Pressão
maior levará a pacto climático, avalia Al Gore
Al Gore
afirma que em dezembro de 2015, em Paris, o mundo estará pronto para
assinar um acordo climático global. A consciência crescente quanto
à mudança do clima, o aumento no número de eventos climáticos
extremos e a pressão maior da população sobre os governos para que
enfrentem o problema serão o pano de fundo de um tratado mundial,
diz o ex-vice-presidente dos EUA. "É difícil para nós, como
seres humanos e cidadãos de nossos respectivos países, imaginar que
o mundo poderia agir em conjunto. Mas precisamos. É o único jeito
de resolver esta crise".
A
entrevista é de Daniela Chiaretti, publicada pelo jornal Valor,
05-11-2014.
Os EUA
preparam uma estratégia para participar do acordo global e, ao mesmo
tempo, conseguir driblar os congressistas republicanos que são
refratários ao tema e barrariam a ratificação de um acordo do
gênero no Congresso. Os negociadores americanos têm falado em um
acordo "híbrido". Gore dá pistas: "Um dos acordos
mais bem sucedidos foi o assinado no Brasil, em 1992, a Convenção
do Clima das Nações Unidas. Todas as outras negociações estão
sob aquele guarda-chuva." O Congresso americano ratificou a
convenção, ou seja, a tornou lei nos Estados Unidos.
O caminho
seria atualizar a convenção com os novos compromissos que surgirem
do tratado climático de Paris, sem que seja necessário ter de
passar por novo crivo do Congresso americano. O presidente Barack
Obama, que já conseguiu o aval da Suprema Corte para limitar as
emissões de gases atmosféricos que façam mal à saúde, foi
bem-sucedido em enquadrar os gases-estufa neste critério.
Na
prática, isso significa que o Executivo americano pode tomar
decisões de reduzir emissões sem ter que passar pelo Congresso.
Esta pode ser a fórmula para remover um dos principais obstáculos a
um acordo climático global.
Já há
alguns anos, lembra Gore, o presidente americano "tem o dever e
o direito de agir" em casos de "poluição atmosférica
perigosa". Ele emenda: "Agora os cientistas estão nos
dizendo, de maneira clara, que esta [a emissão de gases estufa] é
uma forma perigosa de poluição atmosférica, porque ameaça o
futuro da civilização. Então, independentemente dos políticos, o
presidente pode agir por conta própria."
Al Gore,
de 66 anos, que por oito anos foi vice-presidente de Bill Clinton em
um dos períodos mais prósperos da economia americana, está no
Brasil esta semana para dar o seu 26º treinamento em mudança do
clima, iniciativa que vem promovendo ao redor do mundo nos últimos
anos. Trata-se do Projeto Realidade Climática que, no Brasil, é
feito em parceria com a ONG Amigos da Terra - Amazônia Brasileira,
que comemora 25 anos de existência.
Hoje, no
Rio de Janeiro, Gore falará sobre clima o dia todo. Na plateia, mais
de 800 inscritos, a maioria do Brasil, mas também de outros 52
países. São profissionais liberais, estudantes, banqueiros e
bancários, ambientalistas, religiosos, fotógrafos. Na fila de
espera havia mais de mil pessoas.
"A
pressão dos cidadãos tem que ser mobilizada para convencer os
formuladores de políticas a fazer a coisa certa", diz Gore, que
pretende envolver o maior número de pessoas possíveis no
enfrentamento da mudança do clima. "Escutar este assunto de um
amigo, um vizinho ou um colega de trabalho em quem você confia,
frequentemente tem mais impacto do que se a informação vier pela
televisão", disse ele, em entrevista ao Valor na segunda-feira,
na qual falou sobre clima e preferiu não tratar das eleições de
ontem para o Congresso americano.
Al Gore
falou também sobre a seca em São Paulo, o desmatamento da Amazônia
e como os californianos estão se adaptando à longa seca que
enfrentam em seu Estado.
Eis a
entrevista.
A síntese
do último relatório do IPCC, o Painel Intergovernamental sobre
Mudança Climática da ONU, acaba de sair e suas conclusões deveriam
soar um alerta. O sr. acha que isso irá acontecer ou as pessoas
estão se acostumando com esse tipo de péssima notícia?
