Pesticidas,
comida-lixo, diabetes e Alzheimer
Estudo
sugere ligação entre exposição a agrotóxicos e desenvolvimento
de diabetes tipo 2. Em sua coluna de março, o biólogo Jean Remy
Guimarães comenta a pesquisa e evidências crescentes das relações
estreitas entre essas substâncias e doenças crônicas.
Por:
Jean Remy Davée Guimarães
A
relação epidemiológica entre o uso de pesticidas e a crescente
incidência de males como câncer, problemas hormonais e
reprodutivos, entre outros, é cada vez mais clara. Mas novos estudos
têm apontado uma nova e incômoda conexão, desta vez entre
pesticidas e diabetes tipo 2, o que poderia explicar, ao menos
parcialmente, as proporções epidêmicas que essa doença vem
assumindo em escala global.
A
edição de janeiro da Environmental Research traz um estudo de
Arrebola e colaboradores, da Universidade de Granada, Espanha, que é,
ironicamente, uma bomba. A equipe dosou resíduos de diversos
pesticidas no tecido adiposo de 386 pacientes adultos em dois
hospitais do sul do país e concluiu que os pacientes com maiores
níveis de DDE (um produto da degradação do DDT) tinham quatro
vezes mais probabilidade de ter diabetes tipo 2.
Os
autores observaram ainda que um dos componentes do popular pesticida
Lindano também favorece o surgimento do diabetes tipo 2. A relação
direta observada entre os níveis de poluentes orgânicos
persistentes e o desenvolvimento de diabetes era independente da
idade, sexo ou peso corporal do paciente.
Segundo
os pesquisadores, o acúmulo desses poluentes lipofílicos na gordura
corporal poderia explicar por que os obesos têm maior tendência a
desenvolver diabetes. Não se sabe ao certo o mecanismo envolvido,
mas os autores sugerem que os pesticidas provocam uma reação
imunológica em receptores de estrogênio envolvidos no metabolismo
dos açúcares.
Monitor
de açúcar no sangue e caneta injetora de insulina usados por
diabéticos. Pesquisa sugere que o acúmulo de poluentes lipofílicos
(como componentes de pesticidas) na gordura corporal poderia explicar
a maior tendência de obesos a desenvolver diabetes. (foto: Karen
Barefoot/ Sxc.hu)
As
autoridades de saúde estimam que, em 2030, cerca de 4,5% da
população mundial será diabética. Atualmente, cerca de 346
milhões de pessoas sofrem da doença, enquanto 35 milhões são
acometidos pelo Alzheimer. As duas condições geram muito sofrimento
e elevado custo social.
Correlações
perturbadoras
Se
você já estava se perguntando o que diabetes têm a ver com meio
ambiente, a menção ao Alzheimer talvez aumente a confusão.
Mas,
justamente, diabetes, Alzheimer e obesidade estão aumentando
exponencialmente e com correlações perturbadoras entre elas. Da
mesma forma, a disseminação da junk-food (comida-lixo) e da
agricultura industrial regada a pesticidas que a sustenta andam
juntas.
Ok,
pesticidas/junk-food e obesidade/diabetes já são binômios quase
familiares para aqueles que leem as magras seções de ciência da
grande imprensa, mas a insistência do Alzheimer em se meter em
estatísticas onde não foi chamado já intrigava os cientistas há
algum tempo, a ponto de esses começarem a buscar uma relação
causal entre essa doença, o diabetes e a obesidade.
Já
se sabia que há uma forte associação entre diabetes, obesidade,
dieta, demência e Alzheimer. Pessoas que sofrem de diabetes têm
probabilidade 2 a 3 vezes maior de desenvolver Alzheimer do que a
média da população. A conexão obesidade-Alzheimer é menos
estudada, mas sabe-se que a obesidade em idade madura predispõe ao
Alzheimer e que uma vida ativa e dieta saudável reduzem a ocorrência
de demência.
Mas...
e se o Alzheimer fosse, como o diabetes, uma doença metabólica,
associada ao (des)desequilíbrio hormonal e, portanto, induzível por
pesticidas, entre outros disruptores endócrinos? Isto poderia
explicar as correlações observadas. As evidências nesse sentido
são tantas que muitos especialistas já defendem que o Alzheimer
seja considerado como um diabetes tipo 3, pois vários estudos
sugerem que o Alzheimer seria uma consequência de perturbações na
resposta do cérebro à insulina.
