Marx
Por
Antônio Delfim Neto
Em 22 de
fevereiro último, Cassiano Elek Machado publicou, nesta Folha,
erudita nota sobre a nova tradução de "O Capital",
realizada pelo competente marxólogo Rubens Enderle. Esta será
publicada pela editora Boitempo (o terceiro volume sai até 2015),
que já tem no seu catálogo outras obras em traduções muito bem
cuidadas dos textos restabelecidos pelas edições críticas (Mega)
das obras completas da dupla Marx-Engels.
Cassiano
colocou uma mesma pergunta ("Por que ler Marx hoje?") a mim
e a três brilhantes filósofos, seguramente mais conhecedores da
obra de Marx do que eu. Eles deram respostas argumentadas e
definitivas. Eu, um modesto economista, pensei em me livrar dela
respondendo simplesmente: "Porque Marx não é moda. É eterno".
Ledo
engano. Recebi a cobrança de alguns elegantes leitores para que a
explicitasse. Pois bem, os "marxismos" que continuam a
infestar a história são modas: produtos de ocasião de pensadores
menores. Há sérias dúvidas, aliás, que Marx tenha alguma vez se
reconhecido como "marxista".
Mas a
problemática que ele colocou --o que é o homem e como pode realizar
plenamente a sua humanidade diante dos constrangimentos que lhe impõe
a organização da sociedade-- é eterna. Ele teve muito cuidado em
não explicitar a sua solução. Cuidado que não tiveram alguns que
se pensaram como seus discípulos no século 20. Quando no poder,
decidiram levar a sério a construção do "homem novo", o
que terminou em tragédia.
Para dar
um pequeno exemplo da intuição de Marx, basta lembrar que, no
"Manifesto Comunista" (1848), ele revelou a propensão do
capitalismo financeiro emergente e avassalador de produzir uma
crescente concentração do poder econômico que, se não fosse
coibido pelo poder político, levaria ao desastre social.
A
financeirização que ele previa continua forte e abrangente no
século 21. Por exemplo, nos últimos dez anos, as commodities
tornaram-se ativos financeiros de fundos de investimento
internacionais. Em 2000, estes não chegavam a US$ 10 bilhões. Em
2012, passaram de US$ 400 bilhões, um aumento de 40% ao ano! Há
menos de 20 anos existiam mais de 20 "traders" de cada
commodity (as oito mais importantes tinham mais de 160!). Houve a
verticalização e fusão antecipadas por Marx.
Hoje, não
passam de 15 organizações que financiam, compram, armazenam,
transportam, vendem e especulam com o resultado do trabalho de
bilhões de agricultores que não têm o menor controle sobre sua
produção. A maior delas, a Glencore, que comercializa tudo, de
petróleo e metais a açúcar e trigo, acaba de aumentar sua
integração. Comprou uma participação na Ferrous Resources, em
Minas Gerais.
Antonio
Delfim Netto, ex-ministro da Fazenda (governos Costa e Silva e
Médici), é economista e ex-deputado federal. Professor catedrático
na Universidade de São Paulo. Escreve às quartas-feiras na versão
impressa da Página A2.
Publicado na Folha de S. Paulo, no dia 13/03/2013
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