O
“sistema venceu” nos ODMs
POR
CLARISSA PRESOTTI - Revista
Página 22
Entrevista
com Enrique Leff
O
economista mexicano Enrique Leff acredita que as metas dos Objetivos
de Desenvolvimento do Milênio (ODM) poderão ser alcançadas até o
prazo estabelecido de 2015. No entanto, Leff, que é referência
mundial nos campos da Economia Ambiental e da Ecologia Política,
avalia que muitos acordos globais sobre meio ambiente seguem uma
lógica genérica e mercantilista. Para ele, a sustentabilidade não
pode ser limitada à construção de metas dentro de uma
contabilidade econômica. A agenda global de desenvolvimento pós-2015
começou a ser discutida em setembro, quando teve início a 68ª
Sessão da Assembleia Geral da ONU.
Veja a
seguir os principais trechos da entrevista que concedeu a PÁGINA22
logo após falar (criticamente) sobre economia verde no V Congresso
Brasileiro de Jornalismo Ambiental, realizado de 17 a 19 de outubro
em Brasília.
O
planeta entra na reta final para cumprir os Objetivos de
Desenvolvimento do Milênio (ODM). O senhor acha que é possível
países em desenvolvimento atingirem compromissos como a redução da
pobreza e das desigualdades e ainda proteger o meio ambiente?
Esses
Objetivos do Milênio foram já pensados de uma forma tão genérica
que talvez consigam, dentro da codificação que fizeram de toda essa
complexa problemática, reduzir pela metade, até 2015, todos os
males do mundo, como a pobreza, a desigualdade social ou a
desigualdade de gênero, a saúde, a educação e a sustentabilidade.
Então, pela forma como foram pautados, está-se perto de conseguir
mostrar ao mundo que o sistema venceu. Pois basta considerar os 1,3
bilhão de habitantes chineses que elevaram o nível de vida com o
boom de crescimento da China.
Ou mesmo
no Brasil, como resultado do programa Fome Zero. A pobreza está
sendo medida sobre a ideia de uma mercantilização das coisas do
mundo, das necessidades humanas, do sentido da vida mesma, em termos
de ingressos monetários. O resultado é uma montagem para mostrar
que essa forma de gerar o desenvolvimento dá certo. E assim vão
conseguir medições que podem dar certo, mas gerando outros efeitos
negativos, como a destruição do meio ambiente e dos modos de vida
tradicionais sustentáveis. No fundo, os Objetivos do Milênio foram
acordados dentro da geopolítica dominante do chamado
“desenvolvimento sustentável”, que representa uma estratégia
para se desviar das questões fundamentais sobre a construção de um
mundo sustentável, além da capacidade restringida da modernização
ecológica sujeita à globalização econômica.
O
senhor acredita que os países emergentes conseguiriam assumir um
papel de liderança nos esforços em prol da justiça social e a
sustentabilidade ambiental, levando em consideração os desafios
globais?
À medida
que os países emergentes se inserem na lógica do mercado, da
geopolítica do desenvolvimento sustentável e do simulacro da
economia verde, será impossível fazer uma mudança dessa
racionalidade dominante e responder aos desafios globais da crise
ambiental. Mas penso que um país como o Brasil tem os recursos para
assumir uma liderança para uma transformação civilizatória
orientada para a sustentabilidade da vida a partir da produtividade
da natureza, da criatividade e da diversidade cultural. Conseguir
dessa forma a sustentabilidade é um processo muito complexo e
desafiante. Mas o Brasil reúne as condições, pois possui uma
produtividade ecológica como nenhum outro país no mundo. No Brasil,
existem debates importantes sobre a questão ambiental e movimentos
sociais voltados para a construção de outras racionalidades
ambientais. Existe uma consciência cidadã nas universidades e redes
socioambientais diversas: de agroecologia, extrativismo, conservação
e diversos movimentos sociais sobre questões fundamentais que estão
sendo debatidas.
Então,
existe uma possibilidade dentro do espaço da democracia deliberativa
para abrir novos canais de diálogos e alianças para construir a
sustentabilidade por vias muito mais inovadoras. Se países como o
Equador e a Bolívia, com muito mais limitações, podem tentar se
desengajar dos poderes hegemônicos da globalização e abrir outras
vias de sustentabilidade, por que o Brasil não? E como os países
estão fazendo para abrir esses novos canais?
Vários
grupos sociais de diversos países estão abrindo novos caminhos por
meio dos movimentos socioambientais de resistência ao modelo
dominante e suas manifestações – como na mineração e na
agricultura transgênica – e por novos processos de reapropriação
da natureza, como as reservas extrativistas, a agroecologia e a
justiça ambiental. Mesmo que esses movimentos ainda sejam muito
dominados pelo desenvolvimentismo, agora existe, sim, uma
complexidade e multiplicidade de processos socioambientais que, no
espaço da democracia, podem gerar ações inovadoras, por meio de um
diálogo de saberes para outras formas de sustentabilidade.
O
senhor diz que estamos vivendo uma crise ambiental global agravada
por um cenário catastrófico climático. E que, ao mesmo tempo,
existe uma mudança na forma de agir e pensar das pessoas sobre a
natureza. Isso é suficiente para reverter esse quadro?
Há ainda
muita resistência das instituições e das pessoas em mudar e abrir
novos processos. E essa mudança somente é possível com uma grande
mobilização social sobre outros fundamentos ontológicos e outras
perspectivas do futuro da humanidade, com um compromisso que é
preciso mudar as tomadas de decisões e abrir o campo político para
experimentar e construir outros modos de sustentabilidade. Neste
cenário, o Brasil teria que tomar um protagonismo muito mais forte.
Não podemos esperar isso da Índia, da China ou mesmo do México,
que não deixam de ser sociedades com grupos intelectualmente
críticos, mas que estão muito mais envolvidas com o modelo
produtivista atual. No Brasil, embora esteja também envolvido nesse
processo de globalização hegemônica, as propostas de outras formas
de construção da sustentabilidade têm mais ressonância. Existe
uma sintonia, uma sensibilidade cultural, que é possível de se
encontrar no Brasil em diversos meios acadêmicos e sociais, até
mesmo em alguns espaços empresariais e governamentais.
Mas
existe um longo caminho pela frente mesmo aqui no Brasil, não?
Sim,
existe um longo caminho. É preciso acreditar mais nessas outras
racionalidades, radicalizar os movimentos e legitimar essas vias
alternativas para a construção da sustentabilidade.
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