A famosa de comércio popular a Rua 25 de março recebe em certas épocas mais de 1 milhão de pessoas que vem fazer compras. Pelo centro da cidade circulam em média dois milhões de pessoas diariamente. E em São Paulo existem mais de 50 pólos de comércio ultra-especializado, de vários ramos, que recebem compradores de várias partes do país. É a cidade de pobres e de ricos. A cidade só perde para Nova York na frota de helicópteros. E andando na noite vêem-se carros Ferrari, Porsch, e outras marcas, que evidenciam a opulência dos magnatas. Uma cidade que funciona 24 horas, se compra e se vende de tudo. Encontra-se de tudo.
Mas esta cidade gigante, plural, e global cresceu rápido e seus governantes não tiveram competência e compromisso social para criar as condições de ser um lugar menos inóspito para milhões. Com o crescimento vieram os problemas e os impactos ambientais se agravaram, com conseqüências vistas e sentidas enormemente hoje. Cada chuva que cai é um motivo de preocupação para os paulistanos, pois com freqüência ocorrem alagamentos de rodovias que dificultam ou paralisam o trânsito. Há muito concreto e asfalto contínuos, sem espaço para a infiltração da água. A poluição industrial já foi pior é verdade, mas ainda é de grande impacto na saúde das pessoas. Pesquisas recente nos Estados Unidos confirmaram que quem convive com poluição atmosférica das cidades vive menos, porque organismo sente o impacto, coração e pulmões se esforçam mais para trabalhar.
O Rio Tietê e Rio Pinheiros estão mortos na capital. Além de não possibilitar vida, são mal cheirosos, e enfeiam a cidade, que não se reconhece neles, parece um estorvo que tem a obrigação de conviver. Triste realidade para um povo e para um Rio. Visto que as cidades que tem Rios se orgulham, com eles convivem nas suas margens, como já foi o caso do Tietê (que tem 1.150 km de comprimento e cruza por várias cidades), que no início do século XX seus moradores o utilizavam para o lazer em competições como regata e natação, pescavam e tomavam banho com satisfação nas suas águas. Depois vieram as indústrias e o que se denominou de progresso, e a população se afastou, e se divorciou de seu Rio. No atual momento existem esforços para despoluí-lo, com investimentos pesados, mas insuficientes, pois precisa reestruturar uma base econômica que se ergueu vendo o Rio como poço de dejetos, de uma cidade que cresceu sem preocupação com saneamento, de uma população sem a cultura do respeito ao meio ambiente. A transição será longa e difícil, mas poderá acontecer, como mostram as experiências do Rio Tamisa em Londres, ou do Rio que corta Seul, na Coréia do Sul, que hoje despoluídos estão integrados a vida das pessoas da cidade. O projeto de despoluição do Rio Tiete vem sendo implementado há alguns anos e entra na sua terceira etapa, que está orçada em US$ 800 milhões, que pretende até 2015 tratar pelo menos 80% do esgoto doméstico da região metropolitana de São Paulo, pra esse projeto, o governo do Estado de São Paulo conta com financiamento do Banco Interamericano de Desenvolvimento.