Acho que
soará um alarme que as pessoas irão escutar porque estão recebendo
a mesma mensagem da natureza. Eventos extremos relacionados à
mudança do clima tornaram-se uma centena de vezes mais comuns nos
últimos 30 anos. Eventos que aconteciam a cada 500 ou mil anos estão
ocorrendo com muita frequência. E isso tem chamado a atenção de
muita gente que pode ter ignorado o assunto no passado. Então,
quando o IPCC divulga um relatório tão poderoso, pessoas que estão
buscando explicações prestam atenção. A seca em São Paulo, por
exemplo. Cientistas dizem que a Amazônia é a fonte dos chamados
"rios voadores" que vêm vindo desde a floresta em direção
a São Paulo. Quando as árvores são cortadas ou queimadas a ponto
de a Amazônia não ser mais tão saudável como foi isso tem um
impacto na transferência de água através do céu para a segurança
de São Paulo.
São
Paulo vive uma grave seca e escassez de água. As pessoas estão
preocupadas, tentam poupar água, mas não sabem bem o que fazer. O
sr. tem alguma sugestão? Poderia comparar com o que está
acontecendo na Califórnia?
A
Califórnia está em uma situação muito similar a São Paulo. 100%
da Califórnia está experimentando a seca hoje em dia e cerca de 60%
do Estado, de uma forma muito forte. A agricultura está sofrendo
impactos, há restrição de água em algumas comunidades e a
preocupação de que, se a seca se prolongar, os danos econômicos e
na vida das pessoas irão crescer significativamente.
Muito
mais gente, como resultado disso, está fazendo conexões com o que
os cientistas vêm nos dizendo. Quando a temperatura sobe, o solo
fica seco com mais rapidez e as chuvas não têm reposto a água de
maneira tão profunda como ocorria no passado. No caso de São Paulo,
cientistas relacionam a condição de seca com a destruição de
partes da Amazônia.
Nos
últimos anos, o Brasil teve êxito em reduzir o desmatamento, mas
nos últimos dois anos ele voltou a subir. Com mais gente
relacionando o corte e a queimada na Amazônia à redução nos
volumes de água em São Paulo, isso resultará em pressão política
para parar com o desmatamento e a escassez de água no Estado.
A
Califórnia tem um plano para se adaptar à seca?
Tem, sim.
A Califórnia vem exercendo a liderança, entre todos os Estados
americanos, de encorajar o uso de energia solar e eólica em vez de
queimar petróleo, gás e carvão. É o líder do meu país em
promover melhoras de eficiência energética. Tem estimulado novos
negócios que invistam em casas e prédios mais eficientes, no maior
uso de energias renováveis. A Califórnia está fazendo um trabalho
excelente.
O que os
californianos têm feito contra a seca?
Eles
adotaram novas medidas buscando mais eficiência para economizar água
em períodos de seca e elaboraram prioridades para o uso de água com
critérios de justiça para a sociedade.
É
possível ter um acordo climático forte em Paris, em 2015?
Sim,
apoio um acordo forte. Tentamos isso no passado e, na verdade, um dos
acordos mais bem-sucedidos foi o assinado no Brasil, em 1992, a
Convenção do Clima das Nações Unidas. Todas as outras negociações
estão sob aquele guarda-chuva.
Algumas
pessoas estão desencorajadas sobre as chances do mundo de adotar um
novo tratado. Não sou uma delas. Acredito que a demanda do público
por ação está crescendo rapidamente e em um ano, em dezembro de
2015, o mundo estará pronto a adotar um acordo forte.
O sr.
acha que um acordo global é necessário? Alguns acreditam que o
acordo não será forte o suficiente, se ocorrer, e que se deveria
percorrer outros caminhos.
Bem, não
tenho certeza que há outro caminho. A crise é global e, por
definição, exige uma resposta global. Nós colocamos 110 toneladas
de poluição de aquecimento global no céu todos os dias e isso está
aumentando. Se a China lançar no céu, irá afetar o Brasil e os
Estados Unidos; se os EUA jogarem na atmosfera, afetarão todos os
outros países. Então, se apenas alguns países decidirem agir, os
outros continuarão a deixar o problema se agravar para o mundo
inteiro. É difícil para nós, como seres humanos e cidadãos de
nossos respectivos países, imaginar que o mundo poderia agir em
conjunto. Mas precisamos. É o único jeito de resolver essa crise.
O sr.
participou de tentativas de acordo no passado. Acha que o momento
agora é diferente de Copenhague, em 2009, quando as negociações
fracassaram?
Sim.
