Razões
e estratégias do Ecossocialismo
Por
Michael Löwy
O famoso
marxista italiano Antonio Gramsci dizia que o revolucionário
socialista deve combinar o pessimismo da razão com o otimismo da
vontade. Desse modo, dividirei em duas partes este artigo que discute
as alternativas de desenvolvimento para superar o modelo
produtivista-consumista. Em primeiro lugar, tratarei do pessimismo da
razão: as coisas vão mal. E, em seguida, do otimismo da vontade:
quem sabe, elas podem mudar, e um caminho para isso é o do
ecossocialismo.
A
primeira parte discorre, portanto, sobre o pessimismo da razão.
Simplesmente somos obrigados a constatar que o atual modelo de
desenvolvimento do capitalismo industrial moderno, particularmente em
sua variante neoliberal, baseada no produtivismo e no consumismo,
está conduzindo a humanidade – e não o planeta – a uma
catástrofe ecológica ou ambiental sem precedentes em sua história.
Por que
digo “a humanidade” e não “o planeta”? Porque o planeta,
qualquer que seja o estrago que façamos, vai continuar tranquilo,
girando. Ele não será atingido. Quem será afetada pelo desastre
ecológico será a vida no planeta, serão as espécies vivas, dentre
elas a nossa, o Homo sapiens. Esse é o âmago do problema, que serve
para evitar discussões um pouco abstratas, como “temos que salvar
o planeta”.
Porém,
não é o planeta que está em perigo, somos nós e as outras
espécies vivas. Isso porque a lógica atual do sistema, de expansão
e crescimento ao infinito, e o atual modelo de desenvolvimento, que
segue a lógica do produtivismo e do consumismo, conduzem,
inexoravelmente – e independentemente da boa ou da má vontade de
empresários ou governos – à degradação do meio ambiente e à
destruição da natureza.
Isso se
manifesta em vários aspectos, como no desaparecimento de algumas
espécies. Já se calcula que, com o business as usual, como diz a
expressão americana, daqui a algumas dezenas de anos não vão mais
existir os peixes. São espécies que existem há milhões de anos e
que a humanidade consome há dezenas de milhares de anos. E já estão
desaparecendo.
Outro
aspecto importante é o envenenamento, por meio da poluição, do ar
das cidades, da terra, do solo, dos rios, do mar, ou seja, a
degradação dos equilíbrios ecológicos. Uma série de aspectos que
vão se acumulando, e, com todos esses elementos, o sinal vai
passando do amarelo para o vermelho. No entanto, o mais grave de
todos esses aspectos da destruição do meio ambiente e dos
desequilíbrios ecológicos, o mais ameaçador e inquietante, é a
mudança climática ou o aquecimento global.
Não
farei aqui uma análise científica disso, suponho que já seja de
conhecimento geral. A emissão de gases a partir da queima dos
combustíveis fósseis (carvão, petróleo, gás) e sua acumulação
na atmosfera produzem o efeito estufa e o aquecimento global. Esse
processo, a partir de certo nível de aquecimento, por volta de dois
ou três graus a mais, vai conhecer uma espécie de aceleração e
crescimento descontrolado que pode chegar a quatro, cinco, seis ou
mais graus. E o que vai acontecer com isso?
No livro
Six Degrees: Our Future on Hotter Planet (Seis Graus: nosso futuro em
um planeta mais quente), o especialista inglês Mark Lynas descreve
como será o planeta quando a temperatura subir seis graus. Segundo
ele, se compararmos o inferno de Dante com o planeta com seis graus a
mais, o inferno de Dante vai parecer um passeio de fim de semana. O
autor analisa as consequências disso, como o desaparecimento da água
potável e a desertificação, dois fenômenos que estão
interligados. Alguns pesquisadores já calcularam que o deserto do
Saara pode atravessar o Mediterrâneo e chegar à Europa, às portas
de Roma, dentro de uma longa lista de outros desastres.
Outro
aspecto ainda mais inquietante é a subida do nível do mar, que
resulta do derretimento do gelo dos Polos Norte e Sul, em particular
da Groenlândia, um gelo que não está sobre a água, mas sim em
cima da terra. Já se calculou que, se o nível do mar subir poucos
metros — um, dois ou três —, várias das principais cidades da
civilização humana, como Londres, Amsterdã, Hong Kong, Rio de
Janeiro, ficarão debaixo d’água. Também boa parte do que é a
orla marítima dos países desaparecerá. E o que acontece se
derreter todo o gelo que está no Polo Norte e no Polo Sul? O mar
pode subir até setenta metros, para se ter uma ideia da magnitude da
ameaça.
