segunda-feira, 21 de janeiro de 2008

AMIZADES QUE SURGEM DEBAIXO DOS VIADUTOS

AMIZADES QUE SURGEM DEBAIXO DOS VIADUTOS
(Demilson Fortes)


Assisti, há uns meses atrás a um programa na televisão sobre moradores de rua de São Paulo. Um deles, em depoimento, afirmou que dentre tantas coisas ruins que aconteceram, algumas foram boas. Contou que entre eles há solidariedade no convívio. Da importância do encontro do grupo na hora de refeições que realizam juntos. Nesses momentos, eles conversam e contam suas histórias. Dividem medos e dores, mas também dividem alegrias e sonhos. Em meio aos sentimentos de abandono, das tristezas de uma realidade dura, de quem sente no dia-a-dia e na própria pele o que é o preconceito, a exclusão, as necessidades e a ausência de futuro. Mas, apesar disso tudo, formam uma espécie de comunidade onde há espaço de proteção, de compreensão de carinho e afeto. Cria-se um núcleo de solidariedade. O impressionante é ouvir no depoimento dos moradores, que este espaço de diálogo, de carinho e de compreensão, muitos deles, não tinham em suas casas, com as suas famílias. Fiquei pensado sobre essa triste constatação. Mas, ao mesmo tempo isso mostra que mesmo nos lugares mais inesperados, mais dilacerados socialmente, existe vida pulsante. Que supera os espaços que deveriam ser de diálogo e afeto como a família e a escola. Em que muitas vezes, esses acabam sendo espaços de agressão, de violência, de desentendimento, de estresses diários. Onde há ausência de relação respeitosa. Por vários fatores, esses espaços se fragmentam, respondendo a demandas e respostas de uma sociedade acelerada, veloz. Onde há pouco tempo para os momentos de encontros, de lentidão humana, de socialização, para memória familiar e amizades despretensiosas.

No filme “O Terminal” (filme dirigido por Steven Spielberg e protagonizado por o ator Tom Hanks) acontece assim. Viktor Navorski , é um cara que ficou preso dentro do aeroporto. Ele é um cidadão da República da Krakozhia, que por razões burocráticas relacionadas a relações internacionais entre os dois paises fica detido nos limites do aeroporto. Ali muitas coisas acontecem, mas cria-se um círculo de solidariedade em torno dele por funcionários do aeroporto.

Em baixo das pontes e viadutos das metrópoles, nas noites frias dos invernos, se aquecendo ao redor do fogo, tomando o café quente e contando e relembrando as histórias de vida. Alguns devem ser relatos desesperados, de saudade talvez, contando causos de valentia e heroísmos, de mágoas que precisam ser expelidas, exteriorizadas. Mas, na vida arrumam-se amigos em todos os lugares, inclusive na rua. Há espaço para a amizade, para a reciprocidade, para a confiança, e até para o amor. E o que se espera ser somente tristeza, às vezes é alegre, de uma dimensão humana enorme, pedagógica e que devia servir de exemplo e reflexão para muitos que tem tudo, mas não falta o humano básico. Momentos que os moradores de rua relatam que tem. De se alimentarem juntos e conversarem longamente, muitas famílias, infelizmente, não tem. Talvez porque em baixo do viaduto não tem televisão, não tem a novela diária, onde em muitas casas a televisão, agora a internet pessoal, ou compromissos de cada um são as prioridades. Quando juntos, ficam em frente à TV, paralisados, mudos, extasiados pela mídia. Mas em baixo de muitos viadutos, existem muitas pessoas conversando sobre tudo, por longas horas.

Um comentário:

. disse...

Demilson, conforme prometi, estou visitando teu blog e sobre esse texto da formação de núcleos de convivência e as relações de cumplicidade e carinho que surgem ...é a constatação de que o ser humano é um ser que precisa dividir, compartilhar as emoções e o que nos impede disso não são sensações humanas são interesses individuais. Visitarei com mais frequência. Um abraço. Rosane