Desde Copenhague, o número de eventos climáticos extremos cresceu
tão dramaticamente que mais pessoas no mundo enxergam a verdade e
estão prontas a insistir para que seus líderes políticos ajam. Há
um segundo desenvolvimento dramático desde Copenhague: o custo da
eletricidade gerada por painéis solares e geradores eólicos caiu
continuamente e agora cruzou um umbral. Em 79 países do mundo, a
eletricidade de painéis solares é agora igual ou mais barata que a
eletricidade produzida pelo carvão e outras fontes.
Se
sentimos a necessidade de agir e vemos que podemos ser bem-sucedidos
na mudança, então isso altera a disposição das pessoas para
mudar. E temos que dizer que precisamos nos mexer, porque há
oportunidade e porque, se não mudarmos, as consequências serão
dramáticas.
O senhor
acha que mesmo dentro dos Estados Unidos há outra disposição para
um acordo global?
Aqui está
a diferença: a maioria das pessoas agora acredita que é possível
adotar mudanças de abordagem no acordo assinado no Rio [a Convenção
do Clima], desde que respeitam os compromissos do acordo existente e
que já foi ratificado pelo Senado dos EUA. Então o presidente pode
agir [negociar e adotar os compromissos do novo acordo do clima] sem
que tenha que passar novamente pelo processo de ratificação [no
Congresso dos EUA].
Se houver
acordo global em 2015, porque seu futuro, dentro dos EUA, seria
diferente que Kyoto?
Aqui está
a diferença: os advogados falaram agora, de uma maneira bem
persuasiva, e a maioria das pessoas agora acredita que o acordo
assinado no Rio autoriza que, adotando mudanças em sua abordagem -
mas que necessariamente cumprem os compromissos de um acordo
existente e que já foi ratificado pelo Senado dos EUA -, então o
presidente pode agir sem que tenha que passar novamente pelo processo
de ratificação.
O
problema com os países ricos, em especial os EUA, não é só que
consomem muitos recursos, mas também que se tornam o referencial de
consumo para o resto do mundo. Se todo mundo quiser consumir como os
americanos, precisaremos de outro planeta. Mas como fazer para que os
americanos consumam menos, já que o modelo socioeconômico da nossa
sociedade os estimula a consumir mais? A mensagem que a população
recebe diariamente é que você só é alguém se consumir bastante.
Isso está
mudando com as tecnologias digitais que nos ajudam a acompanhar nosso
uso e desperdício de energia. Estamos vendo um novo padrão, com
crescimento econômico sendo desconectado do aumento no consumo de
energia. Por exemplo, o número de quilômetros que os americanos
costumam dirigir está começando a diminuir. Vemos crescimento
econômico sem que o consumo de energia cresça. E os países mais
pobres e também os emergentes têm a oportunidade de saltar aquelas
velhas e poluentes fontes de energia, que os EUA e outros países
ricos usavam anos atrás.
Pense em
telefones celulares. Quando eles apareceram nos EUA e outros países,
já havia telefones fixos ligados a redes e quando alguém queria um
celular era algo adicional. Mas em países pobres da África e do sul
da Ásia, por exemplo, não havia serviço de telefonia algum. Então
eles saltaram direto para os celulares. E hoje, na maioria da África,
há mais comércio de celulares do que nos EUA ou no Brasil, porque
esse é o único telefone que eles têm.
Outro
exemplo de como pode ser o futuro: painéis solares estão
disponíveis às pessoas, hoje, em países que não têm rede
elétrica. É muito caro para países africanos ou para Bangladesh
erguer redes de fios de cobre, mas agora painéis solares podem ser
vistos em cabanas em vilarejos africanos. Eles nunca teriam
eletricidade em pontos tão remotos se não fosse assim. Eles agora
têm a oportunidade de desenvolver e aumentar seu padrão de vida sem
a poluição que acompanhou o nosso aumento de padrão de vida.
Mas e o
hábito que temos de consumir muito?
Acredito
que isso está começando a mudar, principalmente entre as gerações
mais jovens. Muitos jovens nos EUA estão decidindo, principalmente
se vivem em cidades, a não comprar carros. Eles usam outros modelos,
de compartilhamento de carros, por exemplo, que são possíveis de
fazer pela internet.
A entrevista é de Daniela Chiaretti, publicada pelo jornal Valor, 05-11-2014.
http://www.ihu.unisinos.br/noticias/537111-pressao-maior-levara-a-pacto-climatico-avalia-al-gore
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