Obviamente,
isso não vai acontecer na próxima semana, mas esse processo de
aquecimento global e de derretimento dos gelos está se acelerando.
Há alguns anos, os especialistas diziam que esses processos estavam
previstos para 2100, ou seja, para o fim do século XXI. Portanto,
atingiria nossos bisnetos que ainda não nasceram, e precisamos
pensar neles. Só que normalmente as pessoas não se preocupam com o
que vai acontecer com os bisnetos que ainda não nasceram, não é
uma prioridade. No entanto, os trabalhos mais avançados dos
cientistas, os mais recentes, apontam para processos irreversíveis
do aumento de temperatura, com todas as suas consequências, já nas
próximas décadas, antes de 2100. Ninguém pode dizer se será daqui
a vinte, trinta, quarenta ou cinquenta anos, mas a coisa está muito
mais próxima.
Um
exemplo disso são os escritos do cientista americano James Hansen, o
principal climatólogo dos Estados Unidos, que trabalha para a NASA,
e que não é um homem de esquerda, não tem nada a ver com o
marxismo. Hansen é um cientista que há alguns anos vem tocando o
sinal de alarme, mas durante o governo do presidente George W. Bush
tentaram proibi-lo de falar. Mandaram para ele um recado dizendo que
ele era um funcionário do governo americano e que o que ele estava
dizendo sobre o perigo do aquecimento global não era a linha do
governo, o qual considera tudo isso uma bobagem. Pediam, por favor,
que ele calasse a boca, e, mais que isso, afirmavam que estava
proibido de falar.
Um
acontecimento sem precedente desde Galileu, quando a Inquisição
ordenou a ele que não deveria dizer que a Terra se mexe, que estava
proibido pela Igreja Católica. Desde essa época, não houve caso
tão absurdo de um governo proibir um cientista de se manifestar.
Obviamente ele não obedeceu, continua a protestar e a escrever sobre
isso e é respeitado mundialmente como um grande climatólogo.
Ele
afirma que o processo está se acelerando e que é uma questão de
décadas. E os especialistas do gelo — os glaciólogos, que vão
para o Polo Norte e para o Polo Sul e medem e calculam esses
fenômenos — dizem que não estão entendendo nada do que está
acontecendo. Está tudo indo muito mais depressa do que eles
pensavam. Em 2010, fizeram um cálculo de como o gelo estava
derretendo e, em 2011, viram que o cálculo estava errado, que o
modelo utilizado não estava funcionando, que estava indo muito mais
rápido. Portanto, são questões científicas e políticas que têm
a ver com o futuro da humanidade.
De quem é
a culpa dessa ameaça sem precedentes na história da humanidade? Os
geólogos calculam que há 60 milhões de anos houve um processo de
aquecimento global que matou quase tudo o que existia no planeta.
Depois levou algumas dezenas de milhões de anos para a vida voltar
ao planeta. Mas, desde que existe a humanidade, nunca existiu nada
parecido, é algo sem precedentes. Os cientistas dizem que é culpa
do ser humano, que o aquecimento global é resultado da ação
humana. Os geólogos dizem que estamos entrando em uma nova era
geológica chamada Antropoceno. Isto é, uma era geológica em que a
situação do planeta, o clima, depende da ação humana e está
sendo transformada por ela.
Essa
explicação é cientificamente correta, mas eu diria que é um pouco
limitada politicamente. Isso porque a humanidade já vive no planeta
há algumas dezenas de milhares de anos, desde que apareceu o Homo
sapiens, e o problema do aquecimento global, essa acumulação de
gases na atmosfera, vem da Revolução Industrial. Começou em meados
do século XVIII, quando esses gases foram se acumulando, e se
intensificou enormemente nas últimas décadas, as décadas da
globalização capitalista neoliberal. Portanto, o culpado dessa
história não é o ser humano em geral, mas um modelo específico de
desenvolvimento econômico, industrial, moderno, capitalista,
globalizado, neoliberal: esse é o responsável pela atual crise
ecológica e pela ameaça que pesa sobre a humanidade.
Quais são
as soluções que propõem os representantes da ordem estabelecida?