Uma cidade que recebe anualmente 7 milhões de visitantes, mesmo sem ter praias ou grandes cartões postais. O que faz a diferença em São Paulo é quando pegamos um livretinho sobre a programação cultural do mês e vimos que são muitos os eventos que acontecem na cidade simultaneamente. Passando por São Paulo peguei um Guia denominado Em Cartaz, da Secretaria da Cultura, de junho de 2008, com 72 páginas de atividades culturais do mês, com espetáculos de dança e de teatro, mostras de cinema, folclore, música clássica, fotografia, palestras, datas comemorativas como os 100 anos da imigração japonesa e os 40 anos do ano de 1968. Atividades pra satisfazer muitos e diferentes gostos. Na contracapa anunciava uma Feira de troca de livros e gibis, marcada para acontecer no Parque da Luz e Parque Santo Dias. Segunda a revista Exame (10/12/2003), naquele período acontecia 246 eventos diferentes todos os dias e num único final de semana, como por exemplo, apresentação de 128 peças de teatro, exibição de filmes em 272 salas de cinema, 38 shows musicais, 12 concertos de música clássica e dezenas de museus estão a disposição para visitação. Uma cidade muita ativa culturalmente, com muitas opções, desde que tenha dinheiro e disposição para sair de casa. Ainda segundo a revista, 25% da frota de automóveis e 25% das receitas de restaurantes do país estavam na cidade. Em 2002 já tinha um PIB de 96 bilhões de reais por ano. O consumo em escala faz girar a economia. Em São Paulo tudo é grande. Em 2009 somente para o GP Brasil de fórmula 1 recebeu cerca de 85 mil turistas, que deixaram 260 milhões de reais na cidade.
No início da década de 90 a então prefeita Marta Suplicy iniciou um projeto ousado para revitalizar o centro da cidade, que estava cheio de vendedores ambulantes, mendigos, insegurança pelos assaltos banais, sem cuidado com o patrimônio histórico. Um centro urbano onde circulam 2 milhões de pessoas por dia. Com investimentos, recursos externos inclusive, parcerias, e principalmente presença do poder público com iniciativas que mobilizaram as pessoas, começou uma virada cultural. Depois de anos, hoje quem vai a São Paulo sente o centro da cidade com vitalidade humana. Os prédios históricos do centro da cidade recuperados, muitos se destacam pela beleza, não ficando atrás quando comparado a centros de cidades européias.
Uma das maiores riquezas da cidade chama-se Parque Ibirapuera. É uma ilha verde incrustada no meio da selva de concreto. Um lugar incrível. Inimaginável, quando se pensa no conceito, no nosso juízo sobre a cidade, vista pelo noticiário de TV. Entrando no parque deixamos para trás o barulho, a fumaça dos carros, e temos na nossa frente bastante verde, com muitas árvores, gramados, lagos e alguns espaços de cultura, de ciência e lazer. Sombra boa, com temperaturas bem diferentes do centro, das torres de concreto. Alguns termos definem as impressões que o parque nos causa: convivência, paz, cuidado com o corpo e mente, busca espiritual, amor, descanso, carinho, cultura. Lá dentro, o ritmo é outro, bem diferente da avenida que passa em frente ao parque. Andando nos caminhos internos, cruza-se com todos os tipos de gente, idosos fazendo caminhadas, crianças, adultos de todas as idades, caminhando, correndo, andando de bicicleta, fazendo patinação, de skate, conduzindo cachorros. Sozinhos, em casais ou em grupos. Gente lendo, fazendo piqueniques com os colegas, casais namorando, sentados ou deitados no gramado, sem nenhum problema. Gente meditando, brincando. Parece que o medo ficou lá fora. Um lugar humanizado, do encontro e do respeito possível. Um lugar de harmonia. Além do Parque Ibirapuera, fui visitar o Parque Trianon, que fica em frente ao MASP, na avenida paulista, e o Parque Água Branca. Neste último funciona a Feira de alimentos orgânicos, promovida há anos pela AAO – Associação da Agricultura Orgânica, e o Parque da Luz que fica em frente a Estação da Luz, ao lado do Museu Pinacoteca. Todos os Parques visitados, limpos, bonitos, seguros, cheios de pessoas, que fazem caminhadas, que ficam sentados, que namoram, que ficam sozinhos pensativos sem ninguém perturbá-los. Uma visão de São Paulo diferente, prazerosa, onde temos a sensação de que é possível, de acreditar, de sermos otimistas na possibilidade de espaços de convívio coletivos.