Esta,
além de regular o metabolismo do açúcar, tem papel bem definido na
química cerebral, modulando a troca de sinais entre neurônios e
atuando no aprendizado e na memória, bem como na manutenção dos
vasos sanguíneos que irrigam o cérebro.
Tomografia
de um cérebro humano com Alzheimer. Pessoas que sofrem de diabetes
têm maior probabilidade de desenvolver a condição. Especialistas
defendem, inclusive, que o Alzheimer seja considerado um diabetes
tipo 3, pois há evidências de que seria uma consequência de
perturbações na resposta do cérebro à insulina. (imagem: NHI/
Wikimedia Commons)
Eu
achava que o sistema hormonal funcionava, por analogia, como uma
orquestra em que o som produzido por um instrumento influencia o som
de todos os outros, e vice-versa. Já era complicado o bastante, mas
escrever esta coluna me ensinou que a imagem mais correta seria a da
mesma orquestra, mas com cada músico tocando vários instrumentos ao
mesmo tempo, e todos os sons se influenciando mutuamente. Agora
imagine se colocarmos pó-de-mico na gola dos músicos... É o que
ocorre quando um disruptor endócrino é absorvido por inalação,
ingestão ou via cutânea.
Portanto,
se você achava que por ser um urbanoide não-obeso, que gasta boas
quantias em alimentos orgânicos, você estaria a salvo, pode tirar o
cavalinho da chuva: os pesticidas são apenas uma das várias
categorias de disruptores endócrinos, e a dieta é apenas uma das
vias de exposição aos pesticidas.
Equacionando
prós e contras
E
a junk-food, onde entra nisso tudo? O X-tudo com fritas e o rodízio
de salgadinhos já era apontado como fator de desenvolvimento de
Alzheimer devido à redução de irrigação sanguínea causada pelo
colesterol e aumento da pressão sanguínea, mas os estudos mais
recentes sugerem que alimentos com muito açúcar e gordura podem
danificar o cérebro por interromper seu suprimento de insulina.
A
ingestão excessiva de alimentos com muito açúcar e gordura já era
apontada como fator para o desenvolvimento de Alzheimer – devido à
redução de irrigação sanguínea causada pelo colesterol e aumento
da pressão sanguínea. Estudos mais recentes sugerem que estes podem
também danificar o cérebro por interromper seu suprimento de
insulina. (foto: David Boylan/ Sxc.hu)
Naturalmente,
como sempre, mais estudos são necessários etc. etc., mas se as
relações causais aqui descritas forem confirmadas, será uma ótima
notícia. É uma esperança de melhores tratamentos para os que já
sofrem com esses males e de melhores prognósticos para os ilesos até
aqui.
É
também um exemplo que gera reflexão sobre o custo/benefício do
modo de vida que adotamos. Sim, a tecnologia nos permite viver com
mais conforto e por mais tempo, mas também nos rouba qualidade de
vida.
De
que adianta termos Viagras e cia. se não lembrarmos mais para que
serve uma ereção, nem quem é aquela pessoa idosa dormindo ao nosso
lado? Quantos hectares de soja, arroz ou milho são necessários para
bancar um ano de tratamento de um diabético ou uma vítima de
Alzheimer?
Somando
esses e outros custos, ambientais e de saúde, podemos talvez acabar
concluindo que o modelo de agricultura industrial vigente gera
prejuízos que engolem seus ganhos de produtividade e ainda deixam
uma conta pendurada.
Estudos
como os aqui relatados nos dão pistas importantes de como equacionar
tudo isso e tornam mais premente a discussão do tema.
Por
último, mas não menos importante, cada novo estudo apontando
efeitos negativos de pesticidas – ou qualquer outra substância
sujeita à regulamentação – desmoraliza um pouco mais os órgãos
que autorizaram sua produção e uso e não monitoraram seus efeitos.
Acredite
se quiser, mas a liberação é baseada em testes de até 60 dias com
animais de laboratório. Quem realiza esses testes? O próprio
fabricante, ou alguém que ele contratou para isso.
Mas
relaxe, está tudo dominado.
Jean
Remy Davée Guimarães
Instituto
de Biofísica Carlos Chagas Filho
Universidade
Federal do Rio de Janeiro
Publicado
em 15/03/2013
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