Há uma proposta que é a seguinte: as energias fósseis são as
responsáveis pelo problema, por isso, vamos substituí-las por
formas de energia limpas, que não produzem gases, e são seguras,
como a energia nuclear. Está aí uma solução técnica e fácil
para o problema: construir usinas nucleares. Isso foi feito em grande
escala nas últimas décadas. Em 1986, houve um incidente
desagradável, em Chernobyl, na União Soviética. Cientistas
calculam que as vítimas de Chernobyl que foram morrendo no curso dos
anos, resultado das irradiações, chegam a 800 mil mortos — mais
do que todos os mortos de Hiroshima e Nagasaki, por decorrência da
bomba atômica. O argumento dos responsáveis pela energia nuclear
era de que isso aconteceu na União Soviética, um país totalitário,
burocrático, com tecnologia e gestão atrasadas; no ocidente, com
empresas privadas, isso não aconteceria. Esse discurso foi repetido
muitas vezes até que ocorreu o acidente de Fukushima, no Japão, em
2011. A empresa responsável pela usina, Tokyo Electric Power Company
(TEPCO), é a maior empresa privada de eletricidade do mundo. É a
mais esplêndida manifestação do capitalismo privado no terreno da
energia nuclear. Desse modo, fica claro que essa não é uma
alternativa aos combustíveis fósseis, temos que procurar outras.
Há
alguns anos, na época Bush, vazou para a imprensa um documento
secreto do Pentágono sobre a questão do aquecimento global. O
governo dizia que esse problema não existia, mas os cientistas do
Pentágono sabiam que sim. Apresentaram um documento prevendo o que
iriam fazer se o aquecimento global escapasse de qualquer controle e
chegasse a seis graus, e a vida humana se tornasse impossível no
planeta. Era uma possibilidade considerada pelos cientistas do
Pentágono. A única proposta que conseguiram elaborar foi a de
mandar um foguete para o planeta Marte. Eles inclusive detalham quem
estaria nesse foguete: o presidente dos Estados Unidos, o Estado
Maior do Exército, cientistas etc. Como não estamos convidados para
essa viagem, não nos interessa a proposta. Esse é apenas um exemplo
do tipo de solução considerada.
Obviamente,
há tentativas mais sérias de solução, como a ideia de que
precisamos desenvolver energias alternativas: hidrelétrica, eólica
e solar. Com exceção da hidrelétrica, que já tem um
desenvolvimento importante, em países como o Brasil, as outras são
pouco desenvolvidas. E por uma razão bem simples: são menos
rentáveis do que o petróleo e o carvão. Por isso, não interessa
às empresas e aos Estados, com algumas exceções, investir
maciçamente nessas energias. Em alguns países, chega a 10% o índice
de energia produzida por fontes alternativas, mas o resto continua
com o carvão e o petróleo. Seria necessária uma mudança em grande
escala, acabar com os combustíveis fósseis e desenvolver energias
alternativas. Por enquanto, nenhum governo está fazendo isso, embora
os cientistas já tenham dado o recado: se não mudarmos
drasticamente o padrão de matriz energética, nos próximos dez ou
vinte anos a situação fugirá do controle. É uma questão de
rentabilidade — que é o que conta — e de competitividade.
Outra
tentativa mais interessante por parte dos governos foram os Acordos
de Kyoto. Eles têm alguns aspectos positivos no sentido de serem
acordos em que os governos se empenham em reduzir as emissões de
gás. Só que isso não funcionou, por várias razões, dentre as
quais o método utilizado, que é o mercado dos direitos de emissão,
que não poderia conduzir a uma efetiva redução. Mesmo que o
objetivo de Kyoto tenha sido muito pequeno — reduzir em 8% as
emissões, enquanto os cientistas estão dizendo que precisamos
reduzir em 40% nos próximos anos —, ele não foi alcançado. Além
disso, os principais poluidores, os Estados Unidos, não assinaram
Kyoto. E o país que está aparecendo como o segundo colocado nas
emissões, a China, tampouco assinou.
