Legislação
ambiental do RS: mudar pra quê e pra beneficiar quem?
Por
Demilson Fortes
Nesta
terça-feira, dia 23 de fevereiro, a Comissão de Constituição e
Justiça (CCJ) da Assembleia Legislativa do Rio Grande do Sul aprovou
a criação de uma subcomissão com o objetivo de analisar,
atualizar e aperfeiçoar o Código Estadual do Meio Ambiente,
proposta pelo deputado Frederico Antunes (PP). No requerimento
do proponente, não consta nenhuma justificativa consistente capaz de
endossar a necessidade de tal 'aperfeiçoamento', bem como
argumentos razoáveis provando que a proposta melhoraria a eficiência
da proteção ambiental e a busca pela realização da
sustentabilidade.
O
Código Estadual do Meio Ambiente, Lei nº 11.520 de 03 de agosto de
2000, é a principal normativa da legislação ambiental do Estado do
Rio Grande do Sul, uma espécie de espinha dorsal da legislação
ambiental estadual. Sua elaboração foi prevista no artigo 40 do Ato
das Disposições Constitucionais Transitórias da Constituição
Estadual.
Diante
da aprovação da subcomissão, cabe formular algumas questões
básicas, mas importantes: será que é preciso rever todo o Código
Estadual do Meio Ambiente? Mudar pra quê? Mudar pra beneficiar quem?
Infelizmente, sob o eufemismo de 'atualização',
'aperfeiçoamento' e 'modernização', os conservadores,
reiteradamente, tentam impor pautas que atendem interesses setoriais,
corporativos e imediatistas, seja no âmbito estadual ou federal, que
na prática, se configuram em retrocessos.
Essa
iniciativa coloca riscos à proteção ambiental. O Brasil vive uma
conjuntura de crise política e econômica, onde é quase impossível
realizar um debate razoavelmente equilibrado e qualificado, em que
prevaleça o interesse público e compromisso com a sustentabilidade.
No último período, houve crescimento no país das pautas
conservadoras que propõem retirar direitos dos trabalhadores, com
ataque brutal aos direitos humanos com tentativas de regredir nas
garantias legais dos povos indígenas, quilombolas, jovens, mulheres.
Prosperam no Congresso propostas que enfraquecem a proteção
ambiental.
No
âmbito estadual, o governo do Estado é comandado pelo Sr. José Ivo
Sartori, um político de perfil neoliberal, que na sua trajetória já
demonstrou não ter compromissos com a proteção ambiental, onde a
secretária da área ambiental é conhecida por posturas polêmicas e
pouco comprometimento com o meio ambiente. Não há iniciativas de
fortalecimento e qualificação dos órgãos ambientais de Estado, ao
contrário. Trata-se de um governo que não se preocupa se o Estado
deixa de cumprir com as suas funções públicas, que não realiza
investimentos para qualificar a gestão ambiental e é sustentado por
uma maioria parlamentar conservadora, pressionado por setores
econômicos patronais. Portanto, há de se pressupor que,
dificilmente, se produzirá algo na perspectiva da construção da
sustentabilidade. Há setores conservadores que apostam na
fragilidade da esquerda e do pensamento progressista nesta conjuntura
de crise política nacional.
Infelizmente,
nos últimos tempos as pautas ambientais quando tramitam nos
parlamentos estadual e federal, vêm no sentido de retirar proteção
ambiental e sugerir facilidades que fragilizam a proteção do meio
ambiente. Por óbvio, cada deputado tem todo o direito de defender
projetos e ideias, a democracia permite isso. Mas todos sabem que
iniciativas de 'aperfeiçoamento' de leis ambientais partindo de um
parlamentar de direita, tradicional representante dos grandes
produtores, ideologicamente alinhado com das entidades patronais
Farsul, Fiergs e Fecomércio, as suas ideias e projetos estarão
sintonizados com estes setores e com a visão de desenvolvimento que
eles representam. Fica difícil esperar defesa de proteção do meio
ambiente de quem nunca se ocupou com tais pautas.