Durante a semana que estive visitando a cidade, fiz como das outras vezes, a mochila nas costas, e uma agenda da semana cheia com vários lugares que eu gostaria de visitar, como o centro da cidade, livrarias, sebos, praças, parques, museus, restaurantes, e é claro as informações básicas de como chegar nos lugares de ônibus e metrô. Uso há muito tempo o transporte coletivo, em todas as cidades que morei, seja Passo Fundo, Pelotas, Bagé ou agora a Chapecó. Em São Paulo foi assim, andei de ônibus, lotações e metrô. É uma maneira de sentir a cidade bem perto, e como a população vive o seu cotidiano. E a metrópole São Paulo está condicionada a usar transporte de massa. Não há alternativa. A idéia de que cada um terá seu carro é equivocada pra qualquer lugar, mas aqui é mais premente, mais urgente, mais visível. É preciso investir e melhorar constantemente o transporte coletivo, para oferecer um serviço de qualidade para a grande massa de pessoas trabalhadoras. Eu defendo que o transporte coletivo deve ser gratuito e financiado pelos que têm automóveis, porque o povo que usa o coletivo presta um serviço de relevância social ao não circular de carro individual. Quem quer andar de carro deveria financiar o transporte público.
No dia 10 de maio de 2008, o noticiário da televisão informou que a cidade teve um engarrafamento de 266 quilômetros. Tudo parou, congestionou, com os carros em 46 minutos rodando apenas um quarteirão. Atualmente existem 6 milhões de veículos e 3 milhões de motocicletas rodando em São Paulo. São 800 novos carros a cada dia. O ano de 2008 no Brasil bateu recorde de produção e venda de carros, apesar da crise econômica mundial. Continuando assim, estima-se que em quatro ou cinco anos quase dobre o numero de veículos, e a previsão é que o trânsito entre em colapso. Como na previsão contida no livro “Não Verás País Nenhum” (autor Inácio Loyola Brandão), que por volta de 2012 a cidade paralisaria. A profecia apocalíptica está prestes a se cumprir: a cidade parece que vai ter um infarto. Tantos carros soltando fumaça no ar aumenta a poluição, consequentemente as internações. Muitas doenças crônicas surgem devido a poluição, isso aumenta os gastos públicos com saúde. Estima-se entre 4-9% de novos casos de cânceres de pulmão são devido a poluição. Mesmo diminuindo o enxofre no combustível e carros menos poluentes, a verdade é que não há espaço físico para tantos carros. A saída é coletiva. Resta convencer a classe média e os que estão em ascensão que esta é o único caminho. Se não for convencida pela consciência o recurso será implantar o que já existe em outras grandes cidades, a cobrança de pedágios. O que já ocorre em São Paulo é o rodízio onde uma vez por semana 20% dos carros são impedidos de rodar. Em Tóquio, por exemplo, quem quer comprar um carro, tem que pedir licença para a prefeitura e provar que tem lugar para guardar o veículo. Em Londres há pedágio, que estava fixado em R$ 26,00 por dia no ano de 2008, para quem estacionar seu veiculo no centro da cidade. Não tem mais lugar nas ruas, mas todo mundo quer ter o seu carrinho. A média de mobilidade em São Paulo é de 10 km por hora, igual à do século XVII. A poluição faz que a cidade tenha vários climas ao mesmo tempo, o que é alterado por ilhas de calor que se formam durante o dia nas regiões mais urbanizadas, afetando a saúde das pessoas. O custo da poluição dos automóveis na Região Metropolitana de São Paulo para a saúde pública é de R$ 1,5 bilhão por ano, segundo a revista FAPESP (n156, fev 2009) citando estudos da Faculdade de Medicina da Universidade de São Paulo (FMUSP). Estima-se que 40% da poluição do ar é gerado por transportes movidos a combustível fóssil.