Houve uma
conferência em Copenhague, em 2009, para discutir esses problemas e
o que fazer com as ameaças do aquecimento global. Os Estados Unidos
utilizaram o argumento de que, embora sejam os maiores responsáveis
pelas emissões de gases poluentes, a China está emitindo tanto
quanto eles, e, se esse país não fizer nada, não serão eles que
tomarão a iniciativa. A isso o governo chinês respondeu, com certa
razão, que os Estados Unidos vêm emitindo gases há um século, têm
uma responsabilidade histórica. Só agora que os chineses iniciaram,
portanto, os Estados Unidos é que deveriam começar a reduzir suas
emissões. Só depois disso, a China poderia discutir esse assunto.
Ou seja, cada um jogou a peteca para o outro. E os governos europeus
disseram que se os Estados Unidos e a China, que são os principais
emissores, não fazem nada, não serão eles, os europeus, que irão
resolver o problema. Dessa forma, todos os governos chegaram ao
acordo de que era urgente não fazer nada, cada um com seus
argumentos. O resultado da conferência de Copenhague foi
praticamente zero. Isso ilustra, entre outras coisas, o poder da
oligarquia fóssil, ou seja, os interesses do carvão, do petróleo,
da indústria automobilística, enfim, de todo esse complexo
gigantesco de que dependem as energias fósseis, que não tem a
mínima vontade de mudar a matriz energética.
Outra
coisa que se deve dizer é que mesmo se as energias fósseis fossem
substituídas pelas energias renováveis, estas também têm seus
probleminhas, como os impactos socioambientais da energia
hidrelétrica. Portanto, é uma ilusão achar que é só uma questão
técnica, de mudar a matriz energética, embora isso seja
fundamental. De qualquer maneira, teremos de reduzir
significativamente o consumo de energia e, consequentemente, a
produção econômica e o consumo. O desenvolvimento alternativo ao
produtivismo e ao consumismo implica uma redução da produção e do
consumo, a começar pelos países capitalistas avançados,
evidentemente, que são os principais responsáveis e os maiores
produtivistas e consumistas.
Até aqui
vai o pessimismo da razão. Agora, vamos começar com o otimismo da
vontade, senão fica muito triste essa história. Vou iniciar com
Copenhague, onde houve a conferência oficial, que não decidiu nada,
mas que também foi palco de um protesto. Saíram às ruas 100 mil
pessoas da Dinamarca e da Europa, protestando contra essa inércia
das potências capitalistas, levando como palavra de ordem principal:
“change the system, not the climate”, ou seja, “mudemos o
sistema, não o clima” — o sistema capitalista, evidentemente.
Essa é a esperança, a de uma luta por transformação sistêmica,
por alternativas radicais. Radical vem do latim radix, que significa
raiz. Se a raiz do problema é o sistema capitalista industrial,
moderno, globalizado, neoliberal, então devemos atacar a raiz do
problema. Essas seriam, portanto, as alternativas radicais
pós-capitalistas. Aqui vem a proposta do ecossocialismo.
Por que
ecossocialismo? Em que se distingue do socialismo tradicional? O
ecossocialismo é uma crítica, por um lado, do socialismo não
ecológico, que foi a experiência fracassada soviética e de outros
países, que do ponto de vista ecológico não representou nenhuma
alternativa ao modelo ocidental. Pelo contrário, tratou de copiar o
modelo produtivo do capitalismo ocidental. Ecossocialismo é uma
crítica desse socialismo — ou pseudossocialismo — não
ecológico, soviético, etc.
Por outro
lado, é uma crítica à ecologia não socialista, que acha que
podemos ter um modelo alternativo de desenvolvimento nos quadros do
capitalismo, do mercado capitalista. Do ponto de vista
ecossocialista, achamos que isso é uma ilusão, pela própria
dinâmica de expansão necessária ao capitalismo, de crescimento,
que leva necessariamente a uma colisão com a natureza e com os
equilíbrios ecológicos. O capitalismo sem crescimento, sem
competição feroz entre empresas e países pelos mercados, é
impossível e inimaginável. Temos no ecossocialismo, desse modo, uma
crítica ao ecologismo de mercado.
É uma
crítica também, ou autocrítica, a certas concepções tradicionais
na esquerda em geral, e no marxismo em particular, sobre o que é uma
transformação socialista. Há uma visão clássica de que é
preciso mudar as relações de produção — propriedade coletiva,
em vez da privada — para permitir que as forças produtivas se
desenvolvam, já que as relações de produção são um obstáculo
ao livre desenvolvimento das forças produtivas. Mas não passa por
aí. Primeiro, porque não é possível o desenvolvimento ilimitado
das forças produtivas. E, em segundo lugar, porque pensar em uma
transformação e em um modelo alternativo de desenvolvimento implica
questionar não só as formas de propriedade e as relações de
produção, mas as próprias forças produtivas, o próprio aparelho
produtivo.
