1964: a democracia interrompida
Por Demilson Fortes
Há meio
século, no dia da mentira, o país acordou com um pesadelo real:
tanques e soldados armados avançavam sobre as cidades invadindo ruas
e espaços públicos, casas sendo violadas e cidadãos brasileiros presos
sem mandado judicial e sem explicação, tendo suas vidas transtornadas.
No dia 1º de abril de 1964 o Brasil sucumbiu a brutalidade dos que
se estabeleceram no poder de forma ilegítima, pela força e violência. Nesse dia as Forças Armadas brasileiras
renunciaram a democracia e foram capturadas para o projeto
conservador, antidemocrático e antipopular. Instalava-se no Brasil
uma ditadura civil-militar, que duraria até 1985 e faria retroceder
a democracia e deixaria o país quebrado.
Os golpistas curvaram o povo brasileiro, as instituições da sociedade civil, o Legislativo e o Judiciário, aos seus interesses políticos e de classe, e interromperam reformas que mudariam profundamente o Brasil, como a reforma agrária, que poderia alterar o perfil da ocupação do campo e diminuir o poder das velhas oligarquias agrárias. No Brasil, historicamente, a propriedade da terra sempre esteve ligada ao poder político e econômico.
Os golpistas curvaram o povo brasileiro, as instituições da sociedade civil, o Legislativo e o Judiciário, aos seus interesses políticos e de classe, e interromperam reformas que mudariam profundamente o Brasil, como a reforma agrária, que poderia alterar o perfil da ocupação do campo e diminuir o poder das velhas oligarquias agrárias. No Brasil, historicamente, a propriedade da terra sempre esteve ligada ao poder político e econômico.
No dia em que a democracia acabou, venceram os poderosos de sempre, utilizando-se dos instrumentos ideológicos de classe, fazendo de tudo para defender seus interesses e chegar ao poder, inclusive da mentira e da violência. A
ditadura que iniciava, interrompeu a trajetória do país de
ser uma grande democracia. Foi interditado o projeto nacional conduzido pelo presidente João Goulart, que propunha combinar desenvolvimento, justiça social, promoção de direitos dos trabalhadores com liberdades políticas.
O golpe, conduzido por militares, foi construído e sustentado por civis e militares, a partir de diversos setores como empresariais, latifundiários, industriais, imprensa, religiosos, maçonaria, tradicionalistas gaúchos, lideranças da oposição oportunista etc. O golpe foi apoiado pelos Estados Unidos, que tinha como praxe intervir na América Latina segundo seus interesses econômicos e geopolíticos.
O golpe, conduzido por militares, foi construído e sustentado por civis e militares, a partir de diversos setores como empresariais, latifundiários, industriais, imprensa, religiosos, maçonaria, tradicionalistas gaúchos, lideranças da oposição oportunista etc. O golpe foi apoiado pelos Estados Unidos, que tinha como praxe intervir na América Latina segundo seus interesses econômicos e geopolíticos.
Fazer a reflexão com compromisso de esclarecer a verdade é compreender
que a ditadura fez muito mal ao Brasil. Foi no período da ditadura
cresceu profundamente a desigualdade social, com concentração
renda e riqueza, aumentando o abismo entre ricos e pobres. Somente uma elite da
sociedade se beneficiou. Não estava nos jornais e não se debatia
porque imperava a censura, mas a corrupção foi prática
corriqueira. Corrupção e ditaduras sempre andam juntas porque a
transparência não existe e a mobilização social é proibida e reprimida, como é o caso do período.
Alguns
ousam dizer que a ditadura foi importante economicamente para o país.
Mas, o fato é que a ditadura foi um desastre para o Brasil. Embora
passou a imagem de boa gestão, essa é mais um engodo da ditadura.
A
economia do país cresceu na ditadura, mas com um custo muito alto
que seria posteriormente transferido para a democracia. O Brasil cresceu à custa de
um tremendo arrocho salarial que transferiu renda dos trabalhadores e
dos mais pobres para os mais ricos. A inflação cresceu muito até
chegar no descontrole justamente quando os ditadores estavam indo
embora e passando a gestão para os civis. A dívida externa que
financiou o crescimento aumentou assustadoramente, tornando no
período quase impagável. Essa situação impactou os anos da
transição democrática.
