Resíduos
de agrotóxicos estão presentes até no leite materno
Cláudia
Collucci
A
exposição aos agrotóxicos causa inúmeros efeitos à saúde e está
ligada a vários tipos de câncer. Não é achismo ou ativismo. É o
que apontam vários estudos científicos ao longo das últimas
décadas.
Alheio
aos sucessivos alertas, o Brasil segue ocupando a liderança mundial
de consumo desses venenos.
Na semana
passada, em um feito inédito, o Inca (Instituto Nacional do Câncer)
se posicionou contra o uso de pesticidas e recomendou a sua "redução
progressiva e sustentada" nas plantações. Alguém avisou o
Ministério da Agricultura sobre isso?
Segundo
documento divulgado pelo instituto, a liberação do uso de sementes
transgênicas no Brasil foi uma das responsáveis por colocar o país
no primeiro lugar no ranking mundial, já que o cultivo das sementes
modificadas exige grande quantidade desses produtos.
No
Brasil, a venda de agrotóxicos saltou de US$ 2 bilhões para mais de
US$ 7 bilhões entre 2001 e 2008, alcançando valores recordes de US$
8,5 bilhões em 2011. Ultrapassamos a marca de 1 milhão de
toneladas, o que equivale a um consumo médio de 5,2 kg de veneno por
habitante. Para a indústria química, o alto consumo é efeito
colateral de um objetivo nobre: aumentar a produtividade das lavouras
brasileiras.
A
literatura científica aponta vários efeitos associados à exposição
crônica aos agrotóxicos, como infertilidade, impotência, abortos,
malformações, neurotoxicidade, desregulação hormonal, efeitos
sobre o sistema imunológico e câncer.
MEDIDAS
Há
medidas muito concretas que o país poderia adotar para frear esse
abuso. Por exemplo, o fim da pulverização aérea, já banida em
quase toda a Europa por causar dispersão dessas substâncias nocivas
no meio ambiente. Apenas uma pequena parte do agrotóxico cai na
planta, a maior parte fica no solo, na água e nas comunidades que
moram no entorno das plantações.
Mas tanto
a indústria quanto o setor da aviação agrícola argumentam que
suprimir a pulverização aérea reduziria em até 40% a
produtividade das lavouras.
Outra
medida defendida pelos ambientalistas é o fim da isenção de alguns
impostos que o país a concede à indústria produtora de
agrotóxicos. O preço de registro de novos agrotóxicos também
funciona como incentivo ao setor. É de no máximo US$ 1 mil. Nos
EUA, custa até US$ 630 mil.
Por
último, o Brasil deveria banir a comercialização de princípios
ativos proibidos em outros países. Um dossiê de 2012 da Abrasco
(Associação Brasileira de Saúde Coletiva) aponta que, dos 50
produtos mais utilizados nas lavouras brasileiras, 22 são proibidos
na União Europeia.
LEITE
MATERNO
Outro
documento, da Anvisa (Agência Nacional de Vigilância Sanitária),
mostra que grande parte do estoque de produtos organofosforados
banidos na China em 2007 tem sido enviados ao Brasil.
Uma
consequência cruel do alto consumo de agrotóxico no país foi muito
bem documentada em 2011, numa pesquisa da Universidade Federal do
Mato Grosso em parceria com a Fundação Oswaldo Cruz: até mesmo o
leite materno pode conter resíduos de agrotóxicos.
O estudo
coletou amostras em mulheres do município de Lucas do Rio Verde
(MT), um dos maiores produtores de soja do país. Em 100% delas foi
encontrado ao menos um tipo de princípio ativo desses produtos. Em
algumas, até seis tipos.
Qual é a
alternativa? Para a indústria, não há. Segundo ela, uma
alimentação 100% orgânica levaria a uma inevitável queda de
produtividade e não só Brasil, mas o mundo teria grande dificuldade
de suprir alimento para a população.
Ambientalistas,
pesquisadores, produtores de orgânicos e o próprio Inca discordam.
Dizem que se houvesse apoio de políticas públicas, crédito,
pesquisa e assistência especializada seria possível construir um
novo modelo agrícola, com alimentos livres de agrotóxico. Essa é
uma bandeira deveria ser encampada pelas redes sociais. A saúde e o
ambiente agradecem.
Publicado na Folha S. Paulo - 14/04/2015
Cláudia
Collucci é repórter especial da Folha, especializada em saúde.
Autora de "Quero ser mãe" e "Por que a gravidez não
vem?" e coautora de 'Experimentos e Experimentações'. Escreve
às terças.
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