Esse
aparelho produtivo, criado pelo capitalismo ocidental, industrial,
moderno, é incompatível com a preservação do meio ambiente, por
sua matriz energética e por sua forma de funcionamento, que inclui o
agronegócio, o uso de pesticidas, entre toda uma série de
características que mostram que esse aparelho produtivo não serve.
Temos que pensar em uma profunda transformação, não só das
relações de produção, mas do aparelho produtivo.
Mas não
é só isso: precisamos pensar em uma transformação do padrão de
consumo. É insustentável o padrão de consumo do capitalismo
moderno. Isso significa que seria necessária uma redução do
consumo, mas para quem? Nem todo mundo tem que apertar o cinto, não
é bem assim. Primeiro, é uma questão de desigualdade social. O
consumo é dez ou cem vezes maior nos países avançados. Eles são
os primeiros que têm que começar essa mudança. Segundo, há uma
diferença enorme entre o consumo ostentatório das elites dominantes
e o consumo das classes populares: uns comem feijão e milho e outros
compram iates enormes, helicópteros, etc. Não é a mesma coisa. Não
é o que come milho que vai ter que comer menos milho. É o que
compra palácios de luxo que vai ter que reduzir drasticamente seu
consumo ostentatório.
Além
disso, existe no capitalismo algo que se chama obsolescência
planificada dos objetos de consumo. Dentro do capitalismo, os objetos
de consumo já têm, em sua própria concepção, sua obsolescência
prevista para o mais rápido possível. Todo mundo sabe que a
geladeira de quarenta anos atrás durava quarenta anos, e as
geladeiras de agora duram três anos. Isso é necessário: para o
capital vender mais e mais geladeiras, produzir mais e mais, precisa
ter uma duração muito menor. É parte do padrão produtivista e
consumista, e também precisa ser modificado.
Precisamos,
portanto, de mudanças nas formas de propriedade, no aparelho
produtivo, no padrão de consumo, no padrão de transporte. O atual
modelo, baseado no carro individual para as pessoas e no caminhão
para as mercadorias, é insustentável, até porque depende do
petróleo. Por isso, precisamos pensar no desenvolvimento do
transporte coletivo, no trem em vez do caminhão, entre outras
medidas. Tudo isso vai configurando uma mudança bastante radical no
padrão de civilização. Na verdade, a proposta ecossocialista, de
um novo modelo de desenvolvimento mais além do produtivismo e do
consumismo, coloca em questão o paradigma da civilização
capitalista ocidental, industrial, moderna. É uma proposta bastante
profunda. Precisamos pensar em um novo padrão de civilização,
baseado em outras formas de produzir, consumir e viver. Essa é a
discussão que está colocada.
É uma
proposta revolucionária, mas talvez a revolução tenha que ser
redefinida. Gosto muito de citar uma frase de Walter Benjamin. Em
suas Teses sobre o conceito de história, ele diz: “Nós,
marxistas, temos o hábito de dizer que as revoluções são a
locomotiva da história. Mas talvez a coisa seja um pouco diferente.
Talvez as revoluções sejam a humanidade puxando os freios de
emergência para parar o trem.” É uma imagem bastante atual. Hoje
em dia, somos todos passageiros de um trem, que é a civilização
capitalista, industrial, ocidental, moderna. Esse trem está indo,
com uma rapidez crescente, em direção ao abismo. Lá na frente há
um buraco que se chama aquecimento global ou crise ecológica. Não
se sabe a quantos anos de distância se encontra esse abismo, mas ele
está lá. Portanto, a questão é parar esse trem suicida e mudar de
direção. É o desafio colocado pela proposta ecossocialista.
Agora,
muitos dirão, com razão, que é uma proposta simpática e até
interessante, mas e daí, como é que vamos daqui até lá? Não
basta ter uma bela utopia. Acho que temos que partir da ideia de que
o ecossocialismo é algo para um futuro imaginário, mas que devemos
começar aqui e agora. Começando, modestamente, com movimentações,
lutas, em função da busca de alternativas. Essas alternativas já
estão se construindo em movimentos, experiências e lutas atuais.