Com
justificativas de relevância socioambiental, visando aperfeiçoar os
instrumentos de proteção ambiental e sustentabilidade, é
plenamente possível fazer o debate da legislação. Mas, se
necessário, avalio que este deveria ser pontual, ou seja, apontar
onde se propõe alguma alteração com as devidas justificativas,
abrindo uma discussão plural, com amplos setores da sociedade que
tem relação com o tema, seja por interesse setorial (agricultura,
indústria, comércio etc) ou ligados à proteção ambiental,
universidades e instituições de pesquisa e Ministério Público.
A
população precisa estar atenta, porque na esteira da proposta de
'modernizar', se produz retrocessos, retirando proteção e
reforçando uma visão equivocada de desenvolvimento, que nos levou a
essa situação de crise ambiental generalizada.
Mais
uma vez, se faz necessário a presença constante e ativa da
sociedade civil organizada, exigindo do parlamento, democracia,
participação social, debate plural e predominância do interesse
público. A sociedade deve evitar que prevaleçam os interesses
setoriais econômicos e imediatistas, bem como os aventureiros,
eleitoreiros e demagógicos. A sociedade que barrou há pouco tempo
uma tentativa de retrocesso na Lei Estadual nº 7.747/82, que trata
do controle dos agrotóxicos, é novamente convocada a fazer
história. O futuro está sempre em disputa.
É
basilar no direito ambiental, os princípios da prevenção e da
precaução, ou seja, buscar minimizar riscos e evitar danos,
aumentando as garantias de sustentabilidade. Debater a legislação
ambiental, portanto, de forma séria e qualificada, seria assumir
como pressuposto, a complexidade e a responsabilidade ética com
tema, estabelecendo como referência e objetivo, não repetir
tragédias como da barragem de Mariana (MG). Seria, por exemplo,
incorporar no âmbito estadual as preocupações com as mudanças
climáticas, que levaram dos chefes de Estado a Paris a fim de
construir o maior acordo ambiental da história. Mas o que motiva
querer mudar a Lei? Quais serão as referências? Satisfazer a base
eleitoral que tem olhos somente na Bolsa de Chicago, ampliar áreas
de produção e ocupação territorial, ou assumir os compromissos
estratégicos de longo prazo, pensando na segurança e qualidade de
vida das futuras gerações que aqui hão de viver nos próximos
séculos? Há uma questão ética de fundo nesse debate.
Para
acrescentar, também foi aprovada na Comissão de Saúde e Meio
Ambiente, uma subcomissão para tratar do Cadastro Ambiental Rural
(CAR) do Código Florestal, proposta do deputado Elton Weber (PSB).
Há ainda uma proposição do deputado Ciro Simoni (PDT) de
subcomissão para tratar do Código Estadual do Meio Ambiente (vai
atuar conjuntamente à CCJ), além de iniciativa de debate da
legislação do Zoneamento Ecológico-Econômico do Litoral Médio,
que tem produzido discussões polêmicas e levanta críticas de
alguns setores.
Enfim,
o meio ambiente está em pauta em 2016. Porém, a dúvida é: será
que o propósito é preservá-lo? Será que estão preocupados com os
interesses estratégicos da população, com os ecossistemas e com as
futuras gerações? Depois de secas dramáticas, mudanças climáticas
e uma crise ambiental que tende a se agravar, poderíamos ter
evoluído e debater sobre como proteger mais e melhor. Mas, pelo que
se vê, a economia e as respostas simplistas sempre tendem a se impor
na agenda política.
Pelo
retrospecto e pelo contexto, temos razões para pessimismo e
preocupação. Está colocada a questão: como analisar e aperfeiçoar
legislações tão importantes sem deixar se contaminar por
proselitismo político, interesses econômicos setoriais e
imediatistas? Espero que o parlamento gaúcho não se coloque na
contramão da história. Que consigam lembrar da tragédia de
Mariana, para não repeti-la.
Demilson Fortes, engenheiro agrônomo, ecologista.
Publicado no Sul21, em 29 de fevereiro de 2016.