Uma semana em São Paulo, andando de dia e também a noite não presenciei nenhum assalto, nenhuma cena de violência. Em alguns lugares como o Parque Trianon, no centro da cidade, no Parque Ibirapuera, há policiamento ostensivo, sente-se a presença do estado e as pessoas parecem sentir-se seguras, andam tranqüilas. Mas a São Paulo que proporciona oportunidades também cria ilusões. Atualmente cerca de 20% dos moradores vivem em favelas, muitas delas em áreas de risco. Somente a favela de Eliópolis tem 100 mil habitantes. Há muito desemprego, trabalho informal, tráfico de drogas, moradias precárias e sempre improvisadas. Aliás, a própria vida de milhões parece estar sempre improvisada e a espera de milagres. A cidade precisa de grandes projetos de urbanização, que humanizem o cotidiano, que além de moradias dignas proporcione lazer, educação, esporte, saúde, convivência e criação cultural. Tudo tem solução, mas precisa de vontade política e ter prioridades.
O centro da cidade, na Praça da Sé e seus arredores a cidade fervilha, com muitos populares circulando. Uma coisa que chama a atenção são os artistas populares. São muitos os artistas que ganham – ou tentam ganhar – a vida com seus dotes, seus truques, seus dons. Com destaque para os nordestinos, e suas sanfonas, alguns contadores de estórias, repentistas. Mas por lá se vê sempre alguém tocando violão e cantando. Nota-se também a presença de religiosos que pregam suas crenças, tentando convencer as pessoas. No centro há pregadores evangélicos, uns vestidos com roupas de frades, baianas colocando búzios, ciganas, e outros. Andei pelas ruas, tirei fotos e tomei café. Nos arredores da Praça da Sé, visitei alguns sebos, comprei vários livros, com destaque para um do grande líder socialista russo Lênin sobre a economia russa do início do século XX, outro livro chamado A História da Cultura, de conteúdo de antropologia, e um belo livro importado sobre árvores, com ricas ilustrações. Mas uma cena deprimente é ver no centro da cidade mendigos a praça, e principalmente pessoas drogadas, viciadas em crack, atiradas nas calçadas, condenadas pelo vício.
Visitei o Mercado Público de São Paulo e valeu a pena. Este é um espaço público que também foi revitalizado pela prefeitura na gestão de Marta Suplicy e hoje é um local de visitas, de compras, de convívio humano e de valorização da alimentação e da cultura. Nas bancas do mercado se compra de tudo em termos de alimentação, com destaque para queijos de várias partes o mundo, grãos, carne de sol, embutidos diversos, temperos, conservas, frutas secas e naturais, bacalhau seco e muitos outros produtos de origem vegetal e animal, como peixes e carnes diversas. No mercado tem várias lanchonetes e restaurantes onde se encontra sanduíches de mortadela, pastéis e bolinhos de bacalhau, tradicionais da cidade. Pode-se comer acompanhados de chope ou de café. É um ótimo lugar para se visitar e sentir o humano e histórico que há na metrópole, conversar ou só observar o convívio. Um espaço especial, que resgata a tradição, respeita a cultura popular dos mercados públicos e se compra e se come com qualidade.
O museu do Ipiranga é de grande beleza, iniciando por sua arquitetura e seus jardins. Mas o acervo do museu é de grande importância cultural e histórica para o Brasil. Além deste visitei o museu Anchieta, a Pinacoteca, a Estação da Luz, e é claro o MASP – Museu de Arte de São Paulo. No MASP pude ver obras de grandes artistas nacionais e internacionais como Van Gogh e Monet. A arquitetura e a engenharia moderna do MASP impressionam, é sem dúvida, um patrimônio cultural do país. Em frente a famosa Avenida Paulista, onde comprei vários livros numa banca a R$ 9,90, como um biografia do líder palestino Yasser Arafat e um grande livro chamado Vida uma biografia não autorizada, que trata da evolução da vida no planeta. Andando umas três quadras dali descendo pela famosa Rua Augusta encontrei uns sebos e umas lojas de discos, e um vendedor ambulante do qual comprei uns documentários e filmes raros, como The Corporation, A Guerra do Fogo, a Sociedade do Espetáculo, Admirável Mundo Novo. Um camelô de grande relevância cultural, que ao tentar fazer negócio comigo corria dos fiscais da prefeitura. Para poder compra tive que esperar ele ir e vir, se escondendo da fiscalização. E por perto, sempre se acha bons locais pra tomar um cafezinho e observar o movimento.
