[quem
diria]: A praga que veio com a lavoura
Unesp
Ciência - por REDAÇÃO em 10/07/2014
Expansão
da agropecuária pela Amazônia abriu caminho para que novas doenças
atingissem cultivos. Uma delas está atacando os pastos e causando
prejuízo a exportadores de sementes e criadores de gado
Reportagem
de André Julião.
OS
PREJUÍZOS AMBIENTAIS CAUSADOS PELA EXPANSÃO DA AGROPECUÁRIA NA
AMAZÔNIA SÃO NOTÓRIOS , desde a perda de biodiversidade até as
mudanças climáticas que afetam o mundo todo. Menos conhecidos,
porém, são os efeitos da introdução de culturas agrícolas na
região. Pesquisas conduzidas pelo agrônomo Paulo Ceresini,
professor da Faculdade de Engenharia da Unesp em Ilha Solteira, estão
mudando esse quadro. Os estudos, financiados pela Fapesp, estão
mostrando como a agricultura em larga escala pode, na verdade,
contribuir para o surgimento de pragas na lavoura.
O foco
principal das pesquisas de Ceresini é uma doença conhecida como
queima da braquiária. A braquiária é uma planta que, diariamente,
alimenta milhões de sul-americanos, mas não se espante se você
nunca ouviu falar dela. Os sul-americanos em questão são parte das
mais de 300 milhões de cabeças de gado que vivem em nosso
continente. E a braquiária é uma gramínea, surgida originalmente
na África, que chegou aqui apenas nos anos 1960 e hoje é o capim
mais usado para pastagens no continente, espalhando-se numa área
entre 60 e 70 milhões de hectares.
A queima
da braquiária destrói as paredes celulares das folhas, o que as
torna inúteis para a alimentação do gado. “É um patógeno
especial, que pode se instalar tanto fora quanto dentro da semente”,
explica Ceresini. “Devido ao fato de ser invisível a olho nu, ele
pode facilmente ser dispersado pela semente, de uma região para
outra”, diz.
Como
fungicidas não dão conta, a única alternativa para o produtor cuja
pastagem foi atacada pelo mal é limpar o terreno para plantar outra
cultura. E os prejuízos podem ser ainda maiores: além de usar a
plantinha para alimentar o rebanho, o Brasil também é exportador de
semente de braquiária, o que só aumenta a preocupação com o
surgimento de patógenos.
Até
recentemente, ignorava-se como a queima da braquiária poderia ter se
originado. A pesquisa de Ceresini conseguiu mostrar que a doença é
uma espécie de “versão adaptada” de um mesmo mal que ataca as
culturas de arroz e de soja, casos em que é conhecida
respectivamente como “queima da bainha” e “mela”. “As
mesmas áreas onde hoje encontramos a queima da braquiária no
passado foram ocupadas por lavouras dessas duas culturas”, diz
Ceresini.
No estudo
conduzido pelo agrônomo, foram analisadas 1.200 amostras de plantas
doentes das três culturas, coletadas nos Estados de Rondônia,
Roraima, Pará e Mato Grosso e no Estado de São Paulo. Dessas, mil
tinham espécies do fungo Rizhoctonia. As análises reforçaram a
hipótese de que, quando as culturas da soja ou do arroz são
substituídas pela pecuária, a doença fica no solo e toma conta do
capim.
A
suspeita começou a ser investigada quando o professor recebeu uma
aluna de doutorado da Colômbia, que alertou sobre os males que a
queima da braquiária estava causando naquele país. “Não se sabia
o que a originava. Havia a suspeita de que fosse algo fisiológico ou
causado por um inseto, mas nada conclusivo”, lembra o pesquisador.
Em 2012, a pesquisa foi concluída e ficou claro que, pelo menos na
Colômbia, a doença emergiu das plantações de arroz.
Ceresini
descobriu que tanto na soja e no arroz quanto na braquiária, a
doença é causada por fungos do gênero Rhizoctonia. Em todos os
Estados da região amazônica em que fez coletas, a equipe do
pesquisador encontrou espécies como Rhizoctonia solani, R. oryzae,
R. oryzae-sativae e R. zeae. Em São Paulo, as amostras foram
coletadas no Vale do Paraíba. Aqui, a doença não foi encontrada no
capim, mas somente no arroz. “A presença desses fungos no terreno
não vai necessariamente gerar contaminação na braquiária, mas
como os fungos pertencem ao mesmo gênero, não é impossível que
isso ocorra no futuro”, diz.
O
pesquisador explica que quando lavouras são estabelecidas em áreas
anteriormente cobertas por florestas, patógenos que antes estavam
presentes ali, mas numa condição de equilíbrio ambiental, passam a
interagir com as culturas trazidas pelos agricultores. Aparentemente,
a interação ocorreu primeiro com as culturas de arroz e de soja, e,
à medida em que estas deram lugar a pastagens, terminou por
contaminar também a braquiária.
“Estes
fungos tiveram uma evolução muito rápida, adaptando-se a plantas
muito diferentes umas das outras do ponto de vista biológico”, diz
o pesquisador. “Se a braquiária não tivesse sido introduzida na
Amazônia, talvez esse patógeno nunca tivesse surgido”, pondera.
No caso
daquela região, as evidências mostram que a doença provavelmente
acompanhou a expansão do arroz, normalmente a primeira cultura a ser
introduzida numa área nova. Isso ocorreu em diversos momentos na
Amazônia, ocupada em ondas sucessivas de migração incentivadas por
planos de governo. Depois do fim do Ciclo da Borracha, que teve sua
última sobrevida na Segunda Guerra, vieram a Operação Amazônia
nos anos 1960, o primeiro Plano Nacional de Desenvolvimento e o Plano
de Integração Nacional, ambos na década seguinte, que
privilegiaram a ocupação do território e a pecuária.
Há
também a hipótese de que a doença já fosse nativa da região e
estivesse em equilíbrio na floresta. Afinal, como existe uma grande
diversidade de espécies nos ambientes naturais, o fungo não chegava
a causar uma epidemia. “Derrubou-se a floresta e se introduziu uma
planta exótica em grande quantidade. O fungo, então, troca de
hospedeiro, e vira um patógeno novo naquela cultura”, explica
Ceresini.
Mesmo com
essas informações, é difícil evitar que o mesmo ocorra em São
Paulo. “A única forma seria não plantar braquiá-ria nas regiões
onde o fungo é encontrado”, diz Ceresini. No entanto, não existe
nenhuma política pública direcionada para detectar e impedir a
emergência de novos patógenos. “Nunca somos proativos quando se
trata de pragas agrícolas, estamos sempre reagindo depois que já
causaram prejuízos”, avalia. A pesquisa contribui para que se
enxergue a expansão da agropecuária em nosso país de forma
crítica. “O Brasil, além de ser autossuficiente no que consome,
ainda exporta. Não é necessário expandir mais”, diz.
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