Um
exemplo de uma luta desse gênero, de um brasileiro que é para mim o
precursor do ecossocialismo: Chico Mendes, um socialista confesso e
convicto, e ecológico. Chico Mendes organizou a Aliança dos Povos
da Floresta para defender a floresta como patrimônio comum dos povos
indígenas e camponeses, patrimônio do povo brasileiro em seu
conjunto, e também da humanidade. A defesa da floresta é uma causa
do conjunto da humanidade porque, como se sabe, as florestas — em
particular a Amazônia — são os chamados “poços de carbono”
que absorvem os gases que estão na atmosfera. Se não houvesse essas
florestas tropicais, o processo de aquecimento global já teria
escapado de qualquer controle e já estaríamos no meio da
catástrofe. O que ainda breca um pouco o processo são as florestas
tropicais. Na Aliança dos Povos da Floresta, Chico Mendes fez um
primeiro movimento em direção ao ecossocialismo, com a ideia de
propriedade comum, bem comum dos povos, bem comum da humanidade.
No Fórum
Social Mundial de Belém, em 2009, por exemplo, houve uma
convergência interessante entre movimentos indígenas, camponeses,
ecologistas, de mulheres, entre outros, em torno de uma exigência
concreta em relação à Amazônia, ao Brasil, ao Peru e a todos os
países amazônicos: desmatamento zero já. É uma exigência
imediata, que tem a ver com a perspectiva de salvar a floresta
tropical.
Outro
exemplo interessante na América Latina é o que se deu recentemente
no Equador, onde há um governo de esquerda, o do presidente Rafael
Correa. Nesse país, há uma região com um grande território de
floresta tropical, onde vivem comunidades indígenas, chamada Parque
Yasuní. Para desgraça dos indígenas, descobriram petróleo nessas
terras. As multinacionais foram correndo para lá, pedindo
autorização para cortar a mata e extrair petróleo. Os indígenas
resistiram, protestaram, o protesto foi apoiado pela sociedade civil,
pela opinião pública, pelos ecologistas, pela esquerda. O governo,
que é progressista, aceitou a proposta dos indígenas e fez a
proposição de deixar esse petróleo debaixo da terra, mas pedir aos
governos dos países ricos, do Norte, que os indenizem em pelo menos
metade do valor desse petróleo. Porque os países do Norte, da
Europa, estão dizendo que querem reduzir a emissão de gases, e a
melhor maneira de reduzir a emissão de gases é não queimar o
petróleo e deixá-lo debaixo da terra.
Essa é a
proposta para o Parque Yasuní. Há atualmente uma negociação entre
o governo do Equador e outros governos, e pelo menos um deles — o
da Noruega — prometeu dar o dinheiro. Já é uma vitória e um
exemplo para outros países, como a Indonésia, onde já está
havendo mobilizações nesse sentido.
Mencionei
a manifestação de Copenhague, que também é um exemplo de
esperança, de otimismo da vontade, com 100 mil pessoas nas ruas
exigindo a mudança do sistema. E essa mobilização teve
continuidade. De todos os governos que estavam em Copenhague, só um
se solidarizou com o protesto, o governo da Bolívia. Evo Morales
saiu da conferência e foi falar com os manifestantes, dizendo que
eles tinham razão. E ele convocou, depois, uma conferência na
Bolívia, em Cochabamba, chamada Conferência dos Povos contra o
Aquecimento Global e em Defesa da Mãe Terra, que foi um evento
importante, com a participação de 30 mil delegados de movimentos
sociais, indígenas, camponeses, representantes da ecologia urbana,
de sindicatos, de organizações de mulheres, etc. A partir daí se
lançou uma campanha internacional. Esse tipo de mobilização e luta
é a esperança de que a coisa possa mudar. Em cima dessas
experiências é que podemos investir nosso otimismo da vontade.
Michael
Löwy é sociólogo, filósofo e diretor emérito de pesquisas em
Ciências Sociais no Centro Nacional de Pesquisas Científicas, da
França (CNRS). É coautor, como Joel Kovel, do Manifesto
Internacional Ecossocialista.
Este
texto é a conferência de abertura do Seminário Abong 20 anos,
intitulada “Uma nova concepção de desenvolvimento – Para
superar o modelo produtivista-consumista”.
Publicado
no Outras Palavras 30/10/2012
Nenhum comentário:
Postar um comentário