Em uma noite tive o privilégio se subir a novíssima e belíssima Ponte Estaiada, que se projeta como um novo cartão postal da cidade. Uma grande obra da engenharia moderna, que reitera que as pontes não são somente úteis, mas podem ser também cartões postais para serem admiradas e lembradas, tornando-se símbolos, como acontece com cidade como São Francisco, Nova York, Londres, Brasília. Aponte é sustentada por cabos de aço, com duas pistas que se cruzam sobre o Rio Pinheiros. Um dia de noite passamos pelo sambódromo e deu pra ver a grandeza da festa, que em São Paulo fica a cada ano maior, e se aproxima do carnaval carioca.
Visitei a Galeria do Rock, local especializado em coisas do universo da música, ou mais especificamente do rock ‘n roll. Ali se encontra de tudo, como discos antigos, atuais, comuns ou raros, importados. Roupas, como camisetas de bandas, instrumentos diversos, indumentárias que povoam o imaginário da juventude rebelde. Aliás, na Galeria do Rock, é cheio de gente rebelde, de muitas tribos, de gostos variados, que se sente no visual. Poderia se dizer que São Paulo tem um templo dedicado ao rock. Comprei botons para por na jaqueta, das bandas The Doors, The Rolling Stones, Rush.
No domingo e penúltimo dia fomos com toda a família ao um passeio no Zoológico, onde ao lado do Parque funciona um Safári, onde se pode entrar no meio da mata, por uma estradinha e ir observando os animais soltos, alguns circulando por entre os carros. Um mergulho na natureza, bem pertinho da cidade de concreto.
São Paulo é assim, com favelas, com bairros classe média de contínuos de casas gradeadas, com torres de prédios modernos. Com a Avenida Paulista que se impõe como centro do capitalismo brasileiro. São Paulo traz em si as contradições do mundo. A região metropolitana tem umas das bases operárias mais organizadas do mundo, com um sindicalismo que ajudou a democratizar o país. A cidade já foi governada por esquerda e direita, onde ambas têm bases sociais de influência na política nacional. O encontro dos contrários. O contraditório em movimento.
Na segunda-feira de carnaval, mês de fevereiro, Roger, Cris, Richard foram me levar no aeroporto de Guarulhos, onde peguei o vôo para Porto Alegre, depois ônibus Unesul para Passo Fundo e Palmeira das Missões. Trouxe muitas fotografias, muitos livros, alguns cartões postais. Mas, sobretudo, muitas lembranças legais.
A vida sempre vale a pena, mas mais ainda quando somos capazes de romper barreiras impostas, quebrar ritos, e ter novos conceitos, colocando abaixo antigos e novos preconceitos, quando passamos a ver as coisas com novo olhar. Mudar a perspectiva do olhar as vezes implica em mudar a própria vida.
Acredito que devemos globalizar a solidariedade, o otimismo e as esperanças coletivas são as saídas para um mundo melhor. E, não adianta negar a metrópole e achar que as pessoas um dia voltarão ao campo para serem felizes. Deve-se assumir a tarefa gigantesca de democratizar a riqueza, garantir e universalizar direitos, socializar os sonhos, e acreditar que a vida na metrópole pode sim, ser como a harmonia que sentimos no Parque Ibirapuera, no Parque Trianon, no Parque Água Branca, no Parque da Luz. Eu acredito que pode sim, a vida ser assim.

Demilson Figueiró Fortes
Chapecó-SC, 2009.