O
“sucesso” dos ditadores custou caro ao país. O fato é que o
“milagre econômico” período da ditadura passou como passivo a
ser pago pela democracia. Na metade dos anos 80, quando o presidente
civil assumiu o país estava mergulhado na hiperinflação, tinha uma
dívida externa enorme e uma gigantesca dívida social com seu povo. Os militares entregaram um
Estado desorganizado, burocratizado e endividado. O país tinha conflitos sociais
e as instituições da democracia ainda engatinhavam.
Sob a
ditadura, o Estado brasileiro praticou e autorizou atrocidades.
Rompeu com a legalidade, rasgou a Constituição e impôs o medo. Um
Estado fora da Lei. Onde a "justiça" era feita pela vontade dos
generais, coronéis, sargentos, delegados e policiais em cada esquina
e porão das delegacias e quartéis. Um projeto baseado na vingança
ideológica, no ódio ao diferente e na imposição do medo. A
vontade pela força de quem estava com uma arma na mão. As ditaduras são assim, covardes por natureza, agem através da força e não dos argumentos.
Os novos
donos do poder, declararam guerra à oposição, tornados inimigos do
regime. Vencer na lógica dos ditadores significava acabar com as
liberdades e sufocar as vozes discordantes. Era ter a violência como
método. Para os golpistas calar e prender era insuficiente muitas vezes, era necessário eliminar fisicamente seus
opositores.
Infelizmente,
o Brasil ainda não encarou o assunto como deveria. Porém, no marco
dos 50 anos, é tempo de iluminar esse triste
período, de anos sombrios. É preciso falar sobre esse tempo,
contar para as novas gerações. Encarar a história. Falar, lembrar,
elaborar e processar coletivamente a nossa história é pedagógico - e
até terapêutico. Olhar o mal bem de perto; encará-lo e decifrá-lo. O Brasil
precisa libertar-se do medo.
Para o
país, é vital a memória histórica do período. Muitos dos
problemas que ainda vivemos hoje foram produzidos, perpetuados ou
agravados sob a ditadura. É necessário saber da verdadeira herança:
privilégios da elite e descaso com os pobres e com a periferia, poder das oligarquias regionais, corrupção,
desigualdade social, instituições autoritárias, polícia violenta,
monopólios de mídia etc. Havia uma ausência de direitos humanos, políticos e
civis, mas também faltava educação pública, saúde, moradia e terra para os trabalhadores.
Foi durante a ditadura que as periferias das cidades incharam e se
degradaram.
Um
aspecto que talvez muitos não saibam é que foi nos governos da ditadura que foi incentivado o desmatamento da Amazônia e do Cerrado, nos estados do Norte e Centro-Oeste,
onde os monocultivos agrícolas avançaram colocando em risco a existência desses ecossistemas. Foi nesse período que grandes empresas multinacionais de
agrotóxicos e insumos agrícolas se instalaram no país, consolidaram suas estratégias e muito
lucraram. Muito dos problemas ambientais e da concepção de
crescimento que desconsidera os danos ambientais é herança da
ditadura que ficou impregnada no Estado na sociedade brasileira.
Sob o
pretexto de cumprir ordens, milhares de soldados, cabos, sargentos,
coronéis, delegados prenderam, torturaram, mataram, calaram. Com o argumento de cumprir ordens e ganhar o seu salário milhares de civis - “pessoas de bem” -, sabiam dos crimes e das torturas, mas serviram
passivamente ao regime autoritário.
Quando
completa 50 anos do golpe, é importante a população
brasileira aprofundar e debater a sua história, assumindo
compromissos de rejeitar ditaduras. É dia de lembrar do tempo em que
a democracia foi golpeada e dos abusos cometidos, mas também, é dia
de valorizar e celebrar a liberdade e a democracia brasileira. Ditadura
Nunca Mais!
Porto Alegre/RS, 1º de
abril de 2014
Demilson Fortes
Demilson Fortes
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