16/04/2013
"A
Economia Verde é imediatista"
Camila
Nobrega, do Canal Ibase
Durante
mais de um século, multiplicaram-se teorias econômicas que não
levavam em conta a natureza em cálculo algum. Atualmente, porém, só
cresce o número de economistas que começam a olhar para a economia
não como um sistema isolado, mas como parte de um todo, submetida às
leis da natureza e aos impactos que causa nos homens. São os
chamados economistas ecológicos, que propõem uma visão mais ampla
do sistema. Entre as principais referências do tema no país está o
economista e professor da Universidade de São Paulo (USP) José Eli
da Veiga, autor de 21 livros, que assina a abertura do livro “O
Decrescimento – entropia, ecologia, economia”, lançado mês
passado pela editora Senac. É a primeira tradução em português da
obra do matemático e economista romeno Georgescu-Roegen, cujo
pensamento foi renegado por décadas entre os círculos da área e,
agora, está sendo retomado. Nesta entrevista, José Eli fala não
apenas da teoria de Georgescu, como do crescimento da Economia
Ecológica em si, em oposição à Economia Verde.
Canal
Ibase – Qual o significado da chegada da obra de Georgescu-Roegen
ao Brasil?
José Eli
da Veiga – Muitos jovens ainda hoje saem das faculdades de Economia
do país sem ter lido a obra dele. Na década de 1970, Roegen
publicou livros e artigos importantes que não foram reconhecidos
pela academia. A incorporação da Lei da Entropia (2ª lei da
termodinâmica, cuja essência é a degradação da energia em
sistemas isolados) na economia, proposta pela primeira vez por ele,
não foi bem aceita e Georgescu foi posto de lado. Nos últimos
tempos, ele tem sido revisto, mas no Brasil só havia obras
circulando em francês, o que dificultava o acesso de alunos.
Consegui, finalmente, que este autor fosse publicado em português.
Ele foi um gênio, precisa ser mais lido.
CI –
Embora ele mesmo nunca tenha usado essa denominação, Roegen foi uma
das principais inspirações para o movimento da Economia Ecológica.
Como o pensador via a questão do limite da natureza para o
crescimento da economia?
JEV –
Não se trata exatamente de limites, como alguns economistas falam
hoje. O foco dele era outro. Georgescu teve, ainda nos anos 1960, um
estalo sobre a Lei da Entropia. Ele jogou luz sobre o fato de que os
economistas lidavam com a produção econômica como algo
independente, isolado. Os recursos naturais eram vistos como
infinitos, e por isso não entravam na conta. Só que este romeno
percebeu a relação de interdependência entre ambos. A Lei da
Entropia não pode simplesmente ser descartada, porque ela age sobre
a economia.
CI – Ou
seja, ele percebeu que existe uma perda de energia associada aos
processos econômicos, certo? E há energia dissipada que nunca se
recupera…
JEV –
Sim, o foco dele não é sobre o esgotamento de recursos. Ele é
anterior à discussão sobre mudanças climáticas, que está em voga
hoje. Georgescu se debruçou sobre o fato de que os recursos naturais
têm uma energia que se dissipa, à medida que são usados pela
economia. No início da carreira, ele tinha o foco de estudo voltado
para o consumo. Depois, percebeu que precisava se dedicar à questão
da produção. E concluiu que, uma vez utilizados para a produção
de algo, os recursos terão uma parte de energia que nunca mais será
utilizada. É uma parte que se perde no processo. Mas os cálculos de
produção na economia não levam isso em conta. Tomemos como exemplo
as energias fósseis. Para Georgescu, o limite do crescimento se
daria ao passo que a utilização delas reduziria a quantidade de
energia inicial do processo.
CI –
Mas o pensamento dele ainda não chegou à esfera prática da
economia. Em conferências internacionais sobre o meio ambiente e o
desenvolvimento sustentável, como a Rio+20, Conferência da ONU
realizada ano passado, esta abordagem não passou nem perto das salas
de conferência…
JEV –
Eu não esperava mesmo que um encontro como a Rio+20 discutisse esse
tipo de assunto. Ocorre que os prazos dessa discussão proposta por
Georgescu talvez sejam séculos. Não sabemos quando vai acontecer,
mas a perda gradual desses recursos naturais vai levar a um ponto
máximo. Na Rio+20, discutem-se soluções mais imediatas. A
transição de que se fala nessas salas de conferência é outra, que
as Nações Unidas chamaram de Economia Verde. Já Georgescu foi um
dos pais da Economia Ecológica, que defende uma outra transição,
não apenas tecnológica. Ele acredita também que, em algum momento,
haverá decrescimento. A economia, segundo ele, não poderá se
manter apenas estável.
CI – E,
dentro da Economia Verde, as propostas são de adequações mais
simples. Não há uma grande mudança de paradigma econômico, certo?
JEV – É
outro foco. Na discussão atual, existe uma crença de que vai haver
descolamento entre crescimento do PIB (Produto Interno Bruto, a
medida de riqueza mais utilizada como parâmetro de comparação no
mundo) e os impactos ambientais. A ideia é que o avanço tecnológico
vai permitir a manutenção do crescimento econômico. Ou seja, a
tese da Economia Verde é que, em determinado momento, o PIB poderá
continuar aumentando e os impactos vão diminuindo. Para isso,
economistas desta corrente apresentam dados sobre queda de emissões
de carbono por unidade de produção. Na prática, significa que para
cada unidade produzida, a quantidade de carbono usada diminuiu. Mas
isso só serve em termos relativos. Quando pegamos o conjunto total,
como a produção aumenta, a quantidade absoluta também cresce.
O impacto
na atmosfera, portanto, continua aumentando e muito. O único
argumento novo que deve ser analisado ainda é em relação à
Inglaterra. Estudos recentes mostram que o país está conseguindo
manter o PIB em crescimento, reduzindo as emissões.
CI –
Mas, nesse caso, estamos falando de um país com um desenvolvimento
mais avançado, e com condições de apostar em inovações
tecnológicas. No entanto, se as nações mais pobres dependerem de
tecnologias que não podem bancar, sem que haja transferência, como
elas farão?
JEV –
Aí está o problema. Será que a humanidade resolverá os novos
desafios tratando o problema com as mesmas receitas antigas. Nesse
caso, não se atacam os sintomas. A Inglaterra é um caso de economia
madura, e parece que o mesmo processo pode estar acontecendo também
na Holanda. Mas o cenário encontrado lá não é o mesmo de países
pobres. Será possível apostar nesse modelo, e que todos os países
alcançariam uma maturidade que os permitiria crescer, reduzindo, por
meios tecnológicos, os impactos ambientais?
CI –
Ainda assim, este pensamento não leva em conta os impactos sociais
associados ao crescimento econômico desenfreado. Estas questões
fazem parte da Economia Ecológica?
JEV –
Sim, a economia não pode ser vista como um sistema isolado nem das
questões ambientais, nem sociais. Estamos falando sempre de uma
mesma coisa. No caso da Inglaterra, por exemplo, estamos falando de
uma economia madura em vários sentidos. É uma sociedade cujo acesso
a serviços é outro, onde há um parâmetros de educação, saúde
mais elevados e compartilhados pela população. Não é a economia
em si, isoladamente, que levará nações a reduzirem impactos
socioeconômicos significativos.
(Canal